quinta-feira, 19 de julho de 2012

Método de Determinação dos Atributos de Deus

Em sua tentativa de elaborara um sistema de teologia natural, os escolásticos firmaram três modos pelos quais determinar os atributos de Deus, modos que eles denominam via causalitatis, via negationis e eminentiae. Pela via da causalidade subimos dos efeitos que vemos no mundo que nos cerca para a idéia de uma Causa primeira, da contemplação da criação para a idéia de um onipotente Criador, e da observação do governo moral mundo para a idéia de um Governante poderoso e sábio. Pela via da negação retiramos de nossa idéia de Deus todas as imperfeições vistas em Suas criaturas, como incoerentes com a idéia de um Ser Perfeito, e Lhe atribuímos as respectivas perfeições opostas. Apoiados neste princípio, dizemos que Deus é independente, infinito, incorpóreo, imenso, imortal e incompreensível. E finalmente, pela via da eminência atribuímos a Deus, de modo o mais eminente, as perfeições relativas que descobrimos no homem, segundo o princípio de que o que existe num efeito, preexiste em sua causa, e ainda, no sentido mais absoluto, em Deus como ser perfeitíssimo. Este método pode atrair alguns, porque parte do conhecido para o desconhecido, mas não é o método apropriado para a teologia dogmática. Tem como ponto de partida o homem e tira suas conclusões partindo daquilo que ele encontra no homem para o que se acha em Deus. E, na medida em que age deste modo, faz o homem a medida de Deus. Certamente não é um modo de proceder teológico. Além de tudo mais, baseia o seu conhecimento de Deus em conclusões humanas, em vez de baseá-lo na auto-revelação de Deus em Sua palavra divina. Ora, é esta a única fonte adequada de conhecimento de Deus. Conquanto se possa seguir aquele método na teologia natural, assim chamada, não se enquadra numa teologia da revelação.
Pode-se dizer a mesma coisa dos métodos sugeridos pelos representantes modernos da teologia experimental. Um exemplo típico disto pode-se ver na Theology as na Empirical Science, de Macintosh.[1] Ele também fala de três procedimentos metodológicos. Podemos começar com nossas intuições da realidade de Deus, aquelas certezas que independem do raciocínio e que se acham firmemente arraigadas na experiência imediata. Uma delas é a de que o Objeto da nossa confiança religiosa é absolutamente suficiente para as das nossas necessidades imperativas. Em especial, pode-se tirar deduções da vida de Jesus e das “Semelhanças de Cristo” em toda parte. Também podemos ter nosso ponto de partida, não nas certezas do homem, mas em suas necessidades. O postulado praticamente necessário é que Deus é absolutamente suficiente e absolutamente confiável com referência às necessidades religiosas do homem. Sobre esta base o homem pode construir a sua doutrina dos atributos de Deus. E, finalmente, também é possível seguir um método mais pragmático, que repousa no princípio de que, até certo ponto, podemos aprender o que são as coisas e as pessoas, além do que percebemos imediatamente o que são, observando o que elas fazem. Macintosh acha necessário usar os três métodos.
Ritschl pretende que partamos da idéias de que Deus é amor, e gostaria que indagássemos o que é que está envolvido nessa idéia sumamente característica de Deus. Desde que o amor é pessoal, implica a personalidade de Deus e, assim, dá-nos um princípio para a interpretação do mundo e da vida do homem. O pensamento de que Deus é amor leva consigo a convicção de Ele pode realizar o Seu propósito de amor, isto é, de que a Sua vontade é supremamente efetiva no mundo. Isto dá a idéia de um Criador todo-poderoso. E, em virtude deste pensamento básico, afirmamos também a eternidade de Deus, desde que, dominando todas as coisas para a concretização do Seu reino, Ele vê o fim desde o princípio. Com engenho um tanto similar, diz o Dr. W. A. Brown: “Obtemos o nosso conhecimento dos atributos analisando a idéia de Deus, que já recebemos da revelação em Cristo; e os dispomos de molde a levar os traços distintivos dessa idéia à sua mais clara expressão”.[2]
Todos esses métodos têm seu ponto de partida na experiência humana, e não na Palavra de Deus. Deliberadamente ignoram a clara revelação que Deus nos dá de Si na Escritura e exaltam a idéia do descobrimento humano de Deus. Os que se apóiam em tais métodos têm uma idéia exagerada da sua capacidade de revelar Deus e de determinar a natureza de Deus indutivamente, mediante “métodos científicos” reconhecidos. Ao mesmo tempo, fecham os olhos para a única avenida pela qual poderiam obter real conhecimento de Deu, a saber, a Sua revelação especial, evidentemente esquecidos do fato de que somente o Espírito de Deus pode sondar e revelar as profundezas de Deus, e no-las revelar. O próprio método de que se utilizam os compele a arrastar Deus para baixo, ao nível do homem, a salientar a Sua imanência em detrimento da Sua transcendência, e a fazer dele um Ser em continuidade com o mundo. E como resultado final da sua filosofia, temos um Deus feito à imagem do homem. William James condena todo intelectualismo em religião e sustenta que a filosofia, na forma de teologia escolástica, falha tão completamente na tentativa de definir os atributos de Deus cientificamente, como na de estabelecer a Sua existência. Após apelar para o livro de Jó, diz ele: “O raciocínio é um caminho relativamente superficial e irreal para a Divindade”. James conclui a sua discussão com estas significativas palavras: “com toda sinceridade, penso que devemos concluir que a tentativa de demonstrar, por meio de processos puramente intelectuais, a veracidade das comunicações e experiências religiosas diretas, é absolutamente frustrante”.[3] Ele tem mais confiança no método pragmático que procura um Deus que satisfaça as necessidades práticas do homem. Em sua opinião, é suficiente crer que “além de cada homem e de maneira contínua com ele, existe um poder maior que lhe é amistoso, a ele e aos seus ideais. Tudo que os fatos exigem é que o poder seja diverso maior que o nosso ser pessoal consciente. Qualquer coisa maior servirá, se tão somente for bastante grande para inspirar confiança para o próximo passo. Não precisa ser infinito, não precisa ser solitário. Poderia até, concebivelmente, ser apenas um ser um pouco maior e mais divino, um ser do qual o atual seria então uma expressão mutilada, e, concebivelmente, o universo poderia ser uma reunião de tais seres, de diferente grau e inclusivamente, sem nenhuma unidade absoluta nela presente de fato”.[4] Assim, o que nos deixa é a idéia de um Deus finito.[5]
A única maneira apropriada pela qual obter conhecimento dos atributos divinos perfeitamente confiável é o estudo da auto-revelação de Deus na Escritura. É na verdade que podemos adquirir algum conhecimento da grandeza e poder de Deus, de Sua sabedoria e bondade, pelo estudo da natureza, mas para uma adequada concepção, mesmo destes atributos, será necessário voltar-nos para a palavra de Deus. Na teologia da revelação procuramos aprender da palavra de Deus quais são os atributos do Ser Divino. O homem não pode extrair conhecimento de Si ao homem, conhecimento que o homem pode somente aceitar e assimilar. Naturalmente, para a apropriação e entendimento deste conhecimento revelado, é da maior importância que o homem tenha sido criado à imagem de Deus e, portanto, encontre úteis analogias em sua própria vida. Em distinção do método a priori dos escolásticos, que deduziam os atributos da idéia de um Ser perfeito, este método pode ser denominado a posteriori, desde que toma o seu ponto de partida, não num Ser perfeito e abstrato, mas na plenitude da auto-revelação divina, e, à luz desta, procura conhecer o Ser Divino.


[1] p. 159s.
[2] Chr. Theol. In Outline, p.101.
[3] Varieties of Religious Experience, p.455.
[4] Ibid, p. 525.
[5] Cf. Baillie, Our Knowledge of God, p. 251s., sobre esta matéria.

(Teologia Sistemática - Louis Berkhof)

Os atributos de Deus

Avaliação dos Termos Empregados

O nome “atributos” não é ideal, desde que transmite a noção de acrescentar ou consignar alguma coisa a alguém, e, portanto, pode criar a impressão de que alguma coisa é acrescentada ao Ser Divino. Indubitavelmente o termo “propriedade” é melhor, no sentido de indicar algo que é próprio de Deus e de Deus somente. Naturalmente, dado que alguns dos atributos são comunicáveis, o caráter absoluto do proprium é enfraquecido, pois, naquela extensão, alguns dos atributos não são próprios de Deus no sentido absoluto da palavra. Mas, mesmo que este vocábulo sugere uma distinção entre a essência ou natureza de Deus e aquilo que lhe é próprio. De modo geral, é preferível falar das “perfeições” ou “virtudes” de Deus, com o definido entendimento, porém de que, neste caso, o termo “virtudes” não é empregado em sentido simplesmente ético. Agindo assim, (a) seguimos o uso da Bíblia, que emprega o termo arete, traduzido por virtudes ou excelências em 1 Pe 2.9; e (b) evitamos a idéia de que alguma coisa é acrescentada ao Ser de Deus. Suas virtudes não são adicionadas ao Seu Ser, mas, antes, o Seu Ser é o pleroma de Suas virtudes e nestas se revela. Os atributos de Deus podem ser definidos como as perfeições que constituem predicados do Ser Divino na Escritura, ou que são visivelmente exercidas por ele em Suas obras de criação, providência e redenção. Se continuamos a empregar o nome “atributos”, é porque é comumente utilizado, e o fazemos com claro entendimento de que se deve excluir rigidamente a noção de algo acrescentado ao Ser de Deus.
(Teologia Sistemática - Louis Berkhof)

Auto-Revelação, Requisito de todo Conhecimento de Deus


1. DEUS TRANSMITE CONHECIMENTO DE SI PRÓPRIO AO HOMEM. Kuyper chama a atenção para o fato de que a teologia, como conhecimento de Deus, difere num importante ponto de todos os demais tipos de conhecimento. No estudo de todas as outras ciências, o homem se coloca acima do objeto de sua investigação e ativamente extrai dele o seu conhecimento pelo método que lhe pareça mais apropriado, mas, na teologia, ele não pode colocar-se acima, e, sim, sob o objeto do seu conhecimento. Noutras palavras, o homem só pode conhecer a Deus na medida em que Este ativamente se faz conhecido. Deus é, antes de tudo, o sujeito que transmite conhecimento ao homem, e só pode tornar-se objeto de estudo do homem na medida em que este assimila e reflete o conhecimento a ele transmitido pela revelação. Sem a revelação, o homem nunca seria capaz de adquirir qualquer conhecimento de Deus. E, mesmo depois de Deus ter-se revelado objetivamente, não é a razão humana que descobre Deus, mas é Deus que se descerra aos olhos da fé. Contudo, pela aplicação da razão humana santificada ao estudo da palavra de Deus, o homem pode, sob a direção do Espírito Santo, obter um sempre crescente conhecimento de Deus. Barth também salienta o fato de que o homem só pode conhecer a Deus quando Deus vem a ele num ato de revelação. Ele afirma que não existe nenhum caminho do homem para Deus, mas somente de Deus para o homem, e diz repetidamente que Deus é sempre o sujeito, e nunca um objeto de conhecimento. A revelação é sempre algo puramente subjetivo e jamais poderá transformar-se em algo objetivo como apalavra escrita da Bíblia e, como tal, vir a ser um objeto de estudo. A revelação foi dada, de uma vez por todas, em Jesus Cristo, e em Cristo chega aos homens no momento existencial das suas vidas. Apesar de haver elementos de verdade no que Barth diz, a sua construção da doutrina da revelação é alheia à teologia reformada.
Todavia, deve-se manter a posição que afirma que a teologia seria totalmente impossível, sem uma auto-revelação de Deus. E quando falamos de revelação, empregamos o termo no sentido estrito da palavra. Não se trata de uma coisa na qual Deus é passivo, um mero “tornar-se manifesto”, mas uma coisa na qual Ele ativamente se faz conhecido. Não é, como muitos pensadores modernos o vêem, um aprofundamento discernimento espiritual que leva a um sempre crescente descobrimento de Deus por parte do homem; mas sim, um ato sobrenatural de auto-comunicação, um ato prenhe de propósito, da parte o Deus Vivente. Não há nada surpreendente no fato de que Deus só pode ser conhecido se Ele se revela, e na medida em que o faz. Até certo ponto isso é verdade também quanto ao homem. Mesmo depois que a psicologia fez um estudo particularmente exaustivo do homem, Alexis Carrel pôde escrever um livro muito persuasivo sobre, O Homem, Esse Desconhecido, “Porque”, diz Paulo, “qual dos homens sabe cousas do homem, senão o seu próprio espírito que está nele? Assim também as cousas de Deus ninguém conhece, senão o Espírito de Deus”. (1 Co 2.11). O Espírito Santo perscruta todas as cousas. Até mesmo as profundezas de Deus, e as revela ao homem. Deus tem-se dado a conhecer. Ao lado do conhecimento arquetípico de Deus, que se acha no próprio Deus, há também um conhecimento ectípico dele, dado ao homem por meio da revelação. Este último relaciona-se com o primeiro como uma cópia com o seu original e, portanto, não tem as mesmas proporções de clareza e perfeição. Todo o nosso conhecimento de Deus é derivado da Sua auto-revelação na natureza e na Escritura. Conseqüentemente, o nosso conhecimento é, de um lado, ectípico e analógico, mas, de outro, é também verdadeiro e preciso, visto que é uma cópia do conhecimento arquetípico que Deus tem em Si mesmo.
2. CONHECIMENTO DE DEUS, INATO E ADQUIRIDO (COGNITIO INSITA E ACQUISTA). Normalmente se faz distinção entre o conhecimento de Deus, inato e adquirido. Não é uma distinção estritamente lógica porque, em última análise, todo conhecimento humano é adquirido. A doutrina das idéias inatas é filosófica, não teológica. Suas sementes já se acham na doutrina das idéias, que nos vem de Platão, ocorrendo de modo mais desenvolvido na obra de Cícero, intitulada De Natura Deorum. Na filosofia moderna, foi ensinada primeiramente por Descartes, que considerava a idéia de Deus como inata. Ele não julgava necessário considerá-la inata no sentido de que estava desde o princípio conscientemente presente na mente humana, mas só no sentido de que o homem tem uma tendência natural de formar a idéia quando a mente chega à maturidade. Finalmente, a doutrina assumiu a forma de que há certas idéias, das quais a idéia de deus é a mais proeminente, que são ingênitas e, portanto, estão presentes na consciência humana desde o nascimento. Foi nesta forma que Locke, acertadamente, investiu contra a doutrina das idéias inatas, embora indo a outro extremo em seu empirismo filosófico. A teologia reformada também rejeitou a doutrina naquela formulação particular. E enquanto alguns dos seus representantes mantiveram o nome “idéias inatas”, mas lhe deram outra conotação, outros preferiram falar de uma cognitio Dei insita (conhecimento de Deus enxertado ou implantado). Por um lado, esta cognitio Dei insita não consiste de idéias e noções formadas, presentes no homem por ocasião do seu nascimento; por outro lado, porém, é mais que uma simples capacidade que possibilita ao homem conhecer a Deus. Ela denota um conhecimento que necessariamente resulta da constituição da mente humana, conhecimento congênito só no sentido de que é adquirido espontaneamente, sob a influência da semem religionis implantada no homem por sua criação à imagem de Deus, e que não é adquirido pelo laborioso processo de raciocínio e argumentação. É um conhecimento que o homem, constituído como é, adquire necessariamente, e, como tal, distingue-se de todo conhecimento condicionado pela vontade do homem. O conhecimento adquirido, por outro lado, é obtido pelo estudo da revelação de Deus. Não surge espontaneamente na mente humana, mas resulta de consciente e constante busca de conhecimento. Só pode ser adquirido pelo fatigante processo de percepção e reflexão, raciocínio e argumentação. Sob a influência do idealismo hegeliano e pelo conceito moderno de evolução, o conhecimento inato de Deus tem recebido forte ênfase; por outro lado, Barth nega a existência de qualquer conhecimento dessa espécie.
3. A REVELAÇÃO GERAL E A ESPECIAL. A Bíblia atesta uma dupla revelação de Deus: uma revelação na natureza que nos cerca, na consciência humana, e no governo providencial do mundo; e uma revelação encarnada na Bíblia como palavra de Deus. A testa a primeira em passagens como as seguintes; “Os céus manifestam a Glória de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia e uma noite revela conhecimento à outra noite” Salmo 19.1, 2. “Contudo, não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos dos céus chuvas e estações frutíferas, enchendo os vossos corações de fartura e de alegria” Atos 14.17. “porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim como o seu eterno poder como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas”, Romanos 1.19, 20. Da revelação especial temos abundante prova no Velho e no Novo testamento. “O Senhor advertiu a Israel e a Judá por intermédio de todos os profetas e de todos os videntes, dizendo: Voltai-vos dos vossos maus caminhos, e guardai os meus mandamentos e os meus estatutos, segundo toda a lei que prescrevi a vossos pais e que vos enviei por intermédio dos meus servos, os profetas” 2 Reis 17.13. “manifestou os seus caminhos a Moisés, e os seus feitos, aos filhos de Israel” Salmo 103.7. “ninguém jamais viu a Deus: o Deus unigênito, que está no seio do pai, é quem o revelou” João 1.18. “havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de muitas maneiras aos pais , nos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo filho” Hebreus 1.1, 2.
Com base nestes dados escriturísticos, tornou-se costume falar da revelação natural e sobrenatural. A distinção assim aplicada à idéia de revelação é, primariamente, uma distinção baseada na maneira pela qual ela é comunicada ao homem; mas, no transcurso da história, também tem sido baseada, em parte, na natureza da matéria que trata. O método de revelação é natural quando esta é comunicada por meio da natureza, isto é, por meio da criação visível com suas leis e poderes ordinários. É sobrenatural quando é comunicada ao homem de maneira mais elevada, sobrenatural, como quando Deus fala, quer diretamente, que por meio de mensageiros sobrenaturalmente dotados. A substância da revelação era considerada como natural, se pudesse ser adquirida pela razão humana graças ao estudo da natureza; era considerada sobrenatural quando não podia ser conhecida a partir da natureza, nem pela razão humana desassistida. Daí veio a ser muito comum na Idade Média contrastar a razão coma revelação. Na teologia protestante, a revelação natural muitas vezes era chamada revelatio realis, e a revelação sobrenatural revelatio verbalis, porque a primeira está encarnada nas coisas, e a segunda em palavras. No transcorrer do tempo, porém, viu-se que a distinção entre a revelação natural e a sobrenatural era ambígua, visto que toda revelação é sobrenatural quanto à origem e, como revelação de Deus, também quanto ao conteúdo. Ewald, em sua obra sobre Revelation: Its nature and Record, fala da revelação na natureza como revelação imediata, e da revelação na Escritura, que ele considera a única que merece o nome “revelação” no sentido mais completo, como revelação mediata.[1] Uma distinção mais comum, porém, que, aos poucos, foi ganhando aceitação geral, é a de revelação geral e especial. O Dr. Warfield distingue as duas como segue: “A primeira é dirigida de modo geral a todas as criaturas inteligentes, e, portanto, é acessível a todos os homens; a outra dirige-se a uma classe especial de pecadores, aos quais Deus quis tornar conhecida a Sua salvação. A primeira tem em vista localizar e suprir a necessidade natural das criaturas quanto ao conhecimento do seu Deus; a outra, resgatar do seu pecado e suas conseqüências pecadores escravizados e deformados”.[2] A revelação geral está arraigada na criação, é dirigida ao homem na qualidade de homem, e mais particularmente à razão humana, e acha seu propósito na concretização do fim da sua criação, conhecer a Deus e assim desfrutar comunhão com Ele. A revelação especial está arraigada no plano de redenção de Deus, é dirigida ao homem na qualidade de pecador, pode ser adequadamente compreendida e assimilada somente pela fé, e serve ao propósito de assegurar o fim para o qual o homem foi criado a despeito de toda a perturbação produzida pelo pecado. Em vista do plano eterno de revelação, deve-se dizer que esta revelação especial não apareceu como um pensamento posterior, mas estava na mente de Deus desde o princípio.
Houve considerável diferença de opinião a respeito da revelação destas duas formas de revelação ume com a outra. Conforme o escolasticismo, a revelação natural fornecia os dados necessários para a construção de uma teologia natural científica pela razão humana. Mas, conquanto capacitasse o homem a atingir conhecimento científico de Deus como a causa última de todas as coisas, não fornecia o conhecimento dos mistérios como os da Trindade, da encarnação, e da redenção. Este conhecimento é dado pela revelação especial. É um conhecimento não demonstrável racionalmente, mas deve ser aceito pela fé. Alguns dos mais antigos escolásticos foram guiados pelo lema. “Credo ut intelligam”, e, depois de aceitarem as verdades da revelação especial pela fé, consideravam necessário elevar a fé à compreensão por meio de uma demonstração racional daquelas verdades, ou pelo menos, provar a sua racionalidade. Tomás de Aquino, porém, considerava impossível isto, exceto na medida em que a revelação especial contivesse verdades que também fizessem parte da revelação natural. Em sua opinião, os mistérios que compunham o conteúdo real da revelação sobrenatural não admitiam nenhuma demonstração lógica. Ele sustentava, porém, que não poderia haver conflito entre as verdades da revelação natural e as da revelação sobrenatural. Se parecer haver conflito, há algo de errado com a filosofia da pessoa, Contudo, permanece o fato de que ele reconhecia, ao lado da estrutura erguida pela fé com base na revelação sobrenatural, um sistema de teologia científica com fundamento na revelação natural. Na primeira a pessoa dá assentimento a alguma coisa porque esta é revelada, na Segunda, porque é percebida como verdadeira à luz da razão natural. A demonstração lógica, que está fora de questão na primeira, é o método natural de prova da segunda.
Os reformadores rejeitaram o dualismo dos escolásticos e visaram uma síntese da dupla revelação de Deus. Eles não criam que a razão humana tenha capacidade para elaborar um sistema científico de teologia com base na revelação natural pura e simples. Sua maneira de ver o assunto pode ser representada como segue: como resultado da entrada do pecado no mundo, a escrita de Deus na natureza ficou muito obscura, e em alguns dos mais importantes assuntos, é opaca e ilegível. Além disso, o homem foi atingido pela cegueira espiritual, e, assim, está privado da capacidade de ler corretamente aquilo que Deus originariamente escreveu com clareza nas obras da criação. Para remediar a questão e impedir a frustração do Seu propósito, Deus fez duas coisas. Em Sua revelação sobrenatural, Ele tornou a publicar as verdades da revelação natural, esclareceu-as para evitar mal-entendidos, interpretou-as com vistas às presentes necessidades do homem, e, assim, incorporou-as em sua revelação sobrenatural da redenção. E, em acréscimo a isso, Ele providenciou uma cura para a cegueira espiritual do homem na obra de regeneração e santificação, incluindo iluminação espiritual, e, assim, capacitou o homem mais uma vez a obter verdadeiro conhecimento de Deus, o conhecimento que leva consigo a segurança da vida eterna.
Quando os gélidos ventos do racionalismo sopram sobre a Europa, a revelação foi exaltada em detrimento da revelação sobrenatural, o homem ficou intoxicado pela sensação da sua capacidade e bondade, recusou-se a ouvir a voz da autoridade que lhe fala na escritura e a submeter-se a ela, e depositou completa confiança na capacidade da razão humana para guiá-lo para fora do labirinto de ignorância e erro rumo à clara atmosfera do conhecimento verdadeiro. Alguns que ensinavam que a revelação natural era inteiramente suficiente para ensinar aos homens todas as verdades necessárias, ainda admitiam que poderiam aprendê-las mais depressa com o auxílio da revelação sobrenatural. Outros negavam que a autoridade da revelação sobrenatural era completa, enquanto os eu conteúdo não fosse demonstrado pela razão. E finalmente o deísmo, em algumas de suas formas, negava, não somente a necessidade, mas também a possibilidade e realidade da revelação sobrenatural. Em Schleiermacher a ênfase muda do objetivo para o subjetivo, da revelação para a religião, e isso sem nenhuma distinção entre a religião natural e a revelada. O termo “revelação” ainda é conservado, mas fica reservado como um designativo do discernimento espiritual mais profundo do homem, discernimento que, contudo, não lhe vem sem a sua diligente pesquisa pessoal. O que é chamado revelação de um ponto de vista, pode ser chamado descoberta humana de outro. Este conceito tornou-se deveras característico da teologia moderna. Diz Knudson: “mas esta distinção entre a teologia natural e a revelada agora caiu em quase completo desuso. A tendência atual é a de não traçar nenhuma linha definida de distinção entre a revelação e a razão natural, mas, sim, considerar as mais altas percepções da razão como elas próprias constituindo revelação divina. Em todo caso, não há um corpo fixo de verdade revelada, aceita com base em autoridade, e que se mantenha oposta às verdades da razão. Toda verdade hoje repousa em seu poder de apelar para a mente humana”..[3]
É este conceito de revelação que Barth denuncia em termos fortíssimos. Ele está particularmente interessado no sujeito da revelação, e quer conduzir a igreja de volta do subjetivo para o objetivo, da religião para a revelação. Na religião ele vê primariamente os esforços do homem para encontrar Deus, e na revelação, “Deus em busca do Homem” em Jesus Cristo. Barth não conhece nenhuma revelação na natureza. A revelação jamais existe em alguma linha horizontal, mas sempre desce perpendicularmente de cima. A revelação é sempre Deus em ação, Deus falando, trazendo algo inteiramente novo para o homem, alguma coisa da qual ele não poderia Ter um conhecimento prévio, e que se torna uma revelação real somente para aquele que aceita o objeto da revelação mediante uma fé dada por Deus. Jesus Cristo é a revelação de Deus, e somente aquele que conhece a Jesus Cristo conhece alguma coisa da revelação. A revelação é um ato de graça, pelo qual o homem se torna consciente da sua condição pecaminosa, mas também livre, imerecida e perdoadora complacência de Deus em Jesus Cristo. Barth até domina a reconciliação. Visto que Deus é sempre soberano e livre em Sua revelação, esta nunca pode assumir a forma fatualmente presente e objetiva, com limitações definidas, para qual o homem possa voltar-se em qualquer ocasião em busca de instrução. Daí, é um engano considerar a Bíblia como revelação de Deus em qualquer outro sentido que não seja um sentido secundário. Ela é uma testemunha e um sinal da revelação de Deus. O mesmo pode-se dizer, embora num sentido subordinado, da pregação do Evangelho. Mas, seja qual for a mediação pela qual a Palavra de Deus venha ao homem no momento existencial da sua vida, ela é sempre reconhecida pelo homem como uma palavra diretamente dita a ele, e vinda perpendicularmente do alto. Este reconhecimento é efetuado por uma operação especial do Espírito Santo, pelo qual se pode denominar Testimonium Spiritus Santcti individual. A revelação de deus foi dada uma vez por todas em Jesus Cristo: Não em Seu aparecimento histórico, mas no plano supra-histórico no qual os poderes do mundo eterno tornam-se evidentes, tais como Sua encarnação, Sua morte, e Sua ressurreição. E se Sua revelação é também contínua, digamos assim, só o é no sentido de que Deus continua a falar a pecadores individuais, no momento existencial de suas vidas, através da revelação em Cristo, mediada pela Bíblia e pela pregação. Assim, somos deixados com meros vislumbres da revelação vinda a indivíduos, da qual somente aqueles indivíduos têm absoluta certeza; e com falíveis testemunhas ou sinais da revelação em Jesus Cristo, bem precário fundamento para a teologia. Não admira que Barth tenha dúvida quanto à possibilidade de elaborar uma doutrina de Deus. A humanidade não tem posse de uma infalível revelação de Deus e, de sua singular revelação em Cristo e sua extensão nas revelações especiais que vêm a certos homens ela tem conhecimento somente através do testemunho de testemunhas falíveis.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Em que sentido podemos falar do Deus oculto ou desconhecido, a despeito do fato de que Ele se revelou? 2. Como os escolásticos e os Reformadores diferem sobre este ponto? 3. Qual é a posição da teologia moderna? 4. Por que a revelação é essencial à religião? 5. Como agnosticismo difere teoricamente do ateísmo? 6. O agnosticismo é mais favorável à religião do que o ateísmo? 7. Como Kant promoveu o agnosticismo? 8. Qual é a doutrina de Sir William Hamilton sobre a relatividade do conhecimento? 9. Que forma o agnosticismo tomou no positivismo? 10. Que outras formas tomou? 11. Por que alguns falam de Barth como agnóstico? 12. Como se deve responder a esta acusação? 13. “Revelação” é um conceito ativo ou passivo? 14. É possível haver teologia sem revelação? Se não, por quê? 15. Pode-se defender a doutrina das idéias inatas? 16. O que se quer dizer com “Cognitio Dei Insita”? 17. Como diferem a revelação natural e a sobrenatural? 18. A distinção entre a revelação geral e especial forma um exato paralelo da distinção precedente? 19. Que diferentes conceitos forma defendidos quanto à relação entre ambas? 20. Como difere a revelação do descobrimento humano? 21. Barth crê na revelação geral? 22. Como concebe ele a revelação especial?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. II, p. 1-74; Kuyper, Dict. Dogm., De Deo I, p. p.1-76; Hodge, Syst. Theol. I, p. 191-240; 335-365; Shedd, Dogm. Theol. I, p. 195-220; Thornwell, Collected Works I, p. 74-142; Dorner, System of Chr. Doct .I, p. 79-159; Adeney, The Christian Conception of God, p. 19-57; Steenstra, The Being of God as Unity and Trinity, p. 1-25; Hendry, God the Creator; Gilson, Reason and Revelation in the Middle Ages; Baillie and Martin, Revelation (A Symposium of Aulen, Barth, Bulga Koff, D’Arcy, Eliot, Horton, and Temple); Warfield, Revelation and Ispiration, p.3-48; Orr, Revelation and Inspiration, p. 1-66; Camfield, Revelation and the Holy Spirit, p. 11-127; Dickie, Revelation and Response; Warfield, Calvin And Calvinism ( Calvin’s Doctrine of the Knowledge of God).




[1] P.5,6.
[2] Revelation and Inspiration, p.6.
[3] The Doctrine of God, p. 173.
(TEOLOGIA SISTEMÁTICA - LOUIS BERKHOF)

A cognoscibilidade de Deus

A. Deus Incompreensível e, contudo, Cognoscível.

A igreja cristã confessa, por um lado, que Deus é o Incompreensível, mas também, por outro lado, que Ele pode ser conhecido e que conhecê-lo é um requisito absoluto para a salvação. Ela reconhece a força da questão levantada por Zofar, “Porventura desvendarás os arcanos de Deus ou penetrarás até a perfeição do Todo-Poderoso?” Jó 11.7. E ela percebe que não tem resposta para a indagação de Isaías. “Com quem comparareis a Deus? Ou que cousa semelhante confrontareis com ele?” Isaías 40.18. Mas, ao mesmo tempo, ela também está atenta à afirmação de Jesus: “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” João 17.3. Ela regozija no fato de que “o Filho de Deus é vindo, e nos tem dado entendimento para reconhecermos o verdadeiro, e estamos no verdadeiro, em seu Filho Jesus Cristo” 1 João 5.20. As duas idéias refletidas nestas passagens sempre foram sustentadas lado a lado na igreja cristã. Os primitivos pais da igreja, assim chamados, falavam do Deus invisível como um Ser não gerado, indenominável, eterno, incompreensível, imutável. Eles tinham ido bem pouco além da antiga idéia grega de que o Ser Divino é existência absoluta e sem atributos. Ao mesmo tempo, eles confessavam que Deus revelou-se no Logos e, portanto, pode ser conhecido para a salvação. No século IV Eunômio, um ariano, argumentou, com base na simplicidade ontológica de Deus, que não há nada em Deus que não seja perfeitamente cognoscível e compreensível para o intelecto humano, mas a sua opinião foi rejeitada por todos os líderes reconhecidos da igreja. Os escolásticos distinguiam entre o Quid e o Qualis de Deus, e sustentavam que não sabemos o que Deus é em Seu Ser essencial, mas podemos saber algo da Sua natureza, daquilo que Ele é para nós, como Ele se revela em Seus atributos divinos. As mesmas idéias gerais foram expressas pelos Reformadores, apesar de que eles não concordavam com os escolásticos quanto à possibilidade de adquirir real conhecimento de Deus pela razão humana desajudada, partindo da revelação geral. Lutero fala repetidamente de Deus como o Deus Absconditus (Deus oculto), em distinção dele como o Deus Revelatus (Deus revelado). Em algumas passagens ele até fala do Deus Revelado como ainda um Deus Oculto, em vista do fato de que, mesmo através da Sua revelação especial, não podemos conhecê-lo plenamente. Para Calvino, Deus, nas profundezas do Seu Ser, é insondável. “Sua essência”, diz ele, “é incompreensível; desse modo, Sua divindade escapa totalmente aos sentidos humanos”. Os Reformadores não negam que o homem possa aprender alguma coisa da natureza de Deus por meio da Sua obra criadora, mas sustentam que ele só pode adquirir verdadeiro conhecimento de Deus por meio da revelação especial, sob a influência iluminadora do espírito Santo. Sob a influência da teologia da imanência, de tendência panteísta, inspirada por Hegel e Schleiermacher, ocorreu uma mudança. A transcendência de Deus, segundo o novo conceito, é enfraquecida, ignorada ou explicitamente negada. Deus é reduzido ao nível do mundo, é colocado em linha contínua com ele e, portanto, é considerado como menos incompreensível, embora ainda envolto em mistério. A revelação especial, no sentido de uma direta comunicação de Deus ao homem, é negada. Pode-se obter suficiente conhecimento de Deus sem ela, uma vez que o homem pode descobrir Deus por si mesmo nas profundezas do seu próprio ser, no universo material e, acima de tudo em Jesus Cristo, dado que estas coisas são manifestações externas do Deus imanente. É contra esta tendência da teologia que Barth levanta a sua voz e assinala que não podemos encontrar Deus nem na natureza, nem na história, nem na experiência humana de qualquer espécie, mas somente na revelação especial, que chega até nós na Bíblia. Em suas vigorosas afirmações a respeito do Deus oculto, Ele emprega a linguagem de Lutero, e não a de Calvino.
A teologia reformada sustenta que Deus pode ser conhecido, mas que ao homem é impossível Ter um exaustivo e perfeito conhecimento de Deus, de modo algum. Ter esse conhecimento de Deus seria equivalente a compreendê-lo, e isto está completamente fora de questão: “Finitum non possit capere onfinitum”. Ademais, o homem não pode dar uma definição de Deus no sentido exato da palavra, mas apenas uma descrição parcial. Uma definição lógica é impossível porque Deus não pode ser consubstanciado de forma sumária debaixo de algum gênero mais alto. Ao mesmo tempo, sustenta-se que o homem pode obter um conhecimento de Deus perfeitamente adequado à realização do propósito divino na vida do homem. Contudo, o verdadeiro conhecimento de Deus só pode ser adquirido graças à auto-revelação divina, e somente pelo homem que aceita isso com fé semelhante à de uma criança. A religião necessariamente pressupõe tal conhecimento. Este conhecimento é a mais sagrada relação entre o homem e seu Deus, relação na qual o homem tem consciência da absoluta grandeza e majestade de Deus como o Ser Supremo, e de sua completa insignificância e sujeição ao Altíssimo e Santo Ser. E se isto é verdade, segue-se que a religião pressupõe o conhecimento de Deus no homem. Se o homem fosse deixado absolutamente nas trevas a respeito do Ser de Deus, ser-lhe-ia impossível assumir uma atitude religiosa. Não poderia haver reverência, piedade, temor de Deus, serviço de adoração.
(TEOLOGIA SISTEMÁTICA - LOUIS BERKHOF)

AS VISÕES DO SENHOR JESUS

JOÃO 12.20-36
1 – JESUS TEM UMA VISÃO DE SUA MORTE NA CRUZ 32E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo. 33Isto dizia, significando de que gênero de morte estava para morrer.
·         JESUS TEM UMA VISÃO DE SUA MORTE E DOS FRUTOS DECORRENTES DELA 24Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto. 27Agora, está angustiada a minha alma, e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente com este propósito vim para esta hora.
2 – JESUS TEM UMA VISÃO DA DERROTA DE SANTANÁS 31Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso.
JESUS TRIUNFOU SOBRE O INIMIGO NA CRUZ “e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz.”(CL 2.15)
3 – JESUS TEVE UMA VISÃO DE UM MAR DE GENTIOS QUE HAVERIAM DE CRER NELE 23Respondeu-lhes Jesus: É chegada a hora de ser glorificado o Filho do Homem.
·         JESUS TEM UM A VISÃO DOS FILHOS DA LUZ  34Replicou-lhe, pois, a multidão: Nós temos ouvido da lei que o Cristo permanece para sempre, e como dizes tu ser necessário que o Filho do Homem seja levantado? Quem é esse Filho do Homem? 35Respondeu-lhes Jesus: Ainda por um pouco a luz está convosco. Andai enquanto tendes a luz, para que as trevas não vos apanhem; e quem anda nas trevas não sabe para onde vai. 36Enquanto tendes a luz, crede na luz, para que vos torneis filhos da luz. Jesus disse estas coisas e, retirando-se, ocultou-se deles.
·
·         JESUS TEM UMA VISÃO DAQUELES QUE VÃO PERDER A SUA VIDA E DAQUELES QUE VÃO PRESERVÁ-LA PARA A VIDA ETERNA 25Quem ama a sua vida perde-a; mas aquele que odeia a sua vida neste mundo preservá-la-á para a vida eterna.
·         JESUS TEM UMA VISÃO DAQUELES QUE SERÃO SEUS SEVOS 26Se alguém me serve, siga-me, e, onde eu estou, ali estará também o meu servo. E, se alguém me servir, o Pai o honrará.
·         JESUS TEM UMA VISÃO DA COVERSÃO DOS JUDEUS 28Pai, glorifica o teu nome. Então, veio uma voz do céu: Eu já o glorifiquei e ainda o glorificarei. 29A multidão, pois, que ali estava, tendo ouvido a voz, dizia ter havido um trovão. Outros diziam: Foi um anjo que lhe falou. 30Então, explicou Jesus: Não foi por mim que veio esta voz, e sim por vossa causa.

As Assim Chamadas Provas Racionais da Existência de Deus


No transcurso do tempo foram elaborados alguns argumentos em favor da existência de Deus. Acharam ponto de apoio na teologia, especialmente pela influência de Wolff. Alguns deles já tinham sido sugeridos, em essência, por Platão e Aristóteles, e outros foram acrescentados modernamente por estudiosos da filosofia da religião. Somente os mais comuns podem ser apresentados aqui.
1. O ARGUMENTO ONTOLÓGICO. Este argumento foi apresentado em várias formas por Anselmo, Descartes, Samuel Clark, e outros. Foi apresentado em sua mais perfeita forma por Anselmo. Este argumenta que o homem tem a idéia de um ser absolutamente perfeito; que a existência é atributo de perfeição; e que, portanto, um ser absolutamente perfeito tem que existir. Mas é evidente que não podemos tirar uma conclusão quanto à existência real partindo de um pensamento abstrato. O fato de que temos uma idéia de Deus ainda não prova a Sua existência objetiva. Além disto, este argumento pressupõe tacitamente como já existente na mente humana o próprio conhecimento da existência de Deus que teria que derivar de uma demonstração lógica. Kant declarou, com ênfase, insustentável este argumento, mas Hegel o aclamou como um grande argumento em favor da existência de Deus. Alguns idealistas modernos sugeriram que ele poderia ser proposto de forma um tanto diferente, como a que Hocking chamou, “O registro da experiência”. Em virtude podemos dizer: “Tenho idéia de Deus: portanto, tenho experiência de Deus”.
2. O ARGUMENTO COSMOLÓGICO. Este argumento tem aparecido em diversas formas. Em geral se apresenta como segue: Cada coisa existente no mundo tem que ter uma causa adequada; sendo assim, o universo também tem que ter uma causa adequada, isto é, uma causa indefinidamente grande. Contudo, o argumento não produz convicção, em geral. Hume questionou a própria lei de causa e efeito, e Kant assinalou que, se tudo que existe tem uma causa adequada, isto se aplica também a Deus, e, assim, somos suposição de que o cosmo teve uma cauda única, uma causa pessoal e absoluta, e, portanto, não prova a existência de Deus. Esta dificuldade levou a uma construção ligeiramente diversa do argumento como, por exemplo, a que B.P.Bowne fez. O universo material aparece como sistema interativo e, portanto, como uma unidade que consiste de várias partes. Daí, deve haver um Agente Integrante que veicule a interação das várias partes ou constitua a base dinâmica da existência delas.
3. O ARGUMENTO TELEOLÓGICO. Este argumento também é causal e, na verdade, é apenas uma extensão do imediatamente anterior. Pode ser exposto da seguinte forma: Em toda parte o mundo revela inteligência, ordem, harmonia e propósito, e assim implica a existência de um ser inteligente e com propósito, apropriado para a produção de um mundo como este. Kant considera este argumento o melhor dos três que mencionamos, mas alega que ele não prova a existência de Deus, nem de um criador, mas somente a de um grande arquiteto que modelou o mundo. É superior ao argumento cosmológico no sentido de que explicita aquilo que não é firmado no anterior, a saber, que o mundo contém evidências de inteligência e propósito. Não se segue necessariamente que este ser é o Criador do mundo. “A prova teológica”. Diz Wright.[1] “indica apenas a provável existência de uma mente que, ao menos em considerável medida, controla o processo do mundo, suficiente para explicar a quantidade de teleologia que nele transparece”. Hegel considerava este argumento válido, mas o tratava como um argumento subordinado. Os teólogos sociais dos nossos dias rejeitam-no, juntamente com todos os outros argumentos, como puro refugo, mas os neoteístas o aceitam.
4. O ARGUMENTO MORAL. Como os outros argumentos, este também assumiu diferentes formas. Kant tomou seu ponto de partida no imperativo categórico, e deste deferiu a existência de alguém que, como legislador e juiz, tem absoluto direito de dominar o homem. Em sua opinião, este argumento é muito superior a qualquer dos outros. É o argumento em que se apóia principalmente, em sua tentativa de provar a existência de Deus. Esta pode ser uma das razões pelas quais este argumento é mais geralmente reconhecido do que qualquer outro, embora nem sempre com a mesma formulação. Alguns argumentam baseados na desigualdade muitas vezes observada entre a conduta moral dos homens e a prosperidade que eles gozam na vida presente, e acham que isso requer um ajustamento no futuro que, por sua vez, exige um árbitro justo. A teologia moderna também o usa amplamente, em especial na forma de que o reconhecimento que o homem tem do Sumo Bem e a sua busca de uma ideal moral exigem e necessitam a existência de um ser santo e justo, não torna obrigatória a crença em um Deus, em um Criador ou em um Ser de infinitas perfeições.
5. O ARGUMENTO HISTÓRICO OU ETNOLÓGICO. Em geral este argumento toma a seguinte forma: Entre todos os povos e tribos da terra há um sentimento religioso que se revela em cultos exteriores. Visto que o fenômeno é universal, deve pertencer à própria natureza do homem. E se a natureza do homem naturalmente leva ao culto religioso, isto só pode achar sua explicação num ser superior que constituiu o homem um ser religioso. Todavia, em resposta a este argumento, pode-se dizer que este fenômeno universal pode ter-se originado num erro ou numa compreensão errônea de um dos primitivos progenitores da raça humana, e que o culto religioso referido aparece com mais vigor entre as raças primitivas e desaparece à medida que elas se tornam civilizadas.
Ao avaliar estes argumentos racionais, deve-se assinalar antes de tudo que os crentes não precisam deles. Sua convicção a respeito da existência de Deus não depende deles, mas, sim, da confiante aceitação da auto-revelação de Deus na Escritura. Se muitos em nossos dias estão querendo firmar sua fé na existência de Deus nesses argumentos racionais, isto se deve em grande medida ao fato de que eles se negam a aceitar o testemunho da palavra de Deus. Além disso, ao usar estes argumentos na tentativa de convencer pessoas incrédulas, será bom ter em mente que de nenhum que nenhum deles se pode dizer que transmite convicção absoluta. Ninguém fez mais para desacreditá-los que Kant. Desde o tempo dele, muitos filósofos e teólogos os têm descartado como completamente inúteis, mas hoje os referidos argumentos estão recuperando apoio e o seu número está crescendo. E o fato de que em nossos dias tanta gente acha neles indicações satisfatórias da existência de Deus, parece indicar que eles não são inteiramente vazios de valor. Têm algum valor para os próprios crentes, mas devem ser denominados testimonia, e não argumentos. Eles são importantes como interpretações da revelação geral de Deus e como elementos que demonstram o caráter razoável da fé em um ser divino. Além disso. Podem prestar algum serviço na confrontação com os adversários. Embora não provem a existência de Deus além da possibilidade de dúvida e a ponto de obrigar o assentimento, podem ser elaborados de maneira que estabeleçam uma forte probabilidade e, por isso, poderão silenciar muitos incrédulos.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Por que a teologia moderna inclinou-se a dar primazia ao estudo do homem e não ao estudo de Deus? 2. A Bíblia prova a existência de Deus ou não? 3. Se prova, como o faz? 4. O que é que explica o sensus divinitatis geral do homem? 5. Existem nações ou tribos que absolutamente não o possuem? 6. Pode-se sustentara a posição de que não existem ateus? 7. Os humanistas do presente devem ser classificados como ateus? 8. Que objeções há para a identificação de Deus com o Absoluto da filosofia? 9. Um Deus finito satisfaz as necessidades da vida cristã? 10. A doutrina de um Deus finito só se encontra nos pragmatistas? 11. Por que é que a idéia de um Deus personificado é um pobre substituto do Deus vivo? 12. Em que consiste a crítica de Kant aos argumentos da razão especulativa em favor da existência de Deus? 13. Como devemos julgar esta crítica?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. II, p.52-74; Kuyper, Dirct. Dogm. De Deo I, P. 77-123; Hodge, Syst. Theol. I, p. 221-248; Dabney, Syst. And Polem. Theol, p.5-26; Macintosh, Theol. as an Empirical Sciense, p.90-99; Knudson, The Doctrine of God, p. 203-241; Beathie, Apologetics, p.250-444; Brightman, The Problem of God, p. 139-165; Wright, A Student’s Phil of Rel., p.339-390; Edward, The Philosophy of Rel., p. 218-305; Beckwith, The Idea of God, p. 64-115; Thompson, The Chirstian Idea of God, p. 160-189; Robinson, The God of the Liberal Christian, p.114-149; Galloway, The Phil, of Rel., p.382-394.




[1] A Student’s Philosophy of Religion, p.341.
(TEOLOGIA SISTEMÁTICA - Louis Berkhof)

A DOUTRINA DE DEUS

I. A Existência de Deus

A. Lugar da Doutrina de Deus na Dogmática.

As obras de dogmática ou de teologia sistemática geralmente começam com a Doutrina de Deus. A opinião prevalecente tem reconhecido sempre este procedimento mais lógico, e ainda continua apontando na mesma direção. Em muitos casos, mesmo aqueles cujos princípios fundamentais pareceriam exigir outro arranjo, continuam na prática tradicional. Há boas razões para começar com a Doutrina de Deus, se partirmos da admissão que a Teologia é o conhecimento sistematizado de Deus de quem, por meio de quem, e para quem são todas as coisas. Em vez de surpreender-nos de que a dogmática comece com a Doutrina de Deus, bem poderíamos esperar que seja completamente um estudo de Deus, em todas as suas ramificações, do começo ao fim. Como uma questão de fato, é isto exatamente o que se pretende que seja, embora somente o primeiro locus ou capítulo teológico trate diretamente de Deus, enquanto que as partes ou loci subseqüentes tratam dele de maneira mais indireta. Iniciamos o estudo de teologia com duas pressuposições a saber: (1) Que Deus existe; (2) Que Ele se revelou em Sua Palavra divina. E por esta razão não nos é impossível começar com o estudo de Deus. Podemos dirigir-nos a Sua revelação para aprender o que Ele revelou a respeito de Si mesmo e a respeito de Sua relação para com as Suas criaturas. Têm-se feito tentativas no curso dos tempos para distribuir o material da dogmática de tal modo que exiba claramente que ela é não apenas em um locus, mas em sua totalidade, um estudo de Deus. Isto foi feito pela aplicação do método trinitário, que dispõe o assunto da dogmática sob os três títulos: (1) O Pai; (2) O Filho; (3) O Espírito Santo. Esse método foi aplicado em algumas das primeiras obras sistemáticas, foi restaurado ao favor geral por Hegel, e se pode ver ainda na Dogmática Cristã, de Martensen. Uma tentativa semelhante foi feita por Breckenridge, quando dividiu o assunto da dogmática em (1) O Conhecimento de Deus Objetivamente Considerado; (2) O Conhecimento de Deus subjetivamente Considerado. Nem um nem outro destes podem ser considerados como tendo tido sucesso.
Até o começo do século XIX era quase geral a prática de começar o estudo da dogmática com a doutrina de Deus, mas ocorreu uma mudança sob a influência de Schleiermacher, que procurou salvaguardar o caráter científico da teologia com a introdução de um novo método. A consciência religiosa do homem substituiu a palavra de Deus como a fonte da teologia. A fé na Escritura como autorizada revelação de Deus foi desacreditada e a compreensão humana, baseada na apreensão emocional ou racional do homem, veio a ser o padrão do pensamento religioso. A religião gradativamente tomou o lugar de Deus como objeto da teologia. O homem deixou de ser ou de reconhecer o conhecimento de Deus como algo que lhe foi dado na Escritura e começou a orgulhar-se de Ter a Deus como seu objeto de pesquisa. No curso do tempo tornou-se comum falar do descobrimento de Deus feito pelo homem, como se o homem alguma vez O tivesse descoberto; e toda descoberta feita nesse processo foi dignificada com o nome de “revelação”. Deus vinha no final de um silogismo, ou como o último elo de uma corrente de raciocínio, ou como a cumeeira de uma estrutura de pensamento humano. Sob tais circunstâncias, era simplesmente natural que alguns considerassem incoerência começar a dogmática pelo estudo de Deus. Antes é surpreendente que tantos, a despeito do seu subjetivismo, tenham continuado a seguir a ordem tradicional.
Contudo, alguns perceberam a incongruência e partiram por outro caminho. A obra dogmática de Schleiermacher dedica-se ao estudo e análise do sentimento religioso e das doutrinas nele envolvidas. Ele não trata da doutrina de Deus de maneira conexa, mas apenas em fragmentos, e conclui a sua obra com uma discussão sobre a Trindade. Seu ponto de partida é antropológico, e não teológico. Alguns teólogos intermediários foram tão influenciados por Schleiermacher que, logicamente, começaram os seus tratados de dogmática com o estudo do homem. Mesmo nos dias presentes esta ordem é seguida ocasionalmente. Acha-se um notável exemplo disto na obra de O. A. Curtis em The Christian Faith. Esta começa com a doutrina do homem e conclui com a doutrina de Deus. Poderia parecer que a teologia da escola de Ritschl requeresse ainda outro ponto de partida, desde que encontra a revelação objetiva de Deus, não a Bíblia como na palavra divinamente inspirada, mas em Cristo como fundador do Reino de Deus, e considera a idéias do Reino como o conceito central e absolutamente dominante da teologia. Contudo, dogmáticos da Escola de Ritschl, como Herrmann, Haering e Kaftan, seguem, pelo menos formalmente, a ordem usual. Ao mesmo tempo, há vários teólogos que em suas obras começam a discussão da dogmática propriamente dita com a doutrina de Cristo ou da Sua obra redentora. T. B. Strong distingue entre teologia e teologia cristã, define esta última como “a expressão e análise da encarnação de Jesus Cristo”, e faz da encarnação o conceito dominante em todo o seu Manual of Theology.

B. Prova Bíblica da Existência de Deus.

Para nós a existência de Deus é a grande pressuposição da teologia. Não há sentido em falar-se do conhecimento de Deus, se não se admite que Deus existe. A pressuposição da teologia cristã é um tipo muito definido. A suposição não é apenas de que há alguma coisa, alguma idéia ou ideal, algum poder ou tendência com propósito, a que se possa aplicar o nome de Deus, mas que há um ser pessoal auto-consciente, auto-existente, que é a origem de todas as coisas e que transcende a criação inteira, mas ao mesmo tempo é imanente em cada parte da criação. Pode-se levantar a questão se esta suposição é razoável, questão que pode ser respondida na afirmativa. Não significa, contudo, que a existência de Deus é passível de uma demonstração lógica que não deixa lugar nenhum para dúvida; mas significa, sim, que, embora verdade da existência de Deus seja aceita pela fé, esta fé, se baseia numa informação confiável. Embora a teologia reformada considere a existência de Deus como pressuposição inteiramente razoável, não se arroga a capacidade de demonstrar isto por meio de uma argumentação racional. Dr. Kuyper fala como segue da tentativa de fazê-lo: “A tentativa de provar a existência de Deus ou é inútil ou é um fracasso. É inútil se o pesquisador acredita que Deus recompensa aqueles que O procuram. É um fracasso se se trata de uma tentativa de forçar, mediante argumentação, ao reconhecimento, num sentido lógico, uma pessoa que não tem esta pistis.[1]
O Cristão aceita a verdade da existência de Deus pela fé. Mas esta fé não é uma fé cega, mas fé baseada em provas, e as provas se acham, primariamente, na Escritura como a Palavra de Deus inspirada, e, secundariamente, na revelação de Deus na natureza. A prova bíblica sobre este ponto não nos vem na forma de uma declaração explícita, e muito menos na forma de um argumento lógico. Nesse sentido a Bíblia não prova a existência de Deus. O que mais se aproxima de uma declaração talvez seja o que lemos em Hebreus 11:6 “... é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam”. A Bíblia pressupõe a existência de Deus em sua declaração inicial, “No principio criou Deus os céus e a terra”. Ela não somente descreve a Deus como o Criador de todas as coisas, mas também como o Sustentador de todas as Suas criaturas. E como o Governador de indivíduos e nações. Ela testifica o fato de que Deus opera todas as coisas de acordo com o conselho da Sua vontade, e revela a gradativa realização do Seu grandioso propósito de redenção. O preparo para esta obra, especialmente na escolha e direção do povo de Israel na velha aliança, vê-se claramente no Velho Testamento, e a sua culminação inicial na Pessoa e Obra de Cristo ergue-se com grande clareza nas páginas do Novo testamento. Vê-se Deus em quase todas as páginas da Escritura Sagrada em que Ele se revela em palavras e atos. Esta revelação de Deus constitui a base da nossa fé na existência de Deus, e a torna uma fé inteiramente razoável. Deve-se notar, contudo, que é somente pela fé que aceitamos a revelação de Deus e que obtemos uma real compreensão do seu conteúdo. Disse Jesus, “Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se eu falo por mim mesmo”, João 7.17. É este conhecimento intensivo, resultante de íntima comunhão com Deus, que Oséias tem em mente quando diz, “Conheçamos, e prossigamos em conhecer ao Senhor”, Oséias 6.3. O incrédulo não tem nenhuma real compreensão da palavra de Deus. As palavras de Paulo são pertinentes nesta conexão: “Onde está o sábio? Onde o escriba? Onde o inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria do mundo? Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que crêem, pela loucura da pregação”, 1 Coríntios 1.20, 21.

C. A negação da existência de Deus em suas Várias Formas.

Os estudiosos de religiões comparadas e os missionários freqüentemente dão testemunho do fato de que a idéia de Deus é praticamente universal na raça humana. É encontrada até mesmo entre as mais atrasadas nações e tribos do mundo. Isto não significa, contudo, que não há indivíduos que negam a existência de Deus completamente, nem tampouco que não há um bom número de pessoas em terras cristãs que negam a existência de Deus como Ele é revelado na Escritura, uma Pessoa de perfeições infinitas, auto-existente e auto-consciente, que realiza todas as coisas segundo um plano predeterminado. É esta última forma de negação que temos particularmente em mente aqui. Ela pode assumir várias formas e, na verdade, tem assumido várias formas no curso da história.
1. A ABSOLUTA NEGAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE DEUS. Como acima foi dito, há forte prova da presença universal da idéia de Deus na mente humana, mesmo entre as tribos não civilizadas e que não tem recebido o impacto da revelação especial. Em vista deste fato, alguns chegam a negar a existência de pessoas que negam a existência de Deus, que haja verdadeiros ateus, a saber, os ateus práticos e os teóricos. Os primeiros são simplesmente pessoas não religiosas, pessoas que na vida prática não contam com Deus, e vivem como se Deus não existisse. Os últimos são em regra, de um tipo mais intelectual, e baseiam a sua negação num processo de raciocínio. Procuram provar que Deus não existe usando para este fim aquilo que lhes parece argumentos racionais conclusivos. Em vista da semen reliogionis implantada em todos os seres humanos, pela criação do homem à imagem de Deus, é seguro admitir que ninguém nasce ateu. Em última análise, o ateísmo resulta do estado moral pervertido do homem e do seu desejo de fugir de Deus. É deliberadamente cego para o instinto mais fundamental do homem, para as necessidades mais profundas da alma, para as mais elevadas aspirações do espírito humano, e para os anseios de um coração que anda tateando em busca de um ser mais alto; é cego para estas realidades e as procura suprimir. Esta supressão prática ou intelectual da operação da semen reliogionis freqüentemente envolve prolongados e penosos conflitos.
Não se pode duvidar da existência de ateus práticos, visto que tanto a Escritura como a experiência a atestam. A respeito dos ímpios o Salmo 14.1 declara: “Diz o insensato no seu coração: não há Deus” (cf. Sl 10.4b). E Paulo lembra aos Efésios que eles tinham estado anteriormente “sem Deus no mundo”, Efésios 2.12. A experiência também dá abundante testemunho da presença deles no mundo. Eles não são necessariamente ímpios notórios aos olhos dos homens, mas podem pertencer aos assim chamados “homens decentes do mundo”, embora consideravelmente indiferentes para com as coisas espirituais. Tais pessoas muitas vezes têm a consciência do fato de que estão em desarmonia com Deus, tremem ao pensar em defrontá-lo e procuram esquecê-lo. Parecem Ter um secreto prazer em exibir o seu ateísmo quando tudo vai bem, mas é sabido que dobram os seus joelhos em oração quando sua vida entra repentinamente em perigo. Na época presente, milhares desses ateus práticos pertencem à Associação Americana para o Progresso do Ateísmo.
Os ateus teóricos são doutra espécie. Geralmente são de um tipo mais intelectual e procuram justificar a afirmação de que não há Deus por meio de argumentação racional. O professor Flint distingue três espécies de ateísmo teórico, a saber, (1) Ateísmo dogmático, que nega peremptoriamente a existência de um ser divino; (2) Ateísmo cético, que duvida da capacidade da mente humana de determinar se há ou não há um Deus; (3) Ateísmo crítico, que sustenta que não há nenhuma prova válida da existência de deus. Estes freqüentemente caminham de mãos dadas, mas mesmo o mais moderado deles realmente declara que toda e qualquer crença em Deus é uma ilusão.[2] Nesta divisão se verá que o agnosticismo também aparece como uma espécie de ateísmo, classificação que desagrada a muitos agnósticos. Deve-se ter em mente, porém, que o agnosticismo referente à existência de Deus, embora admitindo a possibilidade da sua realidade, deixa-nos sem um objeto de culto e adoração exatamente como faz o ateísmo dogmático. Contudo, o verdadeiro ateu é o ateu dogmático, o homem que faz a afirmação categórica de que não há Deus. Essa afirmação pode significar uma de duas coisas: ou que ele não reconhece Deus nenhum, de nenhuma espécie, não erige nenhum ídolo para si mesmo, ou que não reconhece o Deus da escritura. Ora, há muitos poucos ateus que na vida prática não modelam alguma espécie de Deus para si próprios. Há um número muito maior daqueles que teoricamente põem de lado todo e qualquer deus; e um número ainda maior dos que romperam com o Deus da Escritura. O ateísmo teórico geralmente está arraigado em alguma teoria científica ou filosófica. O monismo materialista, em suas várias formas, e o ateísmo normalmente andam de mãos dadas. O idealismo subjetivo absoluto pode ainda deixar-nos a idéia de Deus, mas nega que haja qualquer realidade que lhe corresponda. Para o humanista moderno “Deus” simplesmente significa “o espírito da humanidade”, “o sentimento de integralidade”, “meta racial” e outras abstrações desta espécie. Outras teorias não somente dão lugar a Deus; também pretendem manter a sua existência, mas certamente excluem o Deus do teísmo, um Ser pessoal supremo, o Criador, o Preservador, e o Governador do Universo, distinto de Sua criação e, contudo, em toda parte presente nela. O panteísmo funde o natural e o sobrenatural, o finito e o infinito numa só substância. Muitas vezes fala de Deus como base oculta do mundo fenomenal, mas não O concebe como pessoal e, portanto dotado, como dotado de inteligência e vontade. Ousadamente declara que tudo é Deus, assim se envolve naquilo a que Brightman chama “a expansão de Deus”, de modo que temos “muito de Deus”, visto que Ele inclui também todo o mal do mundo. Isto exclui o Deus da escritura, e até aqui claramente ateísta. Spinoza pode ser chamado “O homem intoxicado por Deus”, mas o seu Deus certamente não é o Deus que os cristãos cultuam e adoram. Seguramente, não pode haver dúvida da presença de ateus teóricos no mundo. Quando David Hume expressou dúvida a respeito da existência de um ateu dogmático, o Barão d’Holbach replicou: “Meu caro senhor, neste momento estais sentado à mesa na companhia de dezessete pessoas dessa classe”. Os que são agnósticos quanto à existência de Deus podem diferir um tanto do ateu dogmático, mas eles, como estes últimos, deixam-nos sem Deus.


[1] Dict, Dogm., De Deo I, p. 77 (tradução de L. B. ao inglês).
[2] Anti-Theories, p.4s.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

CONFISSÃO DE FÉ ESCOCESA

Prefácio
Os Estados da Escócia, com seus habitantes, professando o evangelho santo de Jesus Cristo: para os seus compatriotas, e para todos os outros reinos e nações, professando o mesmo Senhor Jesus com eles, deseja graça, misericórdia, e paz de Deus o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, com um espírito de justo julgamento, para saudação, etc.
Durante muito tempo, queridos irmãos, nós tivemos o desejo de notificar ao mundo, a soma daquela doutrina a qual nós professamos, e pela qual nós temos recebido infâmia e perigo. Mas tal foi a fúria de Satanás contra nós, e contra a verdade eterna de Jesus Cristo, recentemente nascida entre nós, que até este dia nenhum tempo foi concedido a nós para clarear nossas consciências, como alegremente nós teríamos feito. Como nós temos sido lançados a um ano inteiro de passado, a maior parte de Europa (como nós supomos) entende. Mas vendo que a infinita bondade de nosso Deus (que nunca faz sofrer o aflito completamente para não ser confundido), acima de qualquer expectativa, nós obtivemos algum descanso e liberdade, nós não pudemos, mas passamos adiante esta breve e simples confissão de tal doutrina como é proposta a nós, e como nós acreditamos e professamos; em parte para satisfação de nossos irmãos cujos corações, não temos dúvida, temos sido ainda feridos apesar da ira que ainda temos de não aprender a falar bem; e em parte pelo parar as bocas de insolentes blasfemadores que corajosamente amaldiçoam aquilo que eles nem mesmo ouviram, e o que nem ainda entendem.
Não que julguemos que tal cancerosa malícia pode ser curada por esta nossa simples confissão. Não, nós sabemos que o doce sabor do evangelho é, e deve ser morte para os filhos de perdição. Mas nós temos respeito principalmente para com nossos irmãos fracos e enfermos, para quem nós comunicaríamos do fundo de nossos corações, para que eles não sejam aborrecidos ou levados por diversos rumores que Satanás espalha [contra] nós, para derrotar este nosso empreendimento religioso; protestando que, se qualquer homem notar nesta nossa confissão, que qualquer artigo ou sentença seja repugnante para com a Palavra santa de Deus, isto nos agradará, por sua gentileza, e pela causa da caridade cristã, nos prevenir destes mesmos escritos; e nós, por nossa honra e fidelidade, prometemos a ele satisfação da boca de Deus (quer dizer, de suas Escrituras Santas), ou qualquer reforma que ele prove em que temos nos extraviado. Para Deus nós levamos as historias de nossas consciências, que de nossos corações nós detestamos todas as seitas heréticas, e todos os professores de doutrina errônea; e que, com toda humildade, nós abraçamos a pureza do evangelho de Cristo que é o único alimento de nossas almas; e isto é tão precioso para nós, que nós estamos determinados a sofrer a extremidade do perigo mundano, ao invés de que nós sofreremos ao ser defraudados pelo mesmo. Pela espera nós somos certamente persuadidos, que aquele que de alguma forma negar a Cristo Jesus, ou ter vergonha dele, na presença dos homens, será negado diante do Pai, e diante de seus santos anjos. E então, pela ajuda do poderoso Espírito do nosso mesmo Senhor Jesus, nós firmemente propomos ficar juntos até o fim, na confissão desta nossa fé, como se seguem nestes artigos.
1º CAPÍTULO
De Deus
Confessamos e reconhecemos um só Deus, a quem, só, devemos apegar-nos, a quem, só, devemos servir, a quem, só, devemos adorar e em quem, só, devemos depositar nossa confiança.1 Ele é eterno, infinito, imensurável, incompreensível, onipotente, invisível;2 um em substância e, contudo, distinto em três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo.3 Cremos e confessamos que por ele todas as coisas que há no céu e na terra, visíveis e invisíveis, foram criadas, são mantidas em seu ser, e são governadas e guiadas pela sua inescrutável providência para o fim que determinaram sua eterna sabedoria, bondade e justiça, e para a manifestação de sua própria glória.4
1. Dt 6:4; 1Co 8:6; Dt 4:35; Is 44:5-6.
2. 1Tm 1:17; 1Rs 8:27; 2Cr 6:18; Sl 139:7-8; Gn 17:1; 1Tm 6:15-16; Êx 3:14-15.
3. Mt 28:19; 1Jo 5:7.
4. Gn 1:1; Hb 11:3; At 17:28; Pv 16:4.
2º CAPÍTULO
Da Criação do Homem
Confessamos e reconhecemos que nosso Deus criou o homem, isto é, nosso primeiro pai, Adão, segundo sua própria imagem e semelhança, e lhe deu sabedoria, domínio, justiça, livre arbítrio e consciência de si mesmo, de modo que em toda a natureza do homem não se podia encontrar nenhuma imperfeição.1 Dessa perfeição e dignidade caíram o homem e a mulher; a mulher, enganada pela serpente e o homem dando ouvido à voz da mulher, ambos conspirando contra a soberana majestade de Deus, que, com palavras claras, os havia previamente ameaçado de morte, se ousassem comer da árvore proibida.2
1. Gn 1:26-28; Cl 3:10; Ef 4:24.
2. Gn 3:6; 2:17.
3º CAPÍTULO
Do Pecado Original
Por essa transgressão, geralmente conhecida como pecado original, a imagem de Deus foi totalmente deformada no homem, e ele e seus filhos se tornaram, por natureza, inimigos de Deus, escravos de Satanás e servos do pecado,1 de modo que a morte eterna tem tido e terá poder e domínio sobre todos os que não foram, não são e não forem regenerados do alto. Essa regeneração se realiza pelo poder do Espírito Santo, que cria nos corações dos escolhidos de Deus uma fé firme na promessa de Deus a nós revelada pela sua Palavra; por essa fé aprendemos Jesus Cristo com os seus dons gratuitos e com as bênçãos nele prometidas.2
1. Sl 51:5; Rm 5:10; 7:5; 2Tm 2:26; Ef 2:1-3.
2. Rm 5:14,21; 6:23; Jo 3:5; Rm 5:1; Fp 1:29.
4º CAPÍTULO
Da Revelação da Promessa
Cremos firmemente que Deus, depois da tremenda e horrenda defecção de sua obediência feita pelo homem, procurou Adão, chamou-o a si,1 foi ter com ele, repreeendeu-o e convenceu-o do seu pecado e fez-lhe afinal a promessa gratuita e a mais grata de que a semente da mulher esmagaria a cabeça da serpente,2 isto é, destruiria as obras do Diabo. Essa promessa foi repetida e tornada cada vez mais clara com o correr do tempo; foi abraçada com firmeza e alegria por todos os fiéis, de Adão a Noé. Semelhantemente, de Noé a Abraão, de Abraão a Davi e assim por diante até a encarnação de Jesus Cristo; todos - isto é, os patriarcas crentes sob a lei - viram os dias agradabilíssimos de Cristo e se regozijaram.3
1. Gn 3:9.
2. Gn 3:15.
3. Gn 12:3; 15:5-6; 2Sm 7:14; Is 7:14; 9:6; Os 2:6; Jo 8:56.
5º CAPÍTULO
Contituidade, Aumento e Preservação da Igrejas
Cremos, com a maior segurança, que Deus preservou, instruiu, multiplicou, honrou, adornou e vocacionou, da morte para a vida, a sua Igreja em todas as épocas, desde Adão até a vinda de Cristo Jesus em carne.1 Ele chamou Abraão da terra de seu pai, instruiu-o e multiplicou a sua semente;2 ele o preservou maravilhosamente e mais admiravelmente livrou sua semente da servidão e da tirania de Faraó;3 deu-lhe as suas leis, constituições e cerimônias,4 deu-lhes a terra de Canaã.5 Depois de lhes haver dado juizes, e posteriormente Saul, deu-lhes Davi para ser rei, a quem prometeu que do fruto dos seus lombos um devia assentar-se para sempre no seu trono real.6 A esse mesmo povo ele enviou profetas, em contínua sucessão de tempo, a fim de, da idolatria pela qual eles freqüentes vezes se desviaram, reconduzi-los ao caminho reto do seu Deus.7 E, embora, por seu obstinado desprezo da justiça, tenha sido ele, compelido a entregá-los nas mãos dos seus inimigos,8 como fora previamente ameaçado pelos lábios de Moisés,9 de modo que a cidade santa foi completamente destruída, o templo devorado pelo fogo,10 e toda a terra desolada durante setenta anos,11 contudo, por sua graça e misericórdia ele os reconduziu a Jerusalém, onde a cidade e o templo foram restaurados e onde eles resistiram contra todas as tentações e assaltos de Satanás, até a vinda do Messias, segundo a promessa.12
1. Ez 6:6-14.
2. Gn 12:1; 13:1.
3. Êx 1, etc.
4. Jo 1:3; 23:4.
5. 1Sm 10:1; 16:13.
6. 2Sm 7:12.
7. 2Rs 17:13-19.
8. 2Rs 24:3-4.
9. Dt 28:36,48.
10. 2Rs 25.
11. Dn 9:2.
12. Jr 30; Ed 1, etc.; Os 1:14; 2:7-9; Zc 3:8.
6º CAPÍTULO
Da Encarnação de Cristo
Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou ao mundo o seu Filho1 - sua eterna sabedoria, a substância da sua própria glória - o qual assumiu a natureza humana da substância de uma mulher, uma virgem, e isso por obra do Espírito Santo.2 E assim nasceu a "semente justa de Davi", o "Anjo do grande conselho de Deus", o próprio Messias prometido, a quem reconhecemos e confessamos como o Emanuel, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, por duas naturezas unidas e ligadas em uma só pessoa.3 Assim, por esta nossa Confissão condenamos as condenáveis e pestilentas heresias de Ário, Márcion, Eutiques, Nestório e outros, que, ou negaram a sua divindade eterna ou a verdade da sua natureza humana, ou as confundiram ou dividiram.
1. Gl 4:4.
2. Lc 1:31; Mt 1:18; 2:1; Rm 1:3; Jo 1:45; Mt 1:23.
3. 1Tm 2:5.
7º CAPÍTULO
Por que Devia o Mediador ser Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem
Reconhecemos e confessamos que esta admirável união entre a divindade e a humanidade, em Jesus Cristo, procedeu do decreto eterno e imutável de Deus, do qual decorre e depende toda a nossa salvação.1
1. Ef 1:3-6.
8º CAPÍTULO
A Eleição
O mesmo eterno Deus e Pai, que somente pela graça nos escolheu em seu Filho, Jesus Cristo, antes que fossem lançados os fundamentos do mundo,1 designou-o para ser nosso chefe,2 nosso irmão,3 nosso pastor e o grande bispo de nossas almas.4 Mas, visto que a inimizade entre a justiça de Deus e os nossos pecados era tal que nenhuma carne por si mesma poderia ter chegado a Deus,5 foi preciso que o Filho de Deus descesse até nós e assumisse o corpo de nosso corpo, a carne de nossa carne e o osso de nossos ossos, para que se tornasse o perfeito Mediador entre Deus e o homem,6 dando a todos os que crêem em Deus o poder de se tornarem filhos de Deus,7 como ele mesmo diz: "Subo para o meu Pai e vosso Pai, para o meu Deus e vosso Deus".8 Por meio desta santíssima fraternidade, tudo o que perdemos em Adão nos é de novo restituído,9 e por isso não tememos chamar a Deus nosso Pai,10 não tanto por nos ter ele criado - o que temos em comum com os próprios réprobos –11 como por nos ter dado o seu Filho unigênito para ser nosso irmão,12 e por nos ter concedido graça para reconhecê-lo e abraçá-lo como nosso único Mediador, como ficou dito acima.
Além disso, era preciso que o Messias e Redentor fosse verdadeiro Deus e verdadeiro homem, porque ele seria capaz de suportar o castigo devido a nossas transgressões e apresentar-se ante o juízo de seu Pai, como em nosso lugar, para sofrer por nossa transgressão e desobediência,13 e, pela morte, vencer o autor da morte. Mas, porque a Divindade, só, não podia sofrer a morte,14 nem a humanidade podia vencê-la, ele uniu as duas numa só pessoa, a fim de que a fraqueza de uma pudesse sofrer e sujeitar-se à morte que nós merecíamos - e o poder infinito e invencível da outra, isto é, da Divindade, pudesse triunfar e preparar-nos a vida, a liberdade e a vitória perpétua.15 Assim confessamos e cremos sem nenhuma dúvida.
1. Ef 1:11; Mt 25:34.
2. Ef 1:22-23.
3. Hb 2:7-8, 11-12; Sl 22:22.
4. Hb 13:20; 1Pd 2:24; 5:4.
5. Sl 130:3; 143:2.
6. 1Tm 2:5.
7. Jo 1:12.
8. Jo 20:17.
9. Rm 5:17-19.
10. Rm 8:15; Gl 4:5-6.
11. At 17:26.
12. Hb 2:11-12.
13. 1Pd 3:18; Is 53:8.
14. At 2:24.
15. Jo 1:2; At 20:20; 1Tm 3:16; Jo 3:16.
9º CAPÍTULO
A Morte, a Paixão e o Sepultamento de Cristo
[Confessamos] que nosso Senhor Jesus Cristo se ofereceu ao Pai em sacrifício voluntário por nós,1 que sofreu a contradição dos pecadores, que foi ferido e açoitado pelas nossas transgressões,2 que, sendo o Cordeiro de Deus puro e inocente3 foi condenado na presença de um juiz terreno,4 a fim de que fôssemos absolvidos perante o tribunal de nosso Deus;5 que sofreu não só a cruel morte de cruz - que foi maldita pela sentença de Deus6 - mas também sofreu por um pouco a ira de seu Pai,7 que os pecadores mereciam. Mas declaramos que ele permanece como o Filho unicamente amado e bendito do Pai, mesmo em meio à angústia e ao tormento que ele sofreu na alma e no corpo, para dar plena satisfação pelos pecados do povo,8 e agora confessamos e declaramos que não resta nenhum outro sacrifício pelo pecado.9 Se há alguns que assim afirmam, não necessitamos em declarar que são blasfemos contra a morte de Cristo e contra a satisfação eterna que por ela nos foi preparada.
1. Hb 10:1-12.
2. Is 53:5; Hb 12:3.
3. Jo 1:29.
4. Mt 27:11,26; Mc 15; Lc 23.
5. Gl 3:13.
6. Dt 21:23.
7. Mt 26:38-39.
8. 2Co 5:21.
9. Hb 9:12; 10:14.
10º CAPÍTULO
A Ressurreição
Visto que era impossível que as dores da morte pudessem reter cativo o Autor da vida,1 cremos sem nenhuma dúvida que nosso Senhor Jesus Cristo foi crucificado morto e sepultado, o qual desceu ao inferno, ressuscitou para nossa justificação2 e para a destruição daquele que era o autor do pecado, e nos trouxe de novo a vida, a nós que estávamos sujeitos à morte e ao seu cativeiro.3 Sabemos que sua ressurreição foi confirmada pelos testemunhos de seus inimigos4 e pela ressurreição dos mortos, cujos sepulcros se abriram e eles ressuscitaram e apareceram a muitos dentro da cidade de Jerusalém,5 e que foi também confirmada pelos testemunhos dos anjos,6 pelos sentidos e pelo julgamento dos apóstolos e de outros que privaram com ele e com ele comeram e beberam depois da sua ressurreição.7
1. At 2:24.
2. At 3:26; Rm 6:5, 9; 4:25.
3. Hb 2:14-15.
4. Mt 28:4.
5. Mt 27:52-53.
6. Mt 28:5-6.
7. Jo 20:27; 21:7,12-13; Lc 24:41-43.
11º CAPÍTULO
A Ascensão
Não duvidamos, de modo nenhum, que exatamente o mesmo corpo que nasceu da Virgem, foi crucificado, morto e sepultado, e que ele ressurgiu e subiu aos céus, para cumprimento de todas as coisas,1 onde em nosso nome e para a nossa consolação recebeu todo o poder no céu e na terra,2 onde ele está sentado, à destra do Pai, tendo sido coroado no seu reino, como o único advogado e mediador por nós;3 essa glória, honra e prerrogativa possuirá ele, só, entre os irmãos, até que todos os seus inimigos sejam feitos escabelo dos seus pés.4 Assim também cremos, sem dúvida alguma, que haverá um juízo final, para cuja execução o mesmo Senhor Jesus há de vir visivelmente, como foi visto subir.5 E cremos firmemente que virá então o tempo da recriação e restauração de todas as coisas,6 de modo que aqueles que desde o principio sofreram violência e afronta por causa da justiça, entrarão na posse da bendita imortalidade a eles prometida desde o princípio.7
Mas, por outro lado, os obstinados, os desobedientes, os cruéis, os perseguidores, os impuros, os idólatras e incrédulos de toda sorte serão lançados no cárcere das trevas exteriores, onde o seu verme não morrerá, nem seu fogo se apagará.8 A lembrança daquele dia e do juízo que nele será executado não é apenas freio para coibir nossos apetites carnais, mas também uma consolação tão grande e tão incomparável que nem a ameaça dos príncipes deste mundo, nem o medo da morte temporal e do perigo presente podem levar-nos a renunciar e abandonar aquela bendita sociedade que nós, os membros, temos com o Cabeça e nosso único Mediador, Jesus Cristo:9 a quem nós confessamos e reconhecemos ser o Messias prometido, o único Cabeça da Igreja, nosso justo Legislador, nosso único Sumo-Sacerdote, Advogado e Mediador,10 em cujas honras e funções, se homem ou anjo ousa intrometer-se, nós os detestamos e repudiamos completamente como blasfemos de nosso soberano e supremo Governador, Jesus Cristo.
1. Mc 16:9; Mt 28:6; Lc 24:51; At 1:9.
2. Mt 28:18.
3. 1Jo 2:1; 1Tm 2:5.
4. Sl 110:1; Mt 22:44; Mc 12:36; Lc 20:42-43.
5. At 1:8.
6. At 3:19.
7. Mt 25:34. 2Ts 1:4-8.
8. Ap 21:27; Is 66:24; Mt 25:41; Mc 9:44, 46,48; Mt 22:13.
9. 2Pd 3:11; 2Co 5:9-11; Lc 21:27-28; Jo 14:1, etc.
10. Is 7:14; Ef 1:22; Cl 1:18; Hb 9:11,15; 10:21; 1Jo 2:1; 1Tm 2:5.
12º CAPÍTULO
A Fé no Espírito Santo
Esta fé e a sua certeza não procedem da carne e do sangue, isto é, de uma faculdade natural que há em nós, mas são a inspiração do Espírito Santo,1 que nós confessamos ser Deus, igual com o Pai e com seu Filho,2 que nos santifica e nos conduz em toda verdade pela sua operação, sem o qual permaneceríamos para sempre inimigos de Deus e ignorantes de seu Filho, Jesus Cristo. Porque por natureza somos mortos, cegos e perversos, de maneira que nem sequer sentimos quando somos aguilhoados, nem vemos a luz quando brilha, nem podemos assentir à vontade de Deus quando ela se revela, se o Espírito de nosso Senhor não vivificar o que está morto, não remover as trevas de nossas mentes e não dobrar a rebelião dos nossos corações à obediência da sua bendita vontade.3 Dessa forma, assim como confessamos que Deus o Pai nos criou quando ainda não existíamos,4 assim como o seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, nos redimiu quando éramos seus inimigos,5 assim também confessamos que o Espírito Santo nos santificou e regenerou, sem qualquer respeito a qualquer mérito nosso - seja anterior seja posterior à nossa regeneração.6 Para deixar isto ainda mais claro: como de boa vontade renunciamos a qualquer honra e glória pela nossa própria criação e redenção,7 assim também o fazemos pela nossa regeneração e santificação, pois por nós mesmos nada de bom somos capazes de pensar, mas só aquele que em nós começou a obra nos faz continuar nela,8 para o louvor e glória de sua graça imerecida.9
1. Mt 16:17; Jo 14:26; 15:26; 16:13.
2. At 5:3-4.
3. Cl 2:13; Ef 2:1; Jo 9:39; Ap 3:17; Mt 17:17; Mc 9:19; Lc 9:41; Jo 6:63; Mq 7:8; 1Rs 8:57-58.
4. Sl 100:3.
5. Rm 5:10.
6. Jo 3:5; Tt 3:5; Rm 5:8.
7. Fp 3:7.
8. Fp 1:6; 2 Co 3:5.
9. Ef 1:6.
13º CAPÍTULO
A Causa das Boas Obras
Assim, confessamos que a causa das boas obras não é nosso livre arbítrio, mas o Espírito de Jesus, nosso Senhor, que habita em nossos corações pela verdadeira fé, produz as obras, quais Deus as preparou para que andássemos nelas. Por isso, com toda a ousadia afirmamos que é blasfêmia dizer que Cristo habita nos corações daqueles em quem não há nenhum espírito de santificação.1 Portanto, não hesitamos em afirmar que os assassinos, os opressores, os cruéis, os perseguidores, os adúlteros, os fornicários, os idólatras, os alcoólatras, os ladrões e outros que praticam a iniqüidade, não têm nem verdadeira fé, nem qualquer porção do Espírito do Senhor Jesus, enquanto obstinadamente continuarem na impiedade.
Pois, logo que o Espírito do Senhor Jesus, a quem os escolhidos de Deus recebem pela verdadeira fé, toma posse do coração de alguém, imediatamente ele regenera e renova esse homem, que assim começa a odiar aquilo que antes amava e a amar o que antes odiava. Daí resulta a contínua batalha entre a carne e o espírito: a carne e o homem natural, segundo a sua corrupção, cobiçam coisas que lhes são agradáveis e deleitáveis, murmuram na adversidade e enchem-se de orgulho na prosperidade e estão em todos os momentos propensos e prontos a ofender a majestade de Deus.2 Mas o Espírito de Deus, que dá testemunho junto ao nosso espírito de que somos filhos de Deus,3 leva-nos a resistir aos prazeres imundos e a suspirar na presença de Deus pelo livramento desse cativeiro da corrupção,4 e finalmente a triunfar sobre o pecado, para que ele não reine em nossos corpos mortais.5
Os homens carnais não têm esse conflito, pois são destituídos do Espírito de Deus, mas seguem e obedecem com avidez ao pecado, sem nenhum pesar, estimulados pelo Diabo e por sua cupidez depravada. Os filhos de Deus, porém, como antes foi dito, lutam contra o pecado, suspiram e gemem quando se sentem tentados à prática do mal; e, se caem, levantam-se outra vez com arrependimento não fingido.6 Eles fazem estas coisas não pelo seu próprio poder, mas pelo poder do Senhor Jesus, sem quem nada podem fazer.7
1. Ef 2:10; Fp 2:13; Jo 15:5; Rm 8:9.
2. Rm 7:15-25; Gl 5:17.
3. Rm 8:16.
4. Rm 7:24; 8:22.
5. Rm 6:12.
6. 2Tm 2:26.
7. Jo 15:5.
14º CAPÍTULO
As Obras que são Consideradas Boas diante de Deus
Confessamos e reconhecemos que Deus deu ao homem sua santa Lei, na qual se proíbem não só as obras que desagradam e ofendem sua divina majestade, mas também se ordenam todas aquelas que lhe agradam e que ele prometeu recompensar.1 Essas obras são de duas espécies. Umas são praticadas para a honra de Deus e as outras para benefício de nosso próximo, e ambas têm a vontade revelada de Deus como sua garantia.
Ter um só Deus, adorá-lo e honrá-lo, invocá-lo em todas as nossas dificuldades, reverenciar o seu santo nome, ouvir a sua Palavra e crer nela, participar dos seus santos sacramentos, são obras da primeira espécie.2 Honrar pai, mãe, príncipes, governantes e poderes superiores, amá-los, sustentá-los, obedecer às suas ordens - se estas não são contrárias aos mandamentos divinos - salvar as vidas dos inocentes, reprimir a tirania, defender os oprimidos, conservar nossos corpos limpos e santos, viver em sobriedade e temperança, tratar de modo justo todos os homens tanto por palavras como por obras e, finalmente, reprimir quaisquer desejos pelos quais nosso próximo recebe ou pode receber dano,3 são as boas obras da segunda espécie, as quais são mui gratas e aceitáveis a Deus, visto que ele mesmo as ordenou.
Os atos contrários são pecados dignos da maior indignação, que sempre lhe desagradam e o provocam à ira. São eles: não invocar só a ele quando temos necessidade, não ouvir com reverência a sua Palavra, mas desprezá-la e rejeitá-la, ter ou adorar ídolos, alimentar e defender a idolatria, fazer pouco do venerável nome de Deus, profanar, abusar ou desprezar os sacramentos de Jesus Cristo, não obedecer ou resistir aos que Deus colocou em autoridade, enquanto se mantenham dentro dos limites da sua vocação,4 cometer homicídio ou ser conivente com homicídio, odiar o próximo, permitir que seja derramado o sangue inocente, se podemos impedi-lo.5 Em conclusão, confessamos e afirmamos que a quebra de qualquer mandamento da primeira ou da segunda espécie é pecado,6 pelo qual se acende a ira de Deus contra o mundo soberbo e ingrato. Assim, afirmamos serem boas obras somente as que são praticadas com fé,7 segundo o mandamento de Deus,8 que, em sua lei, expôs o que lhe agrada. Afirmamos que as obras más não são apenas as que se praticam expressamente contra o mandamento de Deus,9 mas também as que em assuntos religiosos e de culto a Deus, não têm outro fundamento senão a invenção e a opinião do homem. Desde o princípio Deus as vem rejeitando, como aprendemos das palavras do profeta lsaías10 e de nosso Senhor Jesus Cristo: "Em vão me adoram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens".11
1. Êx 20:3, etc.; Dt 5:6, etc.; 4:8.
2. Lc 10:27-28; Mq 6:8.
3. Ef 6:1,7; Ez 22:1,etc.; 1Co 6:19-20; 1Ts 4:3-7; Jr 22:3, etc.; Is 50:1, etc.; 1Ts 4:6.
4. Rm 13:2.
5. Ez 22:13, etc.
6. 1Jo 3:4.
7. Rm 14:23; Hb 11:6.
8. 1Sm 15:22; 1Co 10:31.
9. 1Jo 3:4.
10. Is 29:13.
11. Mt 15:9; Mc 7:7.
15º CAPÍTULO
A Perfeição da Lei e a Imperfeição do Homem
Confessamos e reconhecemos que a Lei de Deus é a mais justa, a mais imparcial e a mais santa, e o que ela ordena, se perfeitamente praticado, iluminaria e poderia conduzir o homem à felicidade eterna;1 mas a nossa natureza é tão corrupta, fraca e imperfeita que jamais seríamos capazes de cumprir perfeitamente as obras da Lei.2 Mesmo depois de sermos regenerados, se dissermos que não temos pecados, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade de Deus não está em nós.3 Por isso, importa que nos apeguemos a Cristo, em sua justiça e satisfação, pois ele é o fim e o complemento da Lei e é por ele que somos libertados, de modo que, embora não cumpramos a Lei em todos os pontos, contudo, estamos imunes da execração de Deus.4 Deus o Pai contempla-nos no corpo de seu Filho Jesus Cristo, aceita como perfeita a nossa obediência imperfeita5 e cobre todas as nossas obras, que estão poluídas por muitas manchas,6 com a perfeita justiça do seu Filho.
Não queremos dizer que fomos libertados, de modo a não devermos mais obediência alguma à Lei - pois já reconhecemos o lugar dela - mas afirmamos que ninguém na terra, pela sua conduta - com exceção apenas de Cristo Jesus - deu, dá e dará à Lei a obediência que ela requer. Quando tivermos feito tudo, devemos prostrar-nos e confessar sinceramente que somos servos inúteis.7 Portanto, todos os que se vangloriam dos méritos de suas obras põem sua confiança em obras de supererrogação, ou se vangloriam da vaidade, ou põem sua confiança em idolatria condenável.
1. Lv 18:5; Gl 3:12; 1Tm 1:8; Rm 7:12; Sl 19:7-9; 19:11.
2. Dt 5:29; Rm 10:3.
3. 1Rs 8:46; 2Cr 6:36; Pv 20:9; Ec 7:22; 1Jo 1:8.
4. Rm 10:4; Gl 3:13; Dt 27:26.
5. Fp 2:15.
6. Is 64:6.
7. Lc 17:10.
16º CAPÍTULO
Da Igreja
Assim como cremos em um só Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, assim também firmemente cremos que houve desde o princípio, há agora e haverá até o fim do mundo uma só Igreja, isto é, uma sociedade e multidão de homens escolhidos por Deus, que corretamente o adoram e aceitam, pela verdadeira fé em Jesus Cristo,1 o qual, só, é a Cabeça da Igreja, assim como é ela o corpo e a esposa de Jesus Cristo. Essa Igreja é católica, isto é, universal, porque compreende os escolhidos de todos os tempos, de todos os reinos, nações e línguas, ou dos judeus ou dos gentios, que tenham comunhão e associação com Deus o Pai, e com seu Filho, Jesus Cristo, pela santificação do Espírito Santo.2 Por isso ela é chamada comunhão, não dos profanos, mas dos santos, que, como cidadãos da Jerusalém celestial,3 gozam de benefícios inestimáveis: um só Deus, um só Senhor Jesus Cristo, uma só fé e um só batismo.4 Fora dessa Igreja não há nem vida nem felicidade eterna. Portanto, detestamos completamente a blasfêmia dos que sustentam que os homens que vivem segundo à equidade e a justiça serão salvos, não importando que religião professem. Pois, visto que sem Cristo não há vida nem salvação,5 ninguém terá parte nesta senão aquele que o Pai deu ao seu Filho, Jesus Cristo, e aqueles que no tempo oportuno a ele vierem,6 confessarem a sua doutrina e nele crerem (incluímos as crianças de pais crentes).7 Essa Igreja é invisível, conhecida só de Deus - que é o único a conhecer os que ele escolheu8 - e compreende, como já ficou dito, tanto os escolhidos que já partiram, e é chamada geralmente a "Igreja Triunfante", como os que ainda vivem e lutam contra o pecado e Satanás, e os que viverem daqui por diante.9
1. Mt 28:20; Ef 1:4.
2. Cl 1:18; Ef 5:23-24, etc.; Ap 7:9.
3. Ef 2:19.
4. Ef 4:5.
5. Jo 3:36.
6. Jo 5:24; 6:37; 6:39; 6:65; 17:6.
7. At 2:39.
8. 2Tm 2:19; Jo 13:18.
9. Ef 1:10; Cl 1:20; Hb 12:4.
17º CAPÍTULO
Da Imortalidade das Almas
Os escolhidos, que partiram, estão em paz e descansam de seus trabalhos;1 não que durmam e estejam perdidos no esquecimento, como sustentam alguns fantasistas, mas porque foram libertados de todo medo, de tormentos, e de toda tentação, coisas a que nós e todos os escolhidos de Deus nesta vida estamos sujeitos.2 Por isso a Igreja é chamada Militante. Por outro lado, os réprobos e infiéis falecidos padecem angústia, tormentos e penas inenarráveis.3 Nem estes nem aqueles se encontram em tal sono que os impeça de sentir em que situação estejam, como claramente atestam a parábola de Jesus Cristo em São Lucas 16,4 as suas próprias palavras na cruz ao ladrão5 e o clamor das almas, sob o altar:6 "Senhor, que és justo e imparcial, até quando deixarás sem vingança o nosso sangue entre os habitantes da terra?"
1. Ap 14:13.
2. Is 25:8; Ap 7:14-17; 21:4.
3. Ap 16:10-11; Is 66:24; Mc 9:44,46,48.
4. Lc 16:23-26.
5. Lc 23:43.
6. Ap 6:9-10.
18º CAPÍTULO
Os Sinais pelos quais a Verdadeira Igreja será Distinguida da Falsa e quem será Juiz da Doutrina
Satanás vem trabalhando desde o princípio para adornar sua pestilenta sinagoga com o título de Igreja de Deus, e inflamando corações de crudelíssimos assassinos, para perseguirem, perturbarem e molestarem a verdadeira Igreja e seus membros, como Caim com Abel,1 Ismael com Isaque,2 Esaú com Jacó3 e todos os sacerdotes dos judeus com Jesus Cristo e seus apóstolos que vieram depois dele.4 Por isso, é necessário que a verdadeira Igreja, por sinais claros e perfeitos, se distinga de tais sinagogas corruptas, a fim de que não sejamos enganados e, para nossa própria condenação, recebamos e abracemos a falsa pela verdadeira. As marcas, os sinais e as características pelos quais a noiva imaculada de Cristo se distingue da impura e horrível meretriz - a Igreja dos maldosos - nós afirmamos que não são nem a antiguidade, nem o título usurpado, nem a sucessão linear, nem a multidão de homens que aprovam o erro. Caim existiu primeiro do que Abel e Sete5 quanto à idade e ao título; Jerusalém tinha precedência sobre todos os outros lugares da terra,6 pois nela os sacerdotes descendiam linearmente de Aarão, e maior era o número que seguia os escribas, fariseus e sacerdotes do que aqueles que verdadeiramente criam em Jesus Cristo e aprovavam a sua doutrina.7 No entanto ninguém de são juízo, supomos, sustentará que qualquer dos acima nomeados era a Igreja de Deus.
Portanto, nós cremos, confessamos e declaramos que as marcas da verdadeira Igreja são, primeiro e antes de tudo, a verdadeira pregação da Palavra de Deus, na qual Deus mesmo se revelou a nós, como nos declaram os escritos dos profetas e apóstolos; segundo, a correta administração dos sacramentos de Jesus Cristo, os quais devem ser associados à Palavra e à promessa de Deus para selá-las e confirmá-las em nossos corações;8 e, finalmente, a disciplina eclesiástica corretamente administrada, como prescreve a Palavra de Deus, para reprimir o vício e estimular a virtude.9 Onde quer que essas marcas se encontrem e continuem por algum tempo - ainda que o número de pessoas não exceda de duas ou três - ali, sem dúvida alguma, está a verdadeira Igreja de Cristo, o qual, segundo a sua promessa, está no meio dela.10 Isto não se refere à Igreja universal de que falamos antes, mas às igrejas particulares, tais como as que havia em Corinto,11 na Galácia,12 em Éfeso13 e noutros lugares onde o ministério foi implantado por Paulo e às quais ele mesmo chamou igrejas de Deus.
Tais igrejas nós, habitantes do reino da Escócia, confessando a Jesus Cristo, afirmamos ter em nossas cidades, vilas e distritos reformados, porque a doutrina ensinada em nossas igrejas está contida na Palavra de Deus escrita, isto é, no Velho e no Novo Testamentos, nos livros originalmente reconhecidos como canônicos. Afirmamos que neles todas as coisas que devem ser cridas para a salvação dos homens estão suficientemente expressas.14 Confessamos que a interpretação da Escritura não é atribuição de nenhuma pessoa particular ou pública, nem mesmo de qualquer igreja em virtude de qualquer preeminência ou prerrogativa, pessoal ou local, que uma tenha sobre a outra, mas esse direito e autoridade só pertencem ao Espírito de Deus por quem as Escrituras foram escritas.15
Quando surge, pois, controvérsia acerca do exato sentido de qualquer passagem ou sentença da Escritura, ou para a reforma de algum abuso na Igreja de Deus, devemos perguntar não tanto o que os homens disseram ou fizeram antes de nós, como o que o Espírito Santo, uniformemente, fala no corpo das Escrituras Sagradas e o que Jesus Cristo mesmo fez e mandou.16 Pois todos reconhecem sem discussão que o Espírito de Deus, que é o Espírito de unidade, não pode contradizer-se a si mesmo.17 Assim, se a interpretação ou decisão ou opinião de qualquer doutor da Igreja ou concílio é contrária à expressa Palavra de Deus em qualquer outra passagem da Escritura, é certo que essa interpretação não representa a mente e sentido do Espírito Santo, ainda que concílios, reinos e nações a tenham admitido e aprovado. Não ousamos admitir nenhuma interpretação contrária a qualquer artigo principal de fé, ou a qualquer texto claro da Escritura, ou à regra do amor.
1. Gn 4:8.
2. Gn 21:9.
3. Gn 27:41.
4. Mt 23:34; Jo 15:18-20,24; 11:47,53; At 4:1-3; 5:17, etc.
5. Gn 4:1.
6. Sl 48:2-3; Mt 5:35.
7. Jo 12:42.
8. Ef 2:20; At 2:42; Jo 10:27; 18:37; 1Co 1:13; Mt 18:19-20; Mc 16:15-16; 1C. 11:24-26; Rm 4:11.
9. Mt 18:15-18; 1Co 5:4-5.
10. Mt 18:19-20.
11. 1Co 1:2; 2Co 1:2.
12. Gl 1:2.
13. Ef 1:1; At 16:9-10; 18:1, etc.; 20:17, etc.
14. Jo 20:31; 2Tm 3:16-17.
15. 2Pd 1:20-21.
16. Jo 5:39.
17. Ef 4:3-4.
19º CAPÍTULO
A Autoridade das Escrituras
Cremos e confessamos que as Escrituras de Deus são suficientes para instruir e aperfeiçoar o homem de Deus, e assim afirmamos e declaramos que a sua autoridade vem de Deus e não depende de homem ou de anjo.1 Afirmamos, portanto, que os que dizem não terem as Escrituras outra autoridade a não ser a que elas receberam da Igreja são blasfemos contra Deus e fazem injustiça à verdadeira Igreja, que sempre ouve e obedece à voz de seu próprio Esposo e Pastor, mas nunca se arroga o direito de senhora.2
1. 1Tm 3:16-17.
2. Jo 10:27.
20º CAPÍTULO
Dos Concílios Gerais, seu Poder, sua Autoridade e Causas de sua Convocação
Assim como não condenamos irrefletidamente o que homens bons, reunidos em concílio geral legalmente convocado, estabeleceram antes de nós, assim não admitimos sem justo exame tudo o que tenha sido declarado aos homens em nome de concílio geral, pois é manifesto que, sendo humanos, alguns deles manifestamente erraram, e isso em questões de máximo peso e importância.1 Então, na medida em que um concílio confirma sua decisão e seus decretos pela clara Palavra de Deus, nós os respeitamos e acatamos. Mas, se homens, em nome de um concílio, pretendem forjar-nos novos artigos de fé, ou tomar decisões contrárias à Palavra de Deus, então devemos definitivamente negar como doutrinas de demônios tudo aquilo que afasta nossas almas da voz do único Deus para levar-nos a seguir doutrinas e decisões de homens.2
A razão por que os concílios gerais se reuniram não foi para elaborar qualquer lei permanente que Deus não tivesse feito antes, nem para formular novos artigos para a nossa fé, nem para conferir autoridade à Palavra de Deus; muito menos para afirmá-la como Palavra de Deus, ou para dela dar a verdadeira interpretação que não fora previamente expressa pela sua santa vontade em sua Palavra.3 Mas a razão dos concílios - pelo menos daqueles que merecem tal nome - foi em parte refutar heresias e fazer confissão pública de sua fé a ser seguida pela posteridade, e eles fizeram uma e outra coisa pela autoridade da Palavra de Deus escrita, sem apelar a qualquer prerrogativa de que, pelo fato de serem concílios gerais, não poderiam errar. Foi essa a razão primeira e principal dos concílios gerais, em nossa opinião. Uma segunda foi constituir e observar boa administração na Igreja, em que - como casa de Deus que é4 – convém que tudo seja feito com decência e ordem.5 Não que pensemos que a mesma administração ou ordem de cerimônias possa ser estabelecido para todas as épocas, tempos e lugares; pois, como cerimônias que os homens inventaram, são apenas temporais, e, assim, podem e devem ser mudadas quando se percebe que o seu uso fomenta antes a superstição que a edificação da Igreja.
1. Gl 2:11-14.
2. 1Tm 4:1-3; Cl 2:18-23.
3. At 15:1, etc.
4. 1Tm 3:15; Hb 3:2.
5. 1Co 14:40.
21º CAPÍTULO
Dos Sacramentos
Assim como os patriarcas sob a Lei, além da realidade dos sacrifícios, tinham dois sacramentos principais, isto é, a circuncisão e a páscoa, e aqueles que os desprezavam e negligenciavam não eram contados entre o povo de Deus,1 assim nós também reconhecemos e confessamos que agora, na era do Evangelho, só temos dois sacramentos principais, instituídos por Cristo e ordenados para uso de todos os que desejam ser considerados membros de seu corpo, isto é, o Batismo e a Ceia ou Mesa do Senhor, também chamada popularmente Comunhão do seu Corpo e do seu Sangue.2 Esses sacramentos, tanto do Velho Testamento como do Novo, foram instituídos por Deus, não só para estabelecer distinção visível entre o seu povo e os que estavam fora da Aliança, mas também para exercitar a fé dos seus filhos e, pela participação de tais sacramentos, selar em seus corações a certeza da sua promessa e daquela associação, união e sociedade mui felizes que os escolhidos têm com seu Cabeça, Jesus Cristo.
E, assim, condenamos inteiramente a vaidade dos que afirmam que os sacramentos não são outra coisa que meros sinais desnudos. Muito ao contrário, cremos seguramente que pelo Batismo somos enxertados em Jesus Cristo, para nos tornarmos participantes de sua justiça, pela qual todos os nossos pecados são cobertos e perdoados; cremos também que na Ceia corretamente usada, Cristo se une de tal modo a nós, que se torna o próprio alimento e sustento de nossas almas.3 Não que imaginemos qualquer transubstanciação do pão no corpo natural de Cristo e do vinho em seu sangue natural, como têm ensinado perniciosamente os pontifícios e como crêem para sua condenação; mas essa união e associação que temos com o corpo e o sangue de Jesus Cristo no uso reto dos sacramentos se realiza por meio do Espírito Santo, que pela verdadeira fé nos transporta acima de todas as coisas visíveis - que são carnais e terrenas - e nos habilita a alimentar-nos do corpo e do sangue de Jesus Cristo, uma vez partido e derramado por nós, e que agora está no céu e se apresenta por nós na presença do Pai.4 Não obstante a distância entre o seu corpo agora glorificado no céu e nós mortos aqui na terra, contudo cremos firmemente que o pão que partimos é a comunhão do corpo de Cristo e o cálice que abençoamos é a comunhão do seu sangue.5 Assim, confessamos, e cremos, sem nenhuma dúvida, que os fiéis, mediante o uso reto da Ceia do Senhor, comem o corpo e bebem o sangue de Jesus Cristo, porque ele permanece neles e eles nele; eles, até, se tornam carne da sua carne e osso dos seus ossos6 de maneira tal que, como a Divindade eterna conferiu à carne de Jesus Cristo vida e imortalidade,7 assim também o comer e o beber da carne e do sangue de Jesus Cristo nos confere essas prerrogativas. Declaramos, contudo, que isto não nos é dado só na ocasião do sacramento, nem pela sua ação ou virtude; mas afirmamos que os fiéis, mediante o uso certo da Ceia do Senhor, têm com Jesus Cristo,8 uma união que o homem natural não pode compreender.
Além disso afirmamos que, embora os fiéis, impedidos pela negligência e pela fraqueza humana, não aproveitem tanto quanto desejariam, na própria ocasião em que se celebra a Ceia, no entanto subseqüentemente ela produzirá frutos, sendo semente viva semeada em boa terra, pois o Espírito Santo, que nunca pode estar separado do uso reto da Instituição de Cristo, não privará os fiéis do fruto dessa ação mística. Mas tudo isto, dizemos, vem da verdadeira fé que apreende Jesus Cristo, o único que faz o sacramento eficaz em nós. Portanto, todos os que nos difamam dizendo que afirmamos ou cremos que os sacramentos não são outra coisa que sinais desnudos e vazios, fazem-nos injustiça e falam contra a verdade manifesta.
Isto, no entanto, admitimos livre e espontaneamente, que fazemos distinção entre Cristo em sua substância eterna e os elementos dos sinais sacramentais. Assim, nem adoramos os elementos em lugar do que eles significam, nem os julgamos dignos de adoração, nem os desprezamos, ou interpretamos como inúteis e vãos, mas deles participamos com grande reverência, examinando-nos a nós mesmos o mais diligentemente antes de participarmos deles, pois somos persuadidos pelos lábios do apóstolo, de que "aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue de Jesus Cristo".9
1. Gn 17:10-11; Êx 23:3,etc.; Gn 17:14; Nm 9:13.
2. Mt 28:19; Mc 16:15-16; Mt 26:26-28; Mc 14:22-24; Lc 22:19-20; 1Co 11:23-26.
3. 1Co 10:16; Rm 6:3-5; Gl 3:27.
4. Mc 16:19; Lc 24:51; At 1:11; 3:21.
5. 1Co 10:16.
6. Ef 5:30.
7. Mt 27:50; Mc 15:37; Lc 23:46; Jo 19:30.
8. Jo 6:51; 6:53-58.
9. 1Co 11:27-29.
22º CAPÍTULO
Da Reta Administração dos Sacramentos
Duas coisas são necessárias para a reta administração dos sacramentos. A primeira é que eles devem ser ministrados por ministros legítimos; e declaramos que tais são apenas os que são designados para a pregação da Palavra, em cujos lábios pôs Deus a Palavra de exortação e que estes são os que são para isso legitimamente escolhidos por alguma Igreja. A segunda é que devem ser ministrados com os elementos e da maneira que Deus estabeleceu; de outra forma, afirmamos que deixam de ser os sacramentos corretos de Jesus Cristo.
Esse o motivo por que abandonamos a sociedade da Igreja pontifícia e fugimos à participação dos seus sacramentos. Primeiramente, porque seus ministros não são ministros de Jesus Cristo (o que é mais horrendo é que eles permitem que mulheres batizem, quando a estas o Espírito Santo não permite ensinar na congregação). Em segundo lugar, porque adulteraram de tal modo um e outro sacramentos com as suas próprias invenções que nenhuma parte do ato original de Cristo permanece em sua simplicidade original. O óleo, o sal, o cuspo e outras coisas, no batismo, são simples invenções humanas; a adoração ou veneração do sacramento, o transportá-lo pelas ruas e praças das cidades, a conservação do pão num escrínio ou cápsula, não é o uso legítimo do sacramento do corpo de Cristo, mas simples profanação dele. Cristo disse. "Tomai e comei", e "Fazei isto em memória de mim."1 Por estas palavras e por esta ordem ele santificou o pão e o vinho para sacramento do seu corpo e do seu sangue, de modo que um seria comido e todos bebessem do outro, e não que se conservem, e se adorem e honrem como Deus, como até agora fizeram os pontifícios, que, subtraindo ao povo o cálice da bênção, praticaram um horrendo sacrilégio.
Além disso, para uso correto dos sacramentos, requer-se que o fim e a causa da sua instituição sejam entendidos e observados não menos pelos comungantes do que pelos ministros. Se a intenção no participante se mudar, cessa o uso correto, o que é muito evidente na rejeição dos sacrifícios (assim como também se o ministro ensinar doutrina claramente falsa, o que seria odioso e detestável diante de Deus), ainda que os sacramentos sejam instituições dele próprio, porque homens ímpios deles usam para fim diverso daquele para que foram ordenados por Deus. Afirmamos que isto foi feito aos sacramentos na Igreja Pontifícia, na qual toda a ação de Jesus Cristo é adulterada, tanto na forma exterior, como no fim e na concepção. O que Cristo fez e ordenou que se fizesse é evidente dos Evangelistas e de São Paulo; o que o sacerdote pontifício faz junto do altar não é necessário repetir. O fim e a causa da instituição de Cristo, e por que o que ele instituiu deve ser feito por nós, exprime-se nestas palavras: "Fazei isto em memória de mim"; "Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais" isto é, enalteceis, pregais, engrandeceis e louvais – "a morte do Senhor, até que ele venha".2 Mas qual é o fim, qual a concepção com que os sacerdotes dizem a sua missa; revelem-no as suas próprias palavras na missa: e é que, como mediadores entre Cristo e sua Igreja, eles oferecem a Deus o Pai um sacrifício propiciatório pelos pecados dos vivos e dos mortos, doutrina blasfema porque anula a suficiência do sacrifício único de Cristo, uma vez oferecido para a purificação de todos os que são santificados. Nós aborrecemos, detestamos e repudiamos profundamente essa blasfêmia contra o próprio Jesus Cristo.3
1. Mt 26:26; Mc 14:22; Lc 22:19; 1Co 11:24.
2. 1Co 11:24-26.
3. Hb 9:27-28; 10:14.
23º CAPÍTULO
A quem Interessam os Sacramentos
Reconhecemos e sustentamos que o batismo se aplica tanto aos filhos dos fiéis como aos fiéis adultos, dotados de discernimento, e assim condenamos o erro dos Anabatistas, que negam o batismo às crianças até que elas tenham compreensão e fé.1 Mas sustentamos que a Ceia do Senhor é somente para aqueles que pertencem à família da fé e podem examinar-se e provar-se a si mesmos, tanto em sua fé como no dever da fé para com o próximo. Os que sem fé ou permanecendo em dissensão com os seus irmãos comem e bebem naquela santa mesa comem indignamente.2 Esta a razão por que os pastores da nossa Igreja fazem exame público e particular, tanto no conhecimento como na conduta e na vida, daqueles que devem ser admitidos à Ceia do Senhor Jesus.
1. Cl 2:11-12; Rm 4:11; Gn 17:10; Mt 28:19.
2. 1Co 11:28-29.
24º CAPÍTULO
Do Magistrado Civil
Confessamos e reconhecemos que impérios, reinos, domínios e cidades foram diferenciados e ordenados por Deus; o poder e a autoridade neles - dos imperadores nos impérios, dos reis nos reinos, dos duques e príncipes em seus domínios, e dos outros magistrados nas cidades – são uma santa ordenança de Deus destinada à manifestação de sua própria glória e à singular utilidade do gênero humano.1 Por isso afirmamos que todos os que procuram levantar ou confundir todo o estado do poder civil, já há muito estabelecido, não são apenas inimigos da humanidade, mas lutam impiamente contra a vontade manifesta de Deus.2
Além disso, confessamos e reconhecemos que todos os que foram colocados em autoridade devem ser amados,3 honrados, temidos e tidos na mais respeitosa estima, pois fazem as vezes de Deus, e em seus concílios o próprio Deus se assenta e julga.4 São eles os juízes e príncipes a quem Deus entregou a espada para o louvor e defesa dos bons e para justo castigo e vingança de todos os malfeitores.5 Além disso, afirmamos que a purificação e preservação da religião é, sobretudo e particularmente, dever de reis, príncipes, governantes e magistrados. Não foram eles ordenados por Deus apenas para o governo civil, mas também para manter a verdadeira religião e para suprimir toda idolatria e superstição. Pode-se ver isso em Davi,6 Josafá,7 Josias,8 Ezequias9 e outros altamente recomendados pelo seu singular zelo.
Por isso, confessamos e declaramos que todos quantos resistem à suprema autoridade, usurpando o que pertence ao ofício desta, resistem a essa ordenação de Deus e, portanto, não podem ser considerados inculpáveis diante dele. Afirmamos mais que, enquanto príncipes e governantes vigilantemente cumprirem sua função, quem quer que lhes recusar auxílio, conselho e assistência nega-o a Deus, que pela presença do seu lugar-tenente lhes solicita isso.
1. Rm 13:1; Tt 3:1; 1Pd 2:13-14.
2. Rm 13:2.
3. Rm 13:7; 1Pd 2:17.
4. Sl 82:1.
5. 1Pd 2:14.
6. 1Cr 22-26.
7. 2Cr 17:6, etc.; 19:8, etc.;
8. 2Cr 29-31.
9. 2Cr 34-35.
25º CAPÍTULO
Os Dons Livremente Concedidos à Igreja
Embora a Palavra de Deus verdadeiramente pregada, os sacramentos corretamente ministrados e a disciplina executada segundo a Palavra de Deus sejam sinais certos e incontestáveis da verdadeira Igreja, contudo nem por isso julgamos nós que toda pessoa, individualmente, nessa comunidade seja um membro escolhido de Jesus Cristo.1 Reconhecemos e confessamos que o joio pode ser semeado com o bom trigo, e joio e palha crescem em grande abundância no trigal, isto é, que réprobos podem unir-se às congregações dos escolhidos e comungar com eles nos benefícios externos da Palavra e dos sacramentos. Mas, como eles só confessam a Deus por um pouco com seus lábios e não com seus corações, desviam-se e não continuam até o fim.2 Portanto, não participam dos frutos da morte, ressurreição e ascensão de Cristo.
Mas os que de coração crêem, sem nenhuma simulação, e corajosamente confessam com seus lábios o Senhor Jesus, receberão esses dons com a mais absoluta certeza, como dissemos acima.3 Primeiramente, nesta vida terão a remissão dos pecados, e isso unicamente pela fé no sangue de Cristo; Pois, apesar de o pecado permanecer e continuamente habitar nestes nossos corpos mortais, contudo ele não nos será imputado, mas será perdoado e coberto pela justiça de Cristo.4 Em segundo lugar, no juízo geral conceder-se-á a cada homem e mulher a ressurreição da carne.5 O mar devolverá os seus mortos e a terra aqueles que nela estão sepultados. Sim, o eterno Deus estenderá a sua mão sobre o pó da terra e os mortos ressurgirão incorruptíveis,6 e na substância da mesma carne que cada um agora tem,7 para receber, segundo as suas obras, ou a glória ou o castigo.8 Os que agora se deleitam na vaidade, na crueldade, na impureza, na superstição ou idolatria serão condenados ao fogo inextinguível, no qual em seus corpos e espíritos - os quais agora servem o Diabo cometendo toda abominação - eles serão atormentados para sempre. Mas os que continuam a fazer o bem até o fim confessando corajosamente o Senhor Jesus cremos firmemente que eles possuirão a glória, a honra e a imortalidade, para reinarem para sempre na vida eterna com Jesus Cristo,9 a cujo corpo glorificado todos os escolhidos se tornarão semelhantes,10 quando ele aparecer de novo no juízo e entregar o Reino a Deus, seu Pai, o qual será então e para sempre permanecerá tudo em todas as coisas, Deus bendito para todo o sempre,11 a quem, com o Filho e o Espírito Santo seja toda honra e glória, agora e para sempre. Amém.
Levanta-te, ó Senhor, e sejam confundidos todos os teus inimigos; fujam da tua presença os que odeiam o teu divino Nome. Dá aos teus servos forças para proclamarem a tua Palavra com ousadia, e que todas as nações se apeguem ao verdadeiro conhecimento de ti. Amém.12
1. Mt 13:24, etc.
2. Mt 13:20-21.
3. Rm 10:9,13.
4. Rm 7; 2Co 5:21.
5. Jo 5:28-29.
6. Ap 20:13.
7. Jó 19:25-27.
8. Mt 25:31-46.
9. Ap 14:10; Rm 2:6-10.
10. Fp 3:21.
11. 1Co 15:24,28.
12. Nm 10:35; Sl 68:1; At 4:29.