segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O GOVERNO DA IGREJA

Diferentes Teorias a Respeito do Governo da Igreja.

CONCEITO DOS QUACRES E DOS DARBISTAS

É questão de princípio para os quacres e os darbistas a rejeição de todo e qualquer governo eclesiástico. Segundo eles, toda formação externa da igreja necessariamente degenera e leva a resultados que contrariam o espírito do cristianismo, pois exalta o elemento humano em detrimento do divino. Todo governo da igreja negligencia os carismas dados por Deus e os substitui por ofícios instituídos pelo homem, e, conseqüentemente, oferece à igreja a casca do conhecimento humano, em vez das comunicações vitais do Espírito santos. Daí, eles consideram não apenas desnecessário, mas decididamente pecaminoso organizar a igreja visível. Assim, os ofícios são abandonados, e no culto publico cada qual segue as sugestões do Espírito. A tendência transparente nestas seitas, tendência que patenteia o fermento do misticismo, deve ser considerada como uma reação contra a organização hierárquica e o formalismo da igreja estabelecida da Inglaterra. Nos Estados Unidos, alguns do quacres ordenam ministros regularmente e dirigem seu culto de maneira muito parecida com a das outras igrejas.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 581)

O SISTEMA ERASTIANO, CUJO NOME VEM DE ERASTO, (1524-1583)

Os erastianos consideram a igreja como uma sociedade que deve sua existência e sua forma às regulamentações promulgadas pelo estado. Os oficiais da igreja são meros instrutores ou pregadores da Palavra, sem nenhum direito ou poder de governar, exceto o que eles derivam dos magistrados civis. É função do estado governar a igreja, exercer a disciplina e aplicar a excomunhão. As censuras eclesiásticas são punições civis, embora a sua aplicação possa ser confiada aos legítimos oficiais da igreja. Este sistema tem sido aplicado diversamente na Inglaterra, na Escócia e na Alemanha (igrejas luteranas). Ele entra em conflito com o princípio fundamental da Chefia de Jesus Cristo, e não reconhece o fato de que a igreja e o estado são distintos e independentes em sua origem, em seus objetos primordiais, no poder que exercem e na administração desse poder.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 581)

O SISTEMA EPISCOPAL

 Os episcopais afirmam que Cristo, como Chefe da igreja, confiou o governo da igreja direta e exclusivamente a uma ordem de prelados ou bispos, considerados estes como sucessores dos apóstolos; e que Ele constituiu estes bispos numa ordem separada, independente e capacitada para perpetuar-se. Neste sistema, o coetus fidelium, ou seja, a comunidade dos crentes, não tem absolutamente nenhuma participação no governo da igreja. Nos primeiros séculos [de sua história], era este o sistema da Igreja Católica Romana. Na Inglaterra, foi feito uma combinação dele com o sistema erastiano. Mas a Bíblia não oferece base para a existência de tal classe separada de oficiais superiores, dotados do direito inerente de ordenação e jurisdição, e que, portanto, não representam o povo e nem tampouco, em nenhum sentido da expressão, derivam do povo o seu ofício. A Escritura mostra claramente que o ofício apostólico não era de natureza permanente. Os apóstolos compunham uma classe claramente distinta e independente, mas a sua tarefa especial não era a de governar e administrar os assuntos das igrejas. Era seu dever levar o Evangelho às regiões não evangelizadas, fundar igrejas, e, então, designar dentre o povo outras pessoas para a tarefa de governar essas igrejas. Antes do final do primeiro século, o apostolado já tinha desaparecido inteiramente.
               (Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 581)

O SISTEMA CATÓLICO ROMANO

Este é o sistema episcopal levado à sua conclusão lógica. O sistema católico romano tem a pretensão de abranger, não somente os sucessores dos apóstolos, mas também os sucessores de Pedro, que, segundo dizem, teve o primado entre os apóstolos e cujo sucessor é agora tido como representante especial de Cristo. A igreja de Roma é da natureza de uma monarquia absoluta, sob o domínio de um papa infalível, que tem o direito de determinar e regulamentar a doutrina, o culto e o governo da igreja. Abaixo dele há classes e ordens inferiores às quais é dada uma graça especial e cujo dever é governar a igreja com a obrigação de prestar rigorosas contas aos seus superiores e ao sumo pontífice. O povo não tem absolutamente nenhuma voz no governo da igreja. Este sistema também conflita com a Escritura, que não reconhece nenhum primado de Pedro como aquele sobre o qual o sistema em foco é edificado, e reconhece definidamente a voz do povo nas questões eclesiásticas. Além disso, a alegação da Igreja Católica Romana, de que há uma linha ininterrupta de sucessão desde o tempo de Pedro até os dias atuais, é contraditada pela história. O sistema papal é insustentável, tanto exegética como historicamente.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 581)        

O SISTEMA CONGREGACIONAL

Também chamado sistema de independência. Segundo ele, cada igreja ou congregação é uma igreja completa, independente de todas as demais. Nesse tipo de igreja o poder de governo fica exclusivamente com os membros da igreja, que têm autoridade para regulamentar os seus próprios assuntos. Os oficiais são simples funcionários da igreja local, designados para ensinarem e para administrarem os interesses da igreja, e não têm poder de governo além do que possuem como membros da igreja. Se se achar conveniente que as diversas igrejas exerçam comunhão umas com as outras, como às vezes se dá, esta comunhão se expressa em concílios ou convenções eclesiásticos e em reuniões ou conferências locais ou regionais, para a consideração dos seus interesses comuns. Mas é determinado que os atos desses corpos associados sejam estritamente consultivos ou declarativos, e não sejam impostos a nenhuma igreja particular. Esta teoria de governo popular, que torna o ofício do ministério totalmente dependente da ação do povo, certamente não está em harmonia com o que aprendemos da Palavra de Deus. Além disso, a teoria de que cada igreja é independente de qualquer outra igreja, não expressa a unidade da igreja de Cristo, tem efeito desintegrador e abre as portas para toda sorte de arbitrariedade no governo da igreja. Não há para onde apelar de quaisquer decisões da igreja local.
( Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 581)        

O SISTEMA DA IGREJA NACIONAL

Este sistema, também denominado sistema colegial (que superou o sistema territorial), foi desenvolvido na Alemanha, principalmente por C. M. Pfaff (1686-1780), e mais tarde foi introduzido na Holanda. Ele parte do pressuposto de que a igreja é uma associação voluntária, igual ao estado. As igrejas ou congregações separadas são meras subdivisões da igreja nacional única. O poder original reside numa organização nacional, e esta organização tem jurisdição sobre as igrejas locais. Este sistema é justamente o inverso do sistema presbiteriano, segundo o qual o poder original tem sua sede no conselho ou consistório. O sistema territorial reconhecia o direito inerente ao estado de reformar o culto público, resolver contendas sobre doutrina e conduta, e convocar sínodos, ao passo que o sistema colegial atribui ao estado unicamente o direito de supervisão como direito inerente, e considera todos os outros direitos, que o estado poderia exercer em questões da igreja, como direitos que a igreja, por um entendimento tácito ou por um pacto formal, conferiria ao estado. Este sistema desconsidera completamente a autonomia das igrejas locais, ignora os princípios de governo e de direta responsabilidade para com Cristo, gera formalismo e confina uma igreja professadamente espiritual dentro dos limites e geográficos. Um sistema como este, semelhante que é ao sistema erastiano, naturalmente se adapta melhor à idéia atual do estado totalitário.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 581)        

OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO SISTEMA REFORMADO OU PRESBITERIANO

As igrejas reformadas (calvinistas) não têm a pretensão de que o seu sistema de governo seja determinado, em todas as minúcias, pela Palavra de Deus, mas asseveram que os seus princípios fundamentais são derivados diretamente da Escritura. Elas não se arrogam um jus divinum (direito divino) quanto aos pormenores, mas unicamente quanto aos princípios gerais e fundamentais do sistema, e estão mui dispostas a admitir que muitas das suas particularidades são determinadas pela utilidade e pela sabedoria humana. Decorre disto que, enquanto que a estrutura geral deve ser mantida rigidamente, alguns pormenores podem ser mudados, conforme a maneira eclesiástica própria, por razões de prudência, como o proveito geral das igrejas. Os seus princípios mais fundamentais são os seguintes:
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 581)        

CRISTO É O CHEFE E CABEÇA DA IGREJA E A FONTE DE TODA A SUA AUTORIDADE

 A igreja de Roma considera da maior importância afirmar a chefia do papa sobre a igreja. Os Reformadores sustentavam e defendiam a posição, antagonicamente às pretensões do papado, segundo a qual Cristo é o único Chefe da igreja. Contudo, eles não evitaram inteiramente o perigo de reconhecer, uns mais, outros menos, a supremacia do estado sobre a igreja. Conseqüentemente, as igrejas presbiterianas e reformadas tiveram que librar outra batalha posterior, a batalha prol da chefia de Jesus em oposição às infundadas intrusões do estado. Esta batalha foi empreendida primeiramente na Escócia e, mais tarde, também na Holanda. O próprio fato de que a peleja foi contra poderes externos tais como o papado e o estado ou o rei, ambos os quais alegavam ser o chefe visível da igreja, claramente implica que aqueles que estavam empenhados nesta batalha estavam particularmente interessados em estabelecer e manter a posição de que Cristo é o único Chefe visível da igreja, e, portanto, o único e supremo Legislador e Rei da Igreja. Naturalmente, eles também reconheciam a Cristo como a Cabeça orgânica da igreja invisível. Eles compreendiam que as duas não podem separar-se, mas, desde que o papa e o rei dificilmente poderiam arrogar-se a posição de cabeça orgânica da igreja invisível, realmente não era este o ponto em questão. A respeito dos mestres escoceses, diz Walker: “Eles queriam dizer que Cristo é o verdadeiro Rei e Cabeça da igreja, considerada como organização visível, governando-a por meio dos Seus estatutos, ordenanças, oficiais e poderes, tão real e literalmente como Davi e Salomão governaram o povo da aliança na antiguidade”.[1] A Bíblia nos ensina que Cristo é o Chefe de todas as coisas: Ele é o Senhor do universo, não simplesmente como a segunda pessoa da Trindade, mas em sua capacidade mediatária, Mt 28.18; Ef 1.20-22; Fp 2.10, 11; Ap 17.14; 19.16. Num sentido muito especial, porém, Ele á a Cabeça* da igreja, que é o Seu corpo. Ele mantém relação viva e orgânica com ela, enche-a de vida e a governa espiritualmente, Jo 15.1-8; Ef 1.10, 22, 23; 2.20-22; 4.15; 5.30; Cl 1.18; 2.19; 3.11. Os premilenistas alegam que este é o único sentido em que Cristo é a Cabeça da igreja, pois negam exatamente o ponto pelo qual os nossos pais reformados (calvinistas) pelejaram, a saber, que Cristo é o Rei da igreja. No sentido orgânico e vital, Ele é primordialmente, embora não de modo exclusivo, a Cabeça da igreja invisível, que constitui o Seu corpo espiritual. Mas Ele é também a Cabeça da igreja visível, não somente no sentido orgânico, mas também no sentido de que Ele tem autoridade sobre ela e a governa, Mt 16.18, 19; 23.8, 10; Jo 13.13; 1 Co 12.5; Ef 1.10-23; 4.4, 5, 11, 12; 5.23, 24. Esta chefia de Cristo sobre a igreja visível é a parte do domínio entregue a Ele como resultado dos Seus sofrimentos. Sua autoridade se manifesta nos seguintes pontos: (a) Ele instituiu a igreja do Novo Testamento, Mt 16.18, de maneira que esta não é, como também a consideram hoje em dia, uma simples sociedade voluntária, cuja única base é o consenso dos membros. (b) Ele instituiu os meios de graça que a igreja deve administrar, a saber, a Palavra e os sacramentos, Mt 28.19, 20; Mc 16.15, 16; Lc 22.17-20; 1 Co 11.23-29. Nestas questões, ninguém mais tem o direito de legislar. (c) Ele deu à igreja a sua estrutura e os seus oficiais, e revestiu a estes de autoridade divina, para que pudessem falar e agir em Seu nome, Mt 10.1; 16.19; Jo 20.21-23; Ef 4.11, 12. (d) Ele sempre está presente na igreja quando esta se reúne para o culto, e fala e age por meio dos seus oficiais. É Cristo como Rei que lhes possibilita falar e agir com autoridade, Mt. 10.40; 2 Co 13.3.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 583)              


[1] Scottish Theology and Theologians, p. 130.
* É bom notar que Cristo é o Cabeça (Chefe) de todas as coisas (Ef 1.22; Cl 2.10), mas, com relação à igreja, além de Chefe ou o Cabeça, Ele é a Cabeça (Ef. 5.23, 30; Cl 1.18; 2.19). A distinção é importante porque, com relação à igreja, o vínculo de união é orgânico: a igreja é o corpo; Cristo é sua Cabeça – que não só comanda o corpo, mas também lhe comunica vida. Esta figura tem que ver com a bela e profunda doutrina da união vital de Cristo com o crente. Há passagens em que a tradução de kefale deveria ser “a cabeça”, e não “o cabeça”, como nelas está. Cf., por exemplo, Ef 4.15 e 5.23, Almeida, Ed. Ver. e Atual. Nota do tradutor.

CRISTO EXERCE A SUA AUTORIDADE POR INTERMÉDIO DA SUA PALAVRA REAL

O reinado de Cristo não é similar ao dos reis terrenos em todos os aspectos. Ele não governa a igreja pela força, mas, sim, subjetivamente, por Seu Espírito, que age na igreja, e objetivamente, pela Palavra de Deus como o padrão de autoridade. Todos os crentes estão incondicionalmente obrigados a obedecer à palavra do Rei. Como Cristo é o único Governador soberano da igreja, a Sua palavra é a única que é lei no sentido absoluto. Conseqüentemente, todo poder despótico na igreja é contrabando. Não existe poder de governar independente de Cristo. O papa de Roma está sob condenação em que ele, conquanto se declare vigário de Cristo na terra, virtualmente se põe acima de Cristo e invalida a palavra de Cristo com inovações humanas. Ele não somente coloca a tradição no mesmo nível da Escritura, mas também se proclama intérprete infalível de ambas, quando fala ex cathedra (de cadeira) em matéria de fé e moralidade. A Escritura e a tradição podem ser as regras de fé mediatas ou remotas, ao passo que a regra imediata é o ensino da igreja, que tem sua garantia na infalibilidade papal.[1] A palavra do papa é a palavra de Deus. Mas a verdade é que, embora seja um fato que Cristo exerce a Sua autoridade na igreja por intermédio dos oficiais, não se deve entender isto no sentido que Ele transfere Sua autoridade a Seus servos. Ele mesmo governa a igreja através de todos os séculos mas, ao fazê-lo, utiliza os oficiais da igreja como Seus órgãos. Estes não têm poder absoluto ou independente, mas unicamente um poder derivado e ministerial.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 583)        


[1] Cf. Wilmers, Handbook of the Christian Religion, p. 134.

COMO REI, CRISTO REVESTIU A IGREJA DE PODER

 Levanta-se neste ponto uma questão delicada, a saber, Quem são os primeiros e legítimos agentes do poder da igreja? A quem Cristo delegou em primeira instância este poder? Os católicos romanos e os episcopais respondem: Aos oficiais, entendidos como uma classe separada, em contra-distinção dos membros comuns da igreja. Alguns eminentes teólogos presbiterianos, como Rutherford e Baillie, também defenderam este conceito. Diametralmente oposta a isto é a teoria dos independentes (igrejas livres), de que a igreja em geral é investida deste poder, sendo os oficiais meros órgãos do corpo global. O grande teólogo puritano Owen adota esta idéia com algumas modificações. Em anos recentes, alguns teólogos reformados (calvinistas) aparentemente apoiaram este conceito, embora sem subscrever o separatismo dos independentes.
Há, porém, outro modo de ver, que representa um meio termo entre estes dois extremos, que nos parece merecer preferência. De acordo com este conceito, o poder eclesiástico é delegado por Cristo à igreja como um todo, isto é, aos membros comuns e aos oficiais, igualmente, mas, em acréscimo, os oficiais recebem uma porção adicional de poder, como se requer para o cumprimento dos seus respectivos deveres na igreja de Cristo. Participam do poder original concedido à igreja e recebem sua autoridade e poder como oficiais diretamente de Cristo. São representantes do povo, não, porém, meros deputados ou delegados. Os teólogos mais antigos diziam com freqüência: “Todo o poder da igreja está, actu primo, ou fundamentalmente, na própria igreja; actus secundo, ou em seu exercício, naqueles que são especialmente chamados para isso”. É este, substancialmente, o conceito defendido por Voetius, Gillespie (em sua obra sobre Cerimônias), Bannerman, Porteous e Vos.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 584)        

CRISTO PROVIDENCIOU ÓRGÃOS REPRESENTATIVOS PARA O EXERCÍCIO ESPECÍFICO DESTE PODER

Enquanto que Cristo delegou poder à igreja como um todo, também providenciou para que este poder fosse exercido ordinária e especificamente por órgãos representativos, separados para a manutenção da doutrina, do culto e da disciplina. Os oficiais da igreja são os representantes do povo, escolhidos por voto popular. Isto não significa porém, que eles recebem a sua autoridade do povo, pois o chamamento do povo á apenas a confirmação do chamamento interior feito pelo Senhor; e é do Senhor que eles recebem a sua autoridade e a Ele são responsáveis. Quando são chamados representantes, é meramente uma indicação do fato de que eles foram escolhidos pelo povo para o seu ofício, e não implica que derivam dele a sua autoridade. Daí, eles não são deputados ou instrumentos, servindo apenas para levar a cabo os desejos do povo, mas governantes cujo dever é apreender e aplicar as leis de Cristo. Ao mesmo tempo, têm o dever de reconhecer o poder do qual a igreja como um todo foi investida, procurando o seu assentimento ou o seu consentimento nas questões importantes.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 584)              

O PODER DA IGREJA RESIDE PRIMARIAMENTE NO CORPO GOVERNANTE LOCAL

Um dos princípios fundamentais do governo reformado ou presbiteriano é que o poder ou autoridade da igreja não reside antes de tudo na assembléia mais geral de alguma igreja. E só secundariamente e por derivação dessa assembléia, confiado ao corpo governante da igreja local; mas, sim, que tem sua sede original no consistório ou sessão ou conselho da igreja local e por este é transferido para as assembléias maiores, como classes ou presbitérios e sínodos ou assembléias gerais.* Assim, o sistema reformado ou presbiteriano honra a autonomia da igreja local, apesar de sempre considerá-la sujeita às limitações que lhe podem sobrevir como resultado de sua associação com outras igrejas, formando uma denominação, e lhe assegura o mais completo direito de governar os seus interesses internos por meio dos seus oficiais. Ao mesmo tempo, mantém o direito e dever da igreja local de unir-se a outras igrejas similares sobre uma base confessional comum, e de formar uma organização mais ampla com propósitos doutrinários, judiciais e administrativos, com a adequada estipulação de mútuas obrigações e direitos. Essa organização mais ampla impõe, sem dúvida, certas limitações à autonomia das igrejas locais, mas também promove o crescimento e o bem-estar das igrejas, garante os direitos dos membros da igreja e serve para dar mais plena expressão à unidade da igreja.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 585)        


* Na igreja Presbiteriana do Brasil, a Assembléia Geral toma o nome de Supremo Concílio. Nota do tradutor.

APÓSTOLOS

Estritamente falando, este nome só é aplicável aos doze escolhidos por Jesus e a Paulo; mas também se aplica a certos homens apostólicos que assessoram a Paulo em seu trabalho e que foram dotados de dons e graças apostólicas, At 14.4, 14; 1 Co 9.5, 6; 2 Co 8.23; Gl 1.19 (?).** Os apóstolos tinham a incumbência especial de lançar os alicerces da igreja de todos os séculos. Somente através da sua palavra é que os crentes de todas as eras subseqüentes têm comunhão com Jesus Cristo. Daí, eles são os apóstolos da igreja dos dias atuais, como também o foram da Igreja Primitiva. Eles tinham certas qualificações especiais. (a) Foram comissionados diretamente por Deus ou por Jesus Cristo, Mc 3.14; Lc 6.13; Gl 1.1; (b) eram testemunhas da vida de Cristo e, principalmente, de Sua ressurreição, Jo 15.27; At 1.21, 22; 1 Co 9.1; (c) estavam cônscios de serem inspirados pelo Espírito de Deus em todo o seu ensino, oral e escrito, At 15.28; 1 Co 2.13; 1 Ts 4.8; 1 Jo 5.9-12; (d) tinham o poder de realizar milagres e o usaram em diversas ocasiões para ratificar a sua mensagem, 2 Co 12.12; Hb 2.4; e (e) foram ricamente abençoados em sua obra, como sinal de que Deus aprovava os seus labores, 1 Co 9.1, 2; 2 Co 3.2, 3; Gl 2.8.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 585)              


** Há divergências sobre qual dos Tiagos seria este. Daí a interrogativa de Berkhof. Cf., e.g., o comentário de Calvino, in loco. Nota do tradutor.

PROFETAS

O Novo Testamento fala também de profetas, At 11.28; 13.1, 2; 15.32; 1 Co 12.10; 13.2; 14.3; Ef 2.20; 3.5; 4.11; 1 Tm 1.18; 4.14; Ap 11.6. Evidentemente o dom de falar para a edificação da igreja era altamente desenvolvido nestes profetas, e ocasionalmente eles serviam de instrumentos para a revelação de mistérios e para a predição de eventos futuros. Aquela parte deste dom (profecias) é permanente na igreja cristã, e foi definidamente reconhecido pelas igrejas reformadas (calvinistas), mas esta última parte era de caráter carismático e temporário. Os profetas diferiam dos ministros comuns no sentido de que eles falavam sob inspiração especial.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 585)

EVANGELISTAS

 Em acréscimo a apóstolos e profetas, são mencionados evangelistas na Bíblia, At 21.8; Ef 4.11; 2 Tm 4.5. Filipe, Marcos, Timóteo e Tito pertenciam a esta classe. Pouco se sabe destes evangelistas. Eles acompanhavam e assistiam os apóstolos, e às vezes eram enviados por estes em missões especiais. Seu trabalho era pregar e batizar, mas incluía também a ordenação de presbíteros, Tt 1.5; 1 Tm 5.22, e o exercício da disciplina, Tt 3.10. Ao que parece, sua obra era mais geral e algo superior à dos ministros regulares.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 586)

PRESBÍTEROS

Dentre os oficiais comuns da igreja, os presbyteroi (presbíteros) ou episkopoi (bispos) são os primeiros, na ordem de importância. O primeiro nome significa simplesmente “anciãos”, ou “mais velhos”, e o último, “supervisores” ou “superintendentes”. O termo presbyteroi é empregado na Escritura para denotar homens idosos, e para designar uma classe de oficiais um tanto parecida com a que exercia certas funções na sinagoga. Como designativo de ofício, aos poucos o nome foi eclipsado e até sobrepujado pelo nome episkopoi. Os dois termos são freqüentemente empregados um pelo outro, At 20.17. 28; 1 Tm 3.1; 4.14; 5.17, 19; Tt 1.5, 7; 1 Pe 5.1, 2. Os presbyteroi são mencionados, pela primeira vez em At 11.30, mas é evidente que o ofício já era bem conhecido quando Paulo e Barnabé foram a Jerusalém, e pode ter estado em existência mesmo antes da instituição do diaconato. Pelo menos a expressão hoi neoteroi (“os moços”) em Atos 5 parece indicar uma distinção entre estes e os presbyteroi. Freqüente menção é feita a eles no Livro de Atos, 14.23; 15.6, 22; 16.4; 20.17, 28; 21.18. Provavelmente o ofício presbiteral ou episcopal foi instituído primeiro nas igrejas dos judeus, Tg. 5.14; Hb 13.7, 17, e, então, pouco depois, também os gentios. Vários outros nomes são aplicados a oficiais, a saber, proistemanoi (os que presidem), Rm 12.8; 1 Ts 5.12; kyberneseis (governos), 1 Co 12.28; hegoumenoi (guias), Hb 13.7, 17, 24; e poimenas (pastores), Ef 4.11. Claramente se vê que estes oficiais detinham a superintendência do rebanho que fora entregue aos seus cuidados. Eles tinham que abastecê-lo, governá-lo e protegê-lo, como sendo da própria família de Deus.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 586)

MESTRES

É evidente que, originalmente, os presbíteros não eram mestres. A princípio, na havia necessidade de mestres, separadamente, uma vez que havia apóstolos, profetas e evangelistas. Gradativamente, porém, a didaskalia (o ensino, a docência) ligou-se mais e mais estreitamente ao ofício episcopal; mas, mesmo então, os mestres não constituíram uma classe separada de oficiais. A declaração de Paulo em Ef 4.11, de que o Cristo assunto também dera à igreja “pastores e mestres”, mencionados como uma única classe, mostra claramente que estes dois não constituem duas diferentes classes oficiais, mas uma só classe com duas funções inter-relacionadas. 1 Tm 5.17 fala de presbíteros que trabalhavam na palavra e no ensino, e, conforme Hb 13.7, os hegumenoi eram igualmente mestres. Além disso, em 2 Tm 2.2 Paulo insta com Timóteo sobre a necessidade de nomear para ofício homens fiéis e também capazes de instruir a outros. Com o transcorrer do tempo, duas circunstâncias levaram a uma distinção entre os presbíteros ou superintendentes encarregados somente do governo da igreja, e os que também eram chamados para ensinar: (1) quando os apóstolos faleceram e as heresias surgiam e aumentavam, a tarefa dos que eram chamados para ensinar tornou-se mais exigente, requerendo preparação especial, 2 Tm 2.2; Tt 1.9; e (2) em vista do fato de que o trabalhador é digno do seu salário, os que estão engajados no ministério da Palavra, tarefa amplamente abrangente que requer todo o seu tempo, foram liberados doutros trabalhos para poderem devotar-se mais exclusivamente ao trabalho de ensinar. Com toda a probabilidade, os aggeloi (anjos) aos quais foram dirigidas as cartas enviadas às sete igrejas da Ásia Menor, eram os mestres ou ministros daquelas igrejas, Ap 2.1, 8, 12, 18; 3.1, 7, 14. Nos círculos reformados (calvinistas), os ministros agora governam as igrejas junto com os presbíteros, mas, em acréscimo a isso, ministram a Palavra e os sacramentos. Juntos eles formulam os regulamentos necessários para o governo da igreja.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 587)

DIÁCONOS

Além dos presbyteroi, são mencionados os diakonoi no Novo Testamento, Fp 1.1; Tm 3.8, 10, 12. Segundo a opinião predominante, At 6.1-6 contém o registro da instituição do diaconato. Contudo, alguns estudiosos duvidam disto, e consideram o ofício mencionado em At 6, ou como um oficio geral em que as funções dos presbíteros e diáconos foram combinadas, ou como um ofício meramente temporal, que atende a um propósito especial. Eles chamam a atenção para o fato de que alguns dos sete escolhidos, como Felipe e Estevão, evidentemente estavam engajados no ensino; e que o dinheiro coletado em Antioquia para os pobres da Judéia foi entregue às mãos dos presbíteros. Não se faz menção nenhuma de quaisquer diáconos em At 11.30, sendo que estes, se existissem como classe separada, seriam os recebedores naturais daquele dinheiro. E, todavia, com toda a probabilidade, At 6 se refere à instituição do diaconato, pois: (1) O nome diakonoi que, antes do evento narrado em Atos 6, era sempre empregado no sentido geral de servo ou servidor, subseqüentemente começou a ser empregado como designativo daqueles que se dedicavam às obras de misericórdia e caridade, e, com o tempo, veio a ser usado exclusivamente neste sentido. A única razão que se pode atribuir a isto se acha em Atos 6. (2) Os sete homens ali mencionados foram encarregados da tarefa de distribuir bem as dádivas trazidas para as agapae (festas de amor cristão), ministério que noutras partes é particularmente descrito pela palavra diakonia, At 11.29; Rm 12.7; 2 Co 8.4; 9.1, 12, 13; Ap 2.19. (3) Os requisitos para o ofício, como são mencionados em Atos 6, são muito exigentes, e nesse aspecto, concordam com as exigências mencionadas em 1 Tm 3.8-10, 12. (4) Muito pouco se pode dizer em favor da acariciada idéia de alguns críticos de que o diaconato só foi desenvolvido mais tarde, mais ou menos na época do aparecimento do ofício episcopal.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 587)

A VOCAÇÃO DOS OFICIAIS E SUA INSTALAÇÃO NO OFÍCIO

Deve-se fazer distinção entre a vocação dos oficiais extraordinários, tais como os apóstolos, e a dos oficiais ordinários. Aqueles foram chamados de maneira extraordinária, com um chamamento imediato ou direto de Deus, e estes, de maneira ordinária e mediante a instrumentalidade da igreja. Estamos interessados mais particularmente na vocação dos oficiais ordinários.
a. Vocação dos oficiais ordinários. É dupla:
(1) Vocação interna. Às vezes se pensa que a vocação interna para um ofício na igreja consiste numa indicação extraordinária de Deus do fim para o qual o indivíduo é chamado – uma espécie de revelação especial. Mas não está certo. Consiste, antes, em certas indicações providenciais ordinárias dadas por Deus, e inclui principalmente três coisas: (a) a consciência de estar sendo impelido a alguma tarefa especial do reino de Deus, por amor a Deus e Sua causa; (b) a convicção que o indivíduo tem de que está, pelo menos em certa medida, intelectual e espiritualmente qualificado para o ofício em vista; e (c) a experiência de que, evidentemente, Deus está pavimentando o caminho que leva à meta.
(2) Vocação externa. Esta é a vocação que chega à pessoa pela instrumentalidade da igreja. Não é emitida pelo papa (conceito católico romano), nem por um bispo ou colégio de bispos (episcopal), mas, sim, pela igreja local. Tanto os oficiais como os membros comuns da igreja tomam parte nela. Que os oficiais têm parte em sua direção, não, porém, com a exclusão do povo, é evidenciado por passagens como At 1.15-26; 6.2-6; 14.23. O povo foi admitido, mesmo à escolha de um apóstolo, segundo At 1.15-26. O que se vê é que, na era apostólica, os oficiais guiavam a escolha que o povo fazia, chamando a atenção para as qualificações necessárias que se exigiam para o ofício, mas deixavam o povo tomar parte na escolha propriamente dita, At 1.15-16; 6.1-6; 1 Tm 3.2-13. Naturalmente, no caso de Matias, Deus mesmo fez a escolha final.
b. A investidura dos oficiais no ofício. Há principalmente dois ritos relacionados com a investidura ou instalação.
(1) Ordenação. Esta pressupõe a vocação e o exame do candidato ao ofício. É um ato da classe ou presbitério (1 Tm 4.14). Diz o doutor Hodge: “A ordenação é a solene expressão do julgamento da igreja, mediante aqueles que foram designados para comunicar tal julgamento, de que o candidato é verdadeiramente vocacionado por Deus para tomar parte neste ministério, com isso autenticando para o povo o chamamento divino”.[1] Esta autenticação é, sob todas as circunstancias ordinárias, a condição necessária para o exercício do ofício ministerial. Pode-se lhe chamar, resumidamente, reconhecimento e confirmação públicos da vocação do candidato para este ofício.
(2) Imposição das mãos. A ordenação é acompanhada pela imposição das mãos. É fato patente que ambas andavam de mãos dadas nos tempos apostólicos, At 6.6; 13.3; 1 Tm 4.14; 5.22. Naqueles tempos primitivos, a imposição das mãos evidentemente implicava duas coisas: Significava que uma pessoa era separada para certo ofício, e que algum dom espiritual especial lhe era conferido. A igreja de Roma é de opinião que estes dois elementos ainda estão incluídos na imposição das mãos, que esta realmente confere alguma graça espiritual ao seu recebedor, e, daí, lhe atribui significação sacramental. Os protestantes afirmam, porém, que ela é apenas uma indicação simbólica do fato de que alguém é separado para o ofício ministerial na igreja. Conquanto eles a considerem um rito escriturístico, e um rito inteiramente apropriado, não a consideram absolutamente essencial. Para a Igreja Presbiteriana, ela é facultativa.*
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 589)

AS ASSEMBLÉIAS ECLESIÁSTICAS

1. OS CORPOS GOVERNANTES (TRIBUNAIS ECLESIÁSTICOS) DO SISTEMA REFORMADO (E PRESBITERIANO). O governo das igrejas Reformada e Presbiteriana é caracterizado por um sistema de assembléias eclesiásticas numa escala ascendente ou descendente, conforme o ponto de vista segundo o qual é considerado. São elas o consistório (sessão, conselho), a classe (presbitério), o(s) sínodo(s), e, nalguns casos, a assembléia geral (o Supremo Concílio, no caso do presbiterianismo brasileiro). O consistório ou conselho consiste do ministro (ou ministros) e os presbíteros ou anciãos da igreja local. A classe se compõe de um ministro e de um presbítero de cada igreja local de certa região ou distrito. Isso é um pouco diferente, porém, na Igreja Presbiteriana, na qual o presbitério inclui todos os ministros dentro dos seus limites, e um presbitério de cada uma das suas igrejas. O sínodo, por sua vez, consiste de igual número de ministros e presbíteros de cada classe.** E finalmente, a assembléia geral (no caso dos presbiterianos) é composta de igual delegação de ministros e presbíteros de cada um dos presbitérios, e não, como se poderia esperar, de cada um dos sínodos particulares.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 589)


** A Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil diz: “Art. 89 – A representação do Presbitério no Sínodo será constituída de três ministros e três presbíteros até dois mil membros; e mais um ministro e um presbítero para cada grupo de dois mil membros. Art. 90 – A representação do Presbitério ao Supremo Concílio será constituída do dois ministros e um presbítero, até dois mil membros e mais um ministro e um presbítero para cada grupo de dois mil membros”. E o Art. 95 declara que “O Supremo Concílio é a assembléia de deputados eleitos pelos Presbitérios e o órgão de unidade de toda a Igreja Presbiteriana do Brasil...”. Nota do tradutor.

O GOVERNO REPRESENTATIVO DA IGREJA LOCAL E SUA AUTONOMIA RELATIVA

a. O governo representativo da igreja local. As igrejas reformadas e presbiterianas diferem, de um lado, de todas as igrejas nas quais o governo está nas mãos de um único prelado ou de um presbítero ou ancião presidente, e, de outro lado, daquelas nas quais o governo está com o povo em geral. Elas não acreditam em nenhum governo de um homem só, seja este um presbítero, um pastor ou um bispo; tampouco acreditam em governo popular. Elas elegem presbíteros regentes como seus representantes, e estes, juntamente com o(os) ministro(s), formam um conselho ou consistório para o governo da igreja local. Muito semelhantemente, os apóstolos eram guiados pelo respeitado costume de se terem presbíteros na sinagoga, e não por algum mandamento direto, quando ordenavam presbíteros nas diversas igrejas fundadas por eles. A igreja de Jerusalém tinha presbíteros, At 11.10. Paulo e Barnabé os ordenaram nas igrejas que organizaram durante a sua primeira viagem missionária, At 14.23. Evidentemente, havia presbíteros em ação em Éfeso, At 20.17, e em Filipos, Fp 1.1. As epístolas pastorais repetidamente fazem menção deles, 1 Tm 3.1, 2; Tt 1.5, 7. Merece atenção o fato de sempre serem mencionados no plural, 1 Co 12.28; 1 Tm 5.17; Hb 13.7, 17, 24; 1 Pe 5.1. Os presbíteros são escolhidos pelo povo como homens especialmente qualificados para governar a igreja. É evidente intenção da Escritura que o povo sempre tenha voz nas questões da seleção deles, embora não fosse assim na sinagoga judaica, At 1.21-26; 6.1-6; 14.23. Nesta última passagem, porém, a palavra cheirotoneo pode ter perdido o seu sentido original de designar estendendo a mão, e pode significar simplesmente designar. Ao mesmo tempo, é mais que evidente que o Senhor mesmo coloca estes governantes sobre o povo e os reveste da necessária autoridade, Mt 16.19; Jo 20.22, 23; At 1.24, 26; 20.28; 1 Co 12.28; Ef 4.11, 12; Hb 13.17. A eleição feita pelo povo é apenas uma confirmação externa da vocação interna feita pelo Senhor. Além disso, os presbíteros, embora representantes do povo, não derivam sua autoridade do povo, mas do Senhor da igreja. Eles exercem o governo sobre a casa de Deus, em nome do Rei, e são responsáveis unicamente perante Ele.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 591)

A RELATIVA AUTONOMIA DA IGREJA LOCAL

O governo das igrejas Reformada e Presbiteriana reconhece a autonomia da igreja local. Isto significa:
(1) Que toda igreja local é uma igreja de Cristo completa, plenamente equipada com tudo que se requer para o seu governo. Não há absolutamente necessidade de se lhe impor nenhum governo de fora. E não só isso, mas tal imposição seria absolutamente contrária à sua natureza.
(2) Que, embora possa haver uma associação ou unificação apropriada de igrejas contíguas, não se deve estabelecer nenhuma união que destrua a autonomia da igreja local. Daí, é melhor não se falar das classes ou presbíteros e dos sínodos como superiores, mas descrevê-los como assembléias maiores ou mais gerais. Eles não representam um poder mais alto, mas exatamente o mesmo poder inerente ao consistório ou conselho, conquanto o exerçam numa escala mais ampla. McGill fala deles como tribunais superiores ou mais remotos.[1]
(3) Que a autoridade e as prerrogativas das assembléias maiores não são limitadas, mas têm sua limitação nos direitos das sessões, consistórios ou conselhos. Não lhes é permitido assenhorear-se da igreja local ou de seus membros, independentemente dos direitos constitucionais do consistório ou conselho; tampouco se lhes permite imiscuir-se nos assuntos internos da igreja local, em nenhuma circunstância. Quando as igrejas formam uma associação, os seus deveres e direitos mútuos são circunscritos numa Ordem da Igreja ou numa Forma de Governo ou numa Constituição da Igreja. Esse documento estipula os direitos e deveres das assembléias maiores, mas também garante os direitos da igreja local. A idéia de que uma classe (presbitério) ou um sínodo pode pura e simplesmente impor tudo que quiser a uma igreja local é uma idéia essencialmente católica romana.
(4) Que a autonomia da igreja local tem suas limitações na relação existente entre ela e as igrejas com as quais está associada, e nos interesses ou causas gerais das igrejas associadas. A Ordem a Igreja ou Constituição é um documento solenemente subscrito por todas as igrejas locais associadas, representadas por seus respectivos consistórios, sessões ou conselhos (através dos respectivos presbitérios, no caso do presbiterianismo). Isto, por um lado, protege os direitos e interesses da igreja local, mas, por outro lado, protege também os direitos e interesses coletivos das igrejas associadas. E nenhuma igreja tem, isoladamente, o direito de desatender questões de acordo mútuo e de interesse comum. O grupo local poderá até ser ocasionalmente chamado a negar-se a si mesmo pelo bem maior da igreja em geral.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 591)


[1] Church Government, p. 457.

AS ASSEMBLÉIAS MAIORES

a. Base bíblica das assembléias maiores. A Escritura não contém um mandamento explícito no sentido de que as igrejas locais de uma região devam compor uma união orgânica. Tampouco nos fornece algum exemplo de uma tal união. De fato, ela descreve as igrejas locais como entidades individuais, sem qualquer vínculo externo de união. Ao mesmo tempo, a natureza essencial da igreja, nos termos em que é descrita na Escritura. Requer essa união. A igreja é descrita como um organismo espiritual em que todas as partes constituintes se relacionam vitalmente umas com as outras. Ela é o corpo espiritual de Jesus Cristo, do qual Ele é a sublime Cabeça. E é simplesmente natural que esta unidade interna se expresse de maneira visível e, até, quanto possível neste mundo imperfeito e pecaminoso, busque expressão nalguma organização externa correspondente. A Bíblia fala da igreja, não somente como um corpo espiritual, mas também como um corpo tangível, como um templo do Espírito Santo, como um sacerdócio e como uma nação santa. Cada uma destas expressões indica uma unidade visível. Os congregacionais, as igrejas livres e os indenominacionalistas não enxergam este importante fato. As divisões existentes na igreja visível na época atual não devem levar-nos a perder de vista o fato de que há certas passagens da Escritura que indicam com bastante clareza que, não somente a igreja invisível, mas também a igreja visível é uma unidade. A palavra ekklesia é empregada no singular como uma indicação da igreja visível num sentido mais amplo que o da igreja puramente local, At 9.31 (conforme a redação atualmente aceita), 1 Co 12.28, e provavelmente também 1 Co 10.32. Nas descrições da igreja em 1 Co 12.12-50 e em Ef 4.4-16, o apóstolo também tem em mente a sua unidade visível. Além disso, há motivos para pensarmos que, em Jerusalém e em Antioquia, a igreja consistia de vários grupos separados, que, juntos, formavam uma espécie de unidade. E, finalmente, Atos 15 dá-nos a conhecer o exemplo do concílio de Jerusalém. Este concílio se compunha de apóstolos e presbíteros, e, portanto, não constitui um adequado exemplo e padrão de uma classe (presbitério) ou sínodo no sentido moderno dos termos. Ao mesmo tempo, é um exemplo de uma assembléia maior, e de uma assembléia que falou com autoridade, e não apenas na capacidade de um órgão consultivo.
b. O caráter representativo das assembléias maiores. Em tese se pode dizer que as assembléias maiores poderiam compor-se de todos os representantes de todas as igrejas locais que se acham sob a sua jurisdição; mas, devido ao numero das igrejas representadas, uma corporação como essa seria, em muitos casos, incontrolável e ineficiente. Para reduzir o numero de representantes a proporções razoáveis, o princípio de representatividade também é acionado com relação às assembléias maiores. Não as igrejas locais, mas as classes ou presbitérios enviam representantes aos sínodos (e às assembléias gerais). Isto possibilita a contração gradual necessária para um sistema bem compacto. Os representantes imediatos do povo, que compõem os consistórios ou sessões ou conselhos, são representados, eles próprios, nas classes ou presbitérios; e estes, por sua vez, são representados nos sínodos e nas assembléias gerais. Quanto mais geral a assembléia, mais distante está do povo; contudo, nenhuma delas se acha tão longe que não possa dar expressão à unidade da igreja, manter a boa ordem e garantir a eficiência geral dos seus trabalhos.
c. As questões que se acham sob a sua jurisdição. O caráter eclesiástico destas assembléias sempre se deve ter em mente. É porque elas são assembléias da igreja que as questões puramente científicas, sociais, industriais e políticas, como tais, não estão sob a sua jurisdição. Só questões eclesiásticas pertencem à sua esfera, como as questões de doutrina e moralidade, de governo e disciplina da igreja, e de tudo quanto se relacione com a preservação da unidade e da boa ordem na igreja de Jesus Cristo. Mais particularmente, elas tratam de (1) matérias que, quanto á sua natureza, pertencem à esfera de uma assembléia menor mas que, por uma razão ou outra, não podem ser resolvidas ali; e (2) matérias que, quanto à sua natureza, pertencem à esfera de uma assembléia maior, visto pertencerem às igrejas em geral, como as questões tocantes à Confissão de Fé, à Ordem ou Constituição da Igreja, ou à liturgia da igreja.
d. O poder e autoridade destas assembléias. As assembléias maiores não representam uma classe de poder mais alto que o poder investido no consistório ou sessão ou conselho. As igrejas reformadas (calvinistas) não reconhecem nenhuma classe superior de poder eclesiástico além daquele que reside no consistório ou conselho. Ao mesmo tempo, a sua autoridade é maior em grau e mais ampla em extensão que a do consistório. O poder da igreja é representado em maior medida nas assembléias maiores do que no consistório, precisamente como o poder apostólico era representado em maior medida nos doze do que num só apóstolo. Dez igrejas certamente possuem mais autoridade que uma; há um acúmulo de poder. Além disso, a autoridade das assembléias maiores não se aplica só a uma igreja, mas se estende a todas as igrejas associadas. Conseqüentemente, as decisões de uma assembléia maior carregam grande peso, e jamais poderão ser postas de lado, ao bel prazer de quem quer que seja. A asserção às vezes feita de que essas decisões são apenas de caráter consultivo e, portanto, não precisam ser cumpridas, é uma manifestação do pensamento dos adeptos da independência (das igrejas livres). Estas decisões são imperativas, exceto nos casos em que se declara explicitamente que são meramente consultivas. Elas são obrigatórias para as igrejas como a fiel interpretação e aplicação da lei – da lei de Cristo, o Rei da igreja. Só deixam de ser obrigatórias quando se mostram contrárias à Palavra de Deus.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Qual a diferença entre o sentido neotestamentário da palavra episkopos e sua conotação posterior? 2. Por que os ofícios regulares são necessários na igreja? 3. A Escritura apóia a idéia de que o povo deve ter alguma participação do governo da igreja? 4. Qual a principal característica do episcopado? 5. Qual a distinção católica romana entre a hierarquia de ordem e a hierarquia de jurisdição? 6. Como se originaram os sistemas territorial e colegial, e como diferem? 7. Que sistema os arminianos adotaram, e como isto afetou a posição deles? 8. Qual a forma atual do governo eclesiástico da igreja Luterana? 9. Como é que a idéia de que Cristo é a Cabeça da igreja somente num sentido orgânico afeta os ofícios e a autoridade da igreja? 10. Que importante suporte prático tem a Chefia de Cristo (incluindo a Sua realeza) na vida, na posição e no governo da igreja? 11. alguma igreja pode ser considerada autônoma no sentido absoluto da palavra? 12. Como as assembléias maiores reformadas e presbiterianas diferem das convenções ou conferencias e concílios gerais congregacionais?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 354-424; Kuyper, Dict. Dogm., De Ecclesia, p. 268-293; id., Tractaat van de Reformantie der Kerken, p. 41-82; Vos, Geref. Dogm., V, p. 31-39, 49-70; Hodg, Church Polity, cf. Índice: Bannerman, The Church, p. 201-331; McGill, Church Government, p. 143-522; McPherson, Presbyterianism; Heyns, Handbook for Elders and Deacons, p. 13-70; Bouwman, Geref. Kerkredht, cf. Índice; Rieker, Grudsaetza reformierter Kirchenverfassung; Hoffmann, Kirchenverdassungsrech Lechler, Geschichte de Presbyterial-und Synodalverfassung seit der Reformation; Morris, Ecclesiology, p. 80-151; Hatch, The Organisation of the Early Christian Churches; Sillevis Smitt, De Organisatie van de Christelijke Kerk; Lindsay, The Church and the Ministry in the Early Centuries; J. Cunningham, The Growth of the Church, p. 1-77; Van Dyke, The Church, Her Ministry and Sacraments, p. 115-161; Pieper, Christl. Dogm. III, p. 501-534; Litton, Introd. To Dogm. Theol., p. 376-410; Wilson, Free Church Principles, p. 1-65; Wilmers, Handbook of the Chr. Rel., p. 77-101; Devine, The Creed Explained, p. 302-340; Bonynton, The Congregational Way; W. A. Visser’t Hooft e J. H. Oldham, The Church and its Function in Society.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 593)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O PODER DA IGREJA

A Fonte do Poder da Igreja.

Jesus Cristo não somente fundou a igreja, mas também a revestiu do necessário poder ou autoridade. Ele é a Cabeça da igreja, não apenas no sentido orgânico, mas também no sentido administrativo, isto é, Ele é não somente a Cabeça do corpo, mas também o Rei da comunidade espiritual.* É em Sua capacidade de Rei da igreja que Ele a revestiu de poder ou autoridade. Ele mesmo falou da igreja como fundada tão solidamente sobre uma rocha que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela, Mt 16.18; e na mesma ocasião – exatamente a primeira em que Ele fez menção da igreja – também prometeu dota-la de poder, quando disse a Pedro: “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus: o que ligares na terra, terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra, terá sido desligado nos céus” (Mt 16.19). É evidente que as expressões “igreja” e “reino dos céus” são empregadas uma pela outra aqui. As chaves são um emblema de poder (cf. Is 22.15-22), e com as chaves do reino dos céus Pedro recebe poder para ligar e desligar, o que neste contexto, parece significar, determinar o que é proibido e o que é permitido na esfera da igreja.[1] E a sentença que ele passar – neste caso, não as pessoas, mas as ações – será sancionada no céu.** Pedro recebe este poder como representante dos apóstolos, e estes constituem o núcleo e o alicerce da igreja, em sua qualidade de mestres da igreja. A igreja de todos os séculos é ligada pela palavra deles, Jo 17.20; 1 Jo 1.3. A passagem de Jo 20.23 torna evidente que Cristo dotou não somente a Pedro, mas a todos os apóstolos de poder e do direito de julgar, e não quanto às ações apenas, mas também a pessoas: “Se de alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos”. Cristo deu este poder, antes de tudo e no grau supremo, aos apóstolos, mas também o estende, embora em menor grau, à igreja em geral. A igreja tem direito de excluir da comunhão o pecador impenitente. Mas, pode fazê-lo somente porque Jesus Cristo em pessoa habita na igreja e, pela instrumentalidade dos apóstolos, supriu a igreja de um apropriado padrão de julgamento. Que Cristo deu poder à igreja em geral, é muito bem evidenciado por várias passagens do Novo Testamento, quais sejam: At 15.23-29; 16.4; 1 Co 5.7, 13; 6.2-4; 12.28; Ef 4.11-16. Os oficiais da igreja recebem sua autoridade de Cristo, e não dos homens, mesmo que a congregação sirva de instrumento para instale-los no ofício. Quer dizer que, de um lado, eles não o recebem das mãos de nenhuma autoridade civil, que não tem poder nenhum nas questões eclesiásticas, e, portanto, não pode outorgar nenhum poder; mas, de outro lado, quer dizer que eles não o derivam do povo em geral (da igreja), apesar de serem eles representantes do povo. Porteous observa acertadamente: “O fato de que o presbítero é denominado representante do povo, mostra que ele é o seu governante, por ele escolhido. O que é designado pelo título de representante é o modo pelo qual o ofício é adquirido, não a fonte do seu poder”.[2]
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 594)


* Em português é perfeitamente válido dizer que Cristo é a Cabeça da igreja (como órgão vitalizador do organismo), e o Cabeça da igreja (seu Chefe soberano). Nota do tradutor.
[1] Cf. Vos, The Kingdom of God and the Church, p. 147; Grosheide, Comm. On Matthew, in loco.
** Assim, segundo a versão utilizada pelo Autor, que diz, na passagem acima transcrita: “será ligado ... será desligado no céu”. “Terá sido sancionada”, segundo a Versão de Almeida, Ver. e Atualizada, utilizada em minha tradução. Nota do tradutor.
[2] The Government of the Kingdom of God, p. 322.

PODER ESPIRITUAL.

Quando se afirma que o poder da igreja é espiritual, não se quer dizer que é totalmente interno e invisível, desde que Cristo governa tanto o corpo como a alma, Sua Palavra e os sacramentos se dirigem ao homem todo, e o ministério do diaconato tem até referência especial às necessidades físicas. É um poder espiritual porque é dado pelo Espírito de Deus, At 20.28, só pode ser exercido em nome de Cristo e pelo poder do Espírito Santo, Jo 20.22, 23; 1 Co 5.4, pertence exclusivamente aos crentes, 1 Co 5.12, e só pode ser exercido de maneira moral e espiritual, 2 Co 10.4.[1] O estado representa o governo de Deus sobre a condição externa e temporal do homem, ao passo que a igreja representa o Seu governo sobre a condição interna e espiritual do homem. O primeiro tem por objetivo assegurar aos seus súditos a posse e o gozo dos seus direitos externos e civis, e muitas vezes é forçado a exercer poder coercivo em contraposição à violência humana. O último é edificado em oposição a um mau espírito e com o propósito de livrar os homens da escravidão espiritual infundindo-lhes o conhecimento da verdade, cultivando neles graças espirituais, e elevando-os a uma vida de obediência aos preceitos divinos. Visto que o poder da igreja é exclusivamente espiritual, não recorre à força. Em mais de uma ocasião Cristo declarou que a administração do Seu reino na terra envolve um poder espiritual, e não um poder civil, Lc 12.13 e segtes.; Mt 20.25-28; Jo 18.36, 37. A igreja de Roma não vê este fato grandioso, quando insiste na posse do poder temporal e está determinada a gerir toda a vida do povo que está sob o seu domínio.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 596)


[1] Bavinck, Dogm. IV, p. 452.

PODER MINISTERIAL.

 É copiosamente evidente na Escritura que o poder da igreja não é um poder independente e soberano, Mt 20.25, 26; 23.8, 10; 2 Co 10.4,5; 1 Pe 5.3, mas, sim, uma diakonia leitourgia, um poder ministerial (de serviço), At 4.29, 30; 20.24; Rm 1.1, derivado de Cristo e subordinado à Sua autoridade soberana sobre a igreja, Mt 28.18. Deve ser exercido em harmonia com a Palavra de Deus e sob a direção do Espírito Santo, por meio de ambos os quais Cristo governa a Sua igreja, e em nome do próprio Cristo como o Rei da igreja, Rm 10.14, 15; Ef 5.23; 1 Co 5.4. Todavia, é um poder muito real e abrangente, que consiste na administração da Palavra e dos sacramentos, Mt 28.19, na determinação do que é e do que não é permitido no reino de Deus, Mt 16.19, no perdão e na retenção do pecado, Jo 20.23, e no exercício da disciplina na igreja, Mt 16.18
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 596)

DIFERENTES ESPÉCIES DE PODER ECLESIÁSTICO

Em conexão com os três ofícios de Cristo, há também um poder tríplice na igreja, a saber, o poder dogmático ou docente (potestas dogmática ou docendi), o poder de governo ou de ordem (potestas gubernans ou ordinans), do qual o poder de julgamento ou de disciplina (potestas iudicans ou disciplinae) é uma subdivisão, e o poder ou ministério da misericórdia (potestas ou ministerium misericordiae).

(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 596)

PRESERVAÇÃO DA PALAVRA DE DEUS

Pela dádiva da Sua Palavra à igreja, Deus constituiu a igreja em guardiã do precioso depósito da verdade. Enquanto forças hostis são colocadas contra ela e o poder do erro transparece em toda parte, a igreja deve providenciar para que a verdade não pereça na terra, para que o volume no qual ela está incorporada seja mantido puro e sem mutilações, a fim de que o seu propósito não seja derrotado, e para que ela seja transmitida de geração em geração. Ela tem a grande e responsabilizante tarefa de manter e defender a verdade contra todas as forças da incredulidade e do erro, 1 Tm 1.3, 4; 2 Tm 1.13; Tt 1.9-11. A igreja nem sempre se lembra deste dever sagrado. Durante o último século, muitíssimos líderes da igreja até deram boas-vindas aos ataques de uma crítica hostil à Bíblia, e se regozijaram com o fato de que ela foi rebaixada ao nível de uma produção meramente humana, uma mescla de verdade e erro. Eles demonstraram possuir pouco da determinação que levou Lutero a bradar: “Das Wort Sollen Sie sthen lassen”. (“È preciso que a Palavra esteja apegada a você”).
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 596)

MINISTRAÇÃO DA PALAVRA E DOS SACRAMENTOS

O dever da igreja não é somente preservar a Palavra de Deus, mas também pregá-la no mundo e na assembléia do povo de Deus, para a conversão dos pecadores e a edificação dos santos. A igreja tem uma tarefa evangelística ou missionária no mundo. O Rei, revestido de autoridade no céu e na terra, deu-lhe a grande comissão: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado”. Pelo ministério da igreja, o Filho está reunindo incessantemente, dentre toda a raça humana, uma igreja escolhida para a vida eterna. A igreja empírica de qualquer época particular deve estar ativamente empenhada no alargamento e expansão da igreja mediante esforços missionários, deve servir de instrumento para reunir os eleitos dentre todas as nações do mundo, juntando pedras vivas ao templo espiritual que está em processo de construção, e, desta maneira, deve promover a completação do número dos que finalmente constituirão a igreja ideal do futuro, a noiva perfeita de Cristo, a nova Jerusalém de Apocalipse 21. Se a igreja de Jesus for negligente na realização desta grande tarefa, provará que é infiel ao seu Senhor. Essa obra deverá continuar e deverá completar-se antes do glorioso retorno do Salvador, Mt 24.14. E o grande meio que está à disposição da igreja para a realização da sua obra é, não a educação, a civilização, a cultura humana ou reformas sociais, embora todas estas coisas possam ter significação subsidiária, mas, sim, o Evangelho do Reino, que não é outro, a despeito do que possam dizer os premilenistas, senão o Evangelho da livre graça de Deus, da redenção pelo sangue do Cordeiro. Mas a igreja não deve satisfazer-se em trazer pecadores a Cristo pela instrumentalidade do Evangelho; também é preciso que ela se engaje na pregação da Palavra nas assembléias dos que já vieram a Cristo. E, na realização desta tarefa, seu principal trabalho não consiste em chamar pecadores a Cristo, embora o convite pra virem a Cristo não deva faltar mesmo nas igrejas organizadas, mas em edificar os santos, fortalecer sua fé, conduzi-los no caminho da santificação e, assim, solidificar o templo do Senhor. Paulo tem isto em mente quando afirma que Cristo deu à igreja os oficiais docentes “com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo”, Ef 4.12, 13. A igreja não deve ficar satisfeita com ensinar os primeiros princípios da fé, mas deve prosseguir, ascendendo a um terreno mais elevado, para que os que são bebês em Cristo se tornem homens e mulheres plenamente desenvolvidos em Cristo, Hb 5.11-6.3. Somente uma igreja realmente forte e que tenha uma firme compreensão da verdade é que poderá, por sua vez, tornar-se uma poderosa agência missionária e fazer extraordinárias conquistas para o Senhor. Assim, a tarefa da igreja é amplamente compreensiva. Ela deve apontar o caminho da salvação, deve advertir os ímpios da condenação que lhes sobrevirá, deve animar os santos com as promessas de salvação, deve fortalecer os fracos, encorajar os desanimados e consolar os tristes. E, para que esta obra seja realizada no território todo e em todas as nações, ela deve providenciar para que a Palavra de Deus seja traduzida para todas as línguas. O ministério dos sacramentos deve, naturalmente, seguir ao lado do ministério da Palavra. Aquele é simplesmente uma apresentação simbólica do Evangelho, dirigida aos olhos, antes que aos ouvidos. O dever que a igreja tem de pregar a Palavra é ensinado claramente em muitas passagens da Escritura, como Is 3.10, 11; 2 Co 5.20; 1 Tm 4.13; 2 Tm 2.15; 4.2; Tt 2.1-10. Em vista das claras instruções do seu Rei, ela jamais deverá permitir que nenhum governo ditatorial lhe dite o que deve pregar; tampouco deverá acomodar-se, no que se refere ao conteúdo da sua mensagem, às exigências de uma ciência naturalista, ou às solicitações de uma cultura que reflita o espírito do mundo. Os modernistas fizeram justamente isso durante as décadas passadas, em seus esforços suicidas para adaptar-se, em sua pregação, às exigências de uma alta crítica racionalista, e de ciências como a biologia, a psicologia, a sociologia e a economia, até que, por fim, perderam a mensagem do Rei completamente. Muitos deles agora estão chegando à descoberta de que a mensagem recomendada na obra Rethinking Missions (Repensando as Missões), e na de Vernon White, A New Theology for Missions (Nova Teologia para Missões), é completamente diferente da mensagem original e contém pouco daquilo que é peculiar ao púlpito cristão; e de que, como as coisas estão agora em seus círculos, a igreja não tem mensagem propriamente sua. Modernistas há que fazem tentativas frenéticas para descobrir para si alguma mensagem que eles possam levar às igrejas, se bem que deviam procurar recuperar a mensagem cristã original e posicionar-se humildemente aos pés de Jesus.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 598)

ESTRUTURAÇÃO DE SÍMBOLOS E CONFISSÕES

Toda igreja deve lutar pelo senso de identidade própria na confissão da verdade. Para realizar isso, não somente terá que refletir profundamente na verdade, mas terá também que formular uma expressão daquilo em que crê. Fazendo-o, gerará em seus membros uma clara concepção da sua fé, e transmitirá aos de fora um definido entendimento de suas doutrinas. A necessidade de faze-lo foi grandemente incrementada pelas históricas perversões da verdade. O surgimento de heresias invariavelmente reclamava a elaboração de símbolos e confissões, afirmações claramente formuladas da fé esposada pela igreja. Mesmo os apóstolos às vezes achavam necessário reafirmar com maior precisão certas verdades, devido a erros que se haviam imiscuído na igreja. João reafirmou a verdade central da manifestação de Cristo no mundo, em vista de um gnosticismo incipiente (cf. seu evangelho e sua primeira carta); Paulo reafirmou a doutrina da ressurreição, que alguns negavam (1 Co 15; 1 Tm 1.20; 2 Tm 2.17, 18), e também a da segunda vinda de Cristo, que fora mal compreendida (2 Ts 2); e o concílio de Jerusalém achou necessário reafirmar a doutrina da liberdade cristã (At 15). Naturalmente, a Bíblia não contém nenhum exemplo de credo. Os credos não são dados por revelação, mas são fruto da reflexão da igreja sobre a verdade revelada. Em nossos dias, muitos são avessos a símbolos e confissões, e entoam glorias a uma igreja sem credo. Mas as objeções levantadas contra os credos não são insuperáveis absolutamente.os credos não são, como alguns insinuam, considerados como iguais em autoridade à Bíblia, e muito menos como superiores a ela. E nada acrescentam à Escritura, quer por afirmações expressas, quer por implicação. Não militam contra a liberdade de consciência, nem retardam o progresso dos estudos teológicos científicos. Tampouco podem ser considerados como causa de divisões da igreja, embora a possam expressar. As divisões vieram primeiro, e , então deram surgimento aos diversos credos. De fato, eles servem, em grande medida, para promover a unidade da igreja visível. Além disso, se uma igreja não quer estar caladas, é obrigada a desenvolver um credo, escrito ou não. Isso tudo não significa, porém, que não possa haver mau uso de um credo.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg. 598)