segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A CEIA DO SENHOR

A. Analogias da Ceia do Senhor em Israel.

Justamente como havia analogias do batismo cristão em Israel, havia também analogias da Ceia do Senhor. Não somente entre os gentios, mas também entre os israelitas, os sacrifícios muitas vezes eram acompanhados de refeições sacrificiais. Isto era um traço particularmente característico das ofertas pacíficas. Destes sacrifícios, somente a gordura ligada às entranhas era consumida no altar; o peito movido era dado aos sacerdotes, e a coxa da oferta alçada ao sacerdote oficiante, Lv 7.28-34, enquanto que o restante constituía uma refeição sacrificial para o ofertante e seus amigos, desde que estivessem leviticamente limpos, Lv 7.19-21; Dt 12.7, 12. De maneira simbólica, estas refeições ensinavam que, “justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1). Expressavam o fato de que, com base no sacrifício oferecido e aceito, Deus recebia Seu povo como hóspedes em Sua casa e se unia a eles em jubilosa comunhão, a vida comunitária da aliança.
Era proibido a Israel tomar parte nas refeições dos gentios exatamente porque isto expressaria sua lealdade a outros deuses, Ex 34.15; Nm 25.3, 5; Sl 106.28. As refeições sacrificiais, que atestavam a união de Jeová com seu povo, eram ocasiões de júbilo e alegria, e, nesta qualidade, às vezes sofriam abusos e davam lugar a orgia e bebedeira, 1 Sm 1.13; Pv 7.14; Is 28.8. O sacrifício da Páscoa também se fazia acompanhar de semelhante refeição sacrificial.
Contrariamente aos católicos romanos, os protestantes procuravam às vezes defender a posição segundo a qual essa refeição constituía a Páscoa completa, mas esta posição é insustentável. A Páscoa era, antes de tudo, um sacrifício de expiação, Ex 12.27; 34.25. Não somente se lhe chamava sacrifício, mas também, no período mosaico, estava relacionada com o santuário, Dt 16.2. O cordeiro era imolado pelos levitas, e o sangue era manipulado pelos sacerdotes, 1 Cr 30.16; 36.11; Ed 6.19. Mas, embora fosse antes de tudo um sacrifício, não era somente isso; era também uma refeição, na qual o cordeiro assado era comido com pães asmos, isto é, não levedados, e com ervas amargas, Ex 12.8-10. Do sacrifício se passava diretamente a uma refeição, que mais tarde veio a desenvolver-se de forma muito mais elaborada que em sua origem. O Novo Testamento atribui à Páscoa uma significação típica., 1 Co 5.7, e, assim, vê nela não somente uma rememoração da libertação do Egito, mas também um sinal e selo da libertação da escravidão do pecado, bem como da comunhão com Deus no Messias prometido. Foi em conexão com a refeição pascal que Jesus instituiu a Santa Ceia. Utilizando elementos presentes naquela, Ele efetuou uma transição muito natural para esta. Ultimamente alguns críticos têm procurado lançar dúvida sobre a instituição da Ceia do Senhor por Jesus, mas não existe nenhuma boa razão para duvidarmos do testemunho dos evangelhos, nem tampouco do testemunho independente do apóstolo Paulo em 1 Co 11.23-26.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg648)

A DOUTRINA DA SENHOR NA HISTÓRIA

1. ANTES DA REFORMA. Já na era apostólica a celebração da Ceia do Senhor era acompanhada de agapae ou festas do amor, para as quais o povo trazia os ingredientes necessários, e que às vezes levavam a tristes abusos, 1 Co 11.20-22. No transcurso do tempo, as oferendas assim trazidas passaram a ser chamadas oblações e sacrifícios, e eram abençoadas pelo sacerdote com uma oração de ação de graças. Gradativamente esses nome foram sendo aplicados aos elementos da Ceia do Senhor, de modo que estes assumiram o caráter de um sacrifício apresentado pelo sacerdote, e a ação de graças veio a ser considerada como uma consagração daqueles elementos. Enquanto alguns dos chamados pais primitivos (Orígenes, Basílio, Gregório de Nazianzo) retinham a concepção simbólica ou espiritual do sacramento, outros (Cirilo, Gregório de Nyssa, Crisóstomo) afirmavam que a carne e o sangue de Cristo de algum modo se combinavam com o pão e o vinho no sacramento. Agostinho retardou por longo tempo o desenvolvimento realista da doutrina da Santa Ceia. Apesar de falar do pão e do vinho como o corpo e o sangue de Cristo, ele distinguia entre o sinal e a coisa significada, e não cria numa transformação da substância. Negava que os ímpios, mesmo recebendo os elementos, também recebessem o corpo, e acentuava o aspecto comemorativo da Ceia do Senhor.
Durante a Idade Média o conceito agostiniano aos poucos foi sendo substituído pela doutrina da transubstanciação. Ainda em 818 AD, Paschasius Radbertus já propusera formalmente esta doutrina, mas encontrara forte oposição da parte de Rabanus Maurus e Ratramnus. No século onze irrompeu de novo uma furiosa controvérsia sobre o assunto, entre Berenger de Tours e Lanfranc. Este fez a grosseira afirmação de que “o verdadeiro corpo de Cristo estava de fato nas mãos do sacerdote, e era partido e mastigado pelos dentes dos fiéis”. Esta concepção foi definida finalmente por Hildebert de Tours (1134) e designada como doutrina da transubstanciação. Foi adotada formalmente pelo quarto Concílio de Latrão, em 1215.
Muitas questões relacionadas com esta doutrina foram debatidas pelos escolásticos, como as referentes à duração da mudança do pão e do vinho no corpo e no sangue de Jesus Cristo, à maneira da presença de Cristo em ambos os elementos, à relação existente entre substância e acidente, à adoração da hóstia, etc. A formulação final da doutrina foi dada pelo Concílio de Trento e está registrada na Sessio XIII dos seus Decretos e Cânones. Oito capítulos e onze cânones lhe são dedicados. Só podemos mencionar os pontos mais importantes aqui: Jesus Cristo está verdadeira, real e substancialmente presente no santo sacramento. O fato de que Ele está assentado à destra de Deus não exclui a possibilidade da Sua presença substancial e sacramental em vários lugares simultaneamente. Pelas palavras de consagração, a substância do pão e do vinho é transformada no corpo e no sangue de Cristo. Cristo completo está presente sob cada espécie e sob cada partícula de uma e outra espécies. Cada pessoa que receber uma partícula da hóstia, receberá o Cristo completo. Ele está presente nos elementos até mesmo antes de serem recebidos pelos comungantes. Em vista desta presença, a adoração da hóstia é simplesmente natural. O sacramento efetua um “aumento da graça santificante, graças especiais atuais, a remissão dos pecados veniais, a preservação de pecado grave (mortal), e a confiante esperança da salvação eterna”.
2. DURANTE E APÓS A REFORMA. Os Reformadores, todos eles, rejeitaram a teoria sacrificial da Ceia do Senhor e a doutrina medieval da transubstanciação. Diferiam, porém, em sua positiva elaboração da doutrina escriturística da ceia do Senhor. Em oposição a Zwínglio, Lutero insistia na interpretação literal das palavras da instituição e na presença corporal de Cristo na Ceia do Senhor. Contudo, substituiu a doutrina da transubstanciação pela da consubstanciação, defendida exaustivamente por Occam em sua obra sobre o Sacramento do Altar (De Sacramento Altaris), e segundo a qual Cristo está “em, com e sob” os elementos. Zwínglio negava absolutamente a presença corporal de Cristo na Ceia do Senhor e dava interpretação figurada das palavras da instituição. Ele via primariamente no sacramento um ato de comemoração, embora não negasse que nele Cristo está espiritualmente presente à fé dos crentes.
Calvino defendia uma posição intermediária. Como Zwínglio, ele negava a presença corporal do Senhor no sacramento, mas em distinção de Zwínglio, insistia na presença real, ainda que espiritual, do Senhor na Ceia, na presença dele como uma fonte de virtude ou poder e eficácia.. além disso, em vez de acentuar a Ceia do Senhor como ato do homem (quer de comemoração quer de profissão), ele salientava o fato de que ela é, acima de tudo, a expressão de uma dádiva da graça de Deus ao homem, e só secundariamente uma refeição comemorativa e um ato de profissão. Para ele, como também para Lutero, era primordialmente um meio divinamente designado para o fortalecimento da fé. Os socinianos, os arminianos e os menonitas viam na Ceia do Senhor apenas um memorial, um ato de profissão e um meio para melhoramento moral. Sob a influência do racionalismo, este se tornou o conceito popular. Scheleiermacher acentuava o fato de que a Ceia do Senhor é o meio pelo qual a comunhão de vida com Cristo é preservada de maneira particularmente dinâmica no seio da igreja. Muitos dos teólogos “da Mediação”, embora pertencentes à igreja luterana, rejeitavam a doutrina da consubstanciação e aprovavam o conceito calvinista da presença espiritual de Cristo na Ceia do Senhor.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg650)

NOMES BÍBLICO PARA A CEIA DO SENHOR

Enquanto há apenas um único nome para o sacramento iniciatório no Novo Testamento, há vários para o sacramento ora sob consideração, todos os quais são derivados da Escritura. São os seguintes: (1) Deipnon kyriakon, a Ceia do Senhor, nome derivado de 1 Co 11.20. Nos círculos protestantes, este é o nome mais comum. Subentende-se que na passagem indicada o apostolo quer fazer aguda distinção entre o sacramento e as agapae,que os coríntios relacionavam com ele e nas quais cometiam abusos, deste modo tornando ambos incompatíveis. A ênfase especial recai no fato de que a Ceia é do Senhor. Não é uma ceia para a qual os ricos convidam os pobres e depois os tratam mesquinhamente, mas uma festa na qual o Senhor oferece provisão a todos com abundância. (2) Trapeza kyriou, a mesa do Senhor, nome que se acha em 1 Co 10.21. Os gentios coríntios faziam suas ofertas aos ídolos e, depois dos seus sacrifícios, assentavam-se para as refeições sacrificiais; e o que se infere é que alguns da igreja de Corinto achavam que lhes era permissível juntar-se a eles, entendendo que toda carne é igual. Mas Paulo assinala que sacrificar aos ídolos é sacrificar aos demônios, e que associar-se a essas refeições sacrificiais é equivalente a exercer comunhão com os demônios. Isso estava em absoluto conflito com o sentar-se à mesa do Senhor, confessar lealdade a Ele e exercer comunhão com Ele. (3) Klasis tou artou, o partir do pão, expressão utilizada em At 2.42; cf. também At 20.7. Embora seja uma expressão que, com toda a probabilidade, não se refere exclusivamente à Ceia do Senhor, mas também às festas do amor, certamente inclui também a Ceia do Senhor. O nome pode igualmente achar sua explicação no partir do pão ordenado por Jesus. (4) Eucharistia, ação de graças, e eulogia, bênção, termos derivados de 1 Co 10.16; 11.24. Em Mt 26.26, 27 lemos que o Senhor tomou um pão e abençoou, e tomou um cálice e deu graças. Com toda a probabilidade, as duas palavras foram usadas uma pela outra e se referiam a uma bênção e a uma ação de graças combinadas. O cálice da ação de graças e da bênção é o cálice sagrado.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg651)

INSTITUIÇÃO DA CEIA DO SENHOR

1. DIFERENTES NARRATIVAS DA INSTITUIÇÃO. Há quatro diferentes narrativas da instituição da Ceia do Senhor, uma em cada um dos sinóticos, e uma em 1 Co 11. João fala do comer a páscoa, mas não menciona a instituição de um novo sacramento. As referidas narrativas são independentes umas das outras e se complementam. Evidentemente, o Senhor não terminou a refeição pascal antes de instituir a Ceia do Senhor. O novo sacramento estava ligado ao elemento central da refeição pascal. O pão, que era comido com o cordeiro, foi consagrado para um novo uso. Isso é evidenciado pelo fato de que o terceiro cálice, geralmente chamado “cálice da bênção”, foi usado como segundo elemento no novo sacramento. Assim, o sacramento do Velho Testamento foi transferido para o Novo da maneira mais natural.
2. SUBSTITUIÇÃO DO CORDEIRO PELO PÃO. O cordeiro pascal tinha significação simbólica. Como todos os sacrifícios cruentos do Velho Testamento, ele ensinava ao povo que o derramamento de sangue era necessário para a remissão dos pecados. Em acréscimo a isto, ele tinha uma significação típica, apontando para o grande sacrifício futuro que seria apresentado na plenitude do tempo para tirar o pecado do mundo. E, finalmente, também tinha significação nacional como um memorial da liberdade de Israel. Era simplesmente natural que, quando o real Cordeiro de Deus fez Seu aparecimento e estava a ponto de ser morto, o símbolo e o tipo deviam desaparecer. O todo-suficiente sacrifício de Jesus Cristo tornou todo e qualquer outro derramamento de sangue desnecessário; e, portanto, era inteiramente próprio que o elemento cruento desse caminho a um elemento incruento que, como aquele, tivesse propriedades nutricionais. Além disso, pela morte de Cristo, a parede intermediária de divisão foi derrubada e as bênçãos da salvação foram estendidas ao mundo todo. E em vista disto, era muito natural que a páscoa, símbolo com sabor nacional, fosse substituído por outro, que não levasse consigo nenhuma implicação de nacionalismo.
3. SIGNIFICADO DOS DIFERENTES GESTOS E TERMOS.
a. Gestos simbólicos. Todas as narrativas da Ceia do Senhor fazem menção do partir o pão, e Jesus indica claramente que isto se destinava a simbolizar o partir do Seu corpo para a redenção dos pecadores. Porque Jesus partiu o pão na presença dos Seus discípulos, a teologia protestante geralmente insiste em que esse ato sempre deve ter lugar à vista do povo. Essa importante transação destinava-se a ser um sinal, e um sinal deve ser visível. Depois de repartir o pão, Jesus tomou o cálice, abençoou-o e o deu aos Seus discípulos. Não se vê que Ele tenha despejado o vinho na presença deles, e, portanto, isto não é considerado essencial para a celebração da Ceia do Senhor. Contudo, o doutor Wielinga infere do fato de que o pão deve ser partido, que o vinho também deve ser despejado à vista dos comungantes.[1] Naturalmente, Jesus usou pão não levedado, visto ser o único tipo à mão, e o vinho comum, amplamente usado como bebida na Palestina. Mas, nem uma coisa nem outra é salientada, e, portanto, não se segue que não seria permitido usar pão levedado e algum outro tipo de vinho. É fora de dúvida que os discípulos receberam os elementos numa posição reclinada, mas isto não significa que os crentes não possam participar deles sentados, de joelhos ou de pé.
b. Palavras Imperativas. Jesus acompanhou Seu gesto com palavras imperativas. Quando deu o pão aos Seus discípulos, disse: “Tomai, comei”. E ao dar essa ordem, sem dúvida Ele tinha em mente, não meramente o ato físico de comer, mas uma apropriação espiritual do corpo de Cristo, pela fé. É uma ordem que, embora dada primeiramente aos apóstolos, visava à igreja de todas as eras. De acordo com Lc 22.19 (comp. 1 Co 11.24), o Senhor acrescentou as palavras: “fazei isto em memória de mim”. Alguns inferem destas palavras que a Ceia instituída por Jesus não era mais que uma refeição comemorativa. É mais que evidente, porém, especialmente à luz de Jo 6.32, 33, 50, 51; 1 Co 11.26-30; que ela foi destinada a ser muito mais que isso; e, na medida em que tinha significação comemorativa, destinava-se a ser um memorial da obra sacrificial de Cristo, e não da Sua pessoa. Houve outra voz de comando em conexão com o cálice. Após distribuir o pão, o Senhor tomou também o cálice, deu graças e disse: “Bebei dele todos”, ou (segundo Lucas).* “Tomai-o e reparti-o entre vós”. Vê-se claramente que o cálice mesmo não poderia ser repartido. Estas palavras evidenciam perfeitamente que era intenção do Senhor que o sacramento fosse usado em ambas as espécies (sub utraque specie), e que Roma está errada ao privar os leigos do cálice. O uso dos dois elementos possibilitou a Cristo dar uma vívida representação da idéia de que o Seu corpo foi partido, que a carne e o sangue foram separados e que o sacramento nutre e vivifica a alma.
c. Palavras de explicação. A palavra de ordem em conexão com o pão é imediatamente seguida de uma palavra de explicação, que deu surgimento a ásperas discussões, a saber, “Isto é o meu corpo”. Estas palavras foram interpretadas de várias maneiras.
(1) A igreja de Roma entende que a copulativa “é” é enfática. Jesus quis dizer que o que tinha em mãos era realmente o Seu corpo, embora com aparência e sabor de pão. Mas esta posição é totalmente insustentável. Com toda a probabilidade Jesus falou em aramaico, não empregando nenhuma copulativa. E, estando diante dos Seus discípulos em corpo, não poderia dizer aos Seus discípulos, com seriedade, que segurava o Seu corpo em Sua mão. Além disso, mesmo no conceito católico romano, Ele não poderia dizer com veracidade, “Isto é o meu corpo” (literalmente), mas apenas, “Isto agora está se tornando o meu corpo”.
(2) Carlstadt defendeu o original conceito de que quando Jesus pronunciou essas palavras, apontou para o Seu corpo. Ele argumentava que o neutro touto (isto) não podia referir-se a artos (pão), que é masculino. Mas também se pode conceber o pão como uma coisa, e, neste caso, podemos referir-nos a ele como neutro. Ademais, a afirmação deita nesses termos seria vã, naquelas circunstâncias.
(3) Lutero e os luteranos também dão ênfase à palavra “é”, embora admitam que Jesus estava falando figuradamente. Segundo eles, a figura não era uma metáfora, mas uma sinédoque. O Senhor simplesmente quis dizer aos Seus discípulos: Onde tendes o pão, tendes meu corpo nele, sob ele e junto dele, embora a substância de ambos continue distinta. Este conceito leva o peso da impossível doutrina da onipresença do corpo físico do Senhor Jesus.
(4) Calvino e as igrejas reformadas (calvinistas) entendem metaforicamente as palavras de Jesus: “Isto é (isso é, significa, simboliza) o meu corpo”. Essa declaração era tão inteligível para os discípulos como o eram outras declarações similares, como “Eu sou o pão da vida”, Jo 6.35, e “Eu sou a videira verdadeira”, Jo 15.1. Ao mesmo tempo, rejeitam o conceito, geralmente atribuído a Zwínglio, de que o pão simboliza meramente o corpo de Cristo, e salientam o fato de que ele também serve para selar as misericórdias pactuais de Deus e para comunicar nutrição espiritual. A estas palavras Jesus acrescenta esta afirmação, “oferecido por vós” (Lc 22.19), ou “que é dado por vós” (1 Co 11.24). Com toda a probabilidade, estas palavras expressam a idéia de que o corpo de Jesus é dado para benefício ou no interesse dos discípulos. É dado pelo Senhor para assegurar a redenção deles. Naturalmente, é um sacrifício (a morte de Cristo), não somente para os discípulos imediatos do Senhor, mas também para todos os que crêem.
Há também uma palavra de explicação em conexão com o cálice. O Senhor faz a significativa declaração: “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor e vós”, Lc 22.20. Estas palavras veiculam um contraste implícito entre o sangue do Salvador, como o sangue da nova aliança, e o sangue da antiga aliança mencionado em Ex 24.8. Este último era apenas uma imprecisa representação da realidade do Novo Testamento. As palavras “em favor de vós” não têm aplicação mais ampla que as da declaração feita com relação ao pão, “que é dado por vós”. Não devem ser entendidas no sentido irrestrito de “em favor de todos os homens, indiscriminadamente”, mas, antes, no sentido limitado de “em favor de vós e todos os que realmente são meus discípulos”. As palavras de conclusão em 1 Co 11.26, “Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha”, indicam o perene significado da Ceia do Senhor como um memorial da morte sacrificial de Cristo; e anunciam claramente que ela deve ser celebrada regularmente, até o retorno do Senhor.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg654)


[1] Ons  Avondmaals Formulier, p. 243, 244.
* Na versão utilizada pelo Autor. Nota do tradutor.

AS REALIDADES SIGNIFICADAS E SELADAS NA CEIA DO SENHOR

1. AS COISAS SIGNIFICADAS NO SACRAMENTO. Uma das características do sacramento é que ele representa uma ou mais verdades espirituais mediante sinais perceptíveis e externos. No caso da Ceia do Senhor, o sinal externo inclui não somente os elementos visíveis empregados, mas também o partir do pão e o derramamento do vinho, a apropriação do pão e do vinho pelo comer e beber, e a participação deles em comum com outras pessoas. Os seguintes pontos devem ser mencionados aqui:
a. É uma representação simbólica da morte do Senhor, 1 Co 11.26. O fato central da redenção, prefigurado nos sacrifícios do Velho Testamento, é exposto claramente por meio dos significativos símbolos do sacramento do Novo Testamento. As palavras da instituição, “dado por vós” e “derramado em favor de muitos”, indicam o fato de que a morte de Cristo é sacrificial, em benefício do Seu povo, e mesmo em lugar deste.
b. Simboliza também a participação do crente no Cristo crucificado. Na celebração da Ceia do Senhor, os participantes não ficam apenas a olhar para os símbolos, mas os recebem e se alimentam deles. Falando figuradamente, eles comem a carne do Filho do homem e bebem o Seu sangue, Jo 6.53, isto é, assimilam simbolicamente os benefícios assegurados pela morte sacrificial de Cristo.
c. Representa, não somente a morte de Cristo como objeto de fé, e o ato de fé que une o crente a Cristo, mas também o efeito desse ato, dando vida, força e alegria à alma. Isso está implícito nos emblemas utilizados. Precisamente como o pão e o vinho nutrem e fortalecem a vida corporal do homem, assim Cristo sustenta e revigora a vida da alma. Segundo as descrições normais da Escritura, os crentes têm sua vida, e força, e felicidade, em Cristo.
d. Finalmente, o sacramento simboliza também a união dos crentes uns com os outros. Como membros do corpo místico de Jesus Cristo, constituindo uma unidade espiritual, eles comem do mesmo pão e bebem do mesmo vinho, 1 Co 10.17; 12.23. Recebendo os elementos uns dos outros, eles exercem íntima comunhão uns com os outros.
2. AS COISAS SELADAS NA CEIA DO SENHOR. A Ceia do Senhor não é somente um sinal, mas é também um selo. Em nossos dias esta visão foi perdida por muitos que têm um conceito deveras superficial do sacramento, e o consideram apenas como um memorial de Cristo e como um distintivo da profissão cristã. Estes dois aspectos do sacramento, quais sejam, sinal e selo, não são independentes um do outro. O sacramento como sinal – ou, numa colocação diferente – o sacramento com tudo o que ele significa ou simboliza, constitui um selo. O selo está vinculado às coisas significadas, e é um penhor da graça pactual de Deus revelada no sacramento. O Catecismo de Heidelberg afirma que Cristo visa, “com estes sinais e penhores visíveis, garantir-nos que realmente somos participantes do Seu verdadeiro corpo e sangue, pela operação do Espírito Santo, quando recebemos pela boca do corpo estas santas insígnias em rememoração dele; e que todos os Seus sofrimentos e obediência são tão certamente nossos como se nós mesmos, em nossas pessoas, tivéssemos sofrido e prestado satisfação a Deus pelos nossos pecados”.[1] Os seguintes pontos entram em consideração aqui:
a. Ele sela, para o participante, o grande amor de Cristo, revelado no fato de que Ele se rendeu a uma vergonhosa e amarga morte por eles. Isto não significa meramente que o sacramento atesta a realidade dessa auto-rendição sacrificial, mas, sim, que assegura ao crente participante da Santa Ceia que ele foi, pessoalmente, objeto desse amor incomparável.
b. Além disso, ele afiança ao crente que participa do sacramento, não somente o amor e a graça de Cristo em oferecer-se agora a eles como Seu Redentor e em toda a plenitude da Sua obra redentora; mas lhe dá a certeza pessoal de que todas as promessas da aliança e todas as riquezas do oferecimento do Evangelho são suas, graças a uma doação divina, de maneira que ele tem direito pessoal a elas.
c. Ainda, o sacramento não somente ratifica ao crente participante as ricas promessas do Evangelho, mas lhe garante que as bênçãos da salvação são suas, como possessão real. Tão seguramente como o corpo é alimentado e renovado pelo pão e pelo vinho, assim a alma que recebe o corpo e o sangue de Cristo pela fé, está agora de posse da vida eterna, e com a mesma segurança a receberá mais abundantemente ainda.
d. Finalmente, a Ceia do Senhor é um selo recíproco. É uma insígnia de profissão da parte dos que participam do sacramento. Sempre que eles comem o pão e bebem o vinho, professam sua fé em Cristo como o seu Salvador, e sua fidelidade a Ele como o seu Rei, e solenemente se comprometem a uma vida de obediência aos Seus divinos mandamentos.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg655)


[1] Dia do Senhor , perg. 79.

A UNIÃO SACRAMENTAL OU A QUESTÃO DA PRESENÇA REAL DE CRISTO NA CEIA DO SENHOR

Com esta questão estamos entrando naquilo que durante muito tempo foi, e ainda é, ocasião para consideráveis diferenças de opinião na igreja de Jesus Cristo. De modo nenhum há opinião unânime quanto à natureza da presença de Cristo na Ceia do Senhor. Especialmente quatro conceitos serão considerados aqui:
1. O CONCEITO DE ROMA. A igreja de Roma concebe a união sacramental num sentido físico. Dificilmente se pode, porém, justificar este conceito, quando se trata de uma união sacramental, pois, de acordo com a descrição feita por essa igreja, não há nenhuma união, no sentido próprio da palavra. O sinal não está ligado à coisa significada, mas abre caminho para ela, visto que aquele se transfere para esta. Quando o sacerdote profere a fórmula, “hoc est corpus meum” (“isto é o meu corpo”), o pão e o vinho se transformam no corpo e no sangue de Cristo. Admite-se que, mesmo após a mudança, os elementos têm aparência e gosto de pão e vinho. Conquanto a substância de ambos seja transformada, as suas propriedades permanecem as mesmas. Na forma de pão e vinho, o corpo e o sangue físicos de Cristo estão presentes. A suposta base escriturística para isto acha-se nas palavras da instituição, “isto é o meu corpo”, e em Jo 6.50 e segtes. Mas, é evidente que a primeira passagem é figurada, como as de Jo 14.6; 15.1; 10.9, e outras; e a última, compreendida literalmente, ensinaria mais do que o próprio católico romano estaria disposto a conceder, a saber, que todo aquele que come a Ceia do Senhor vai para o céu, ao passo que ninguém que não a coma obterá a vida eterna (cf. versículos 53, 54). Ademais, o versículo 63 indica claramente uma interpretação espiritual. Além do mais, é deveras impossível conceber o pão que Jesus partiu como sendo o corpo que o manipulava; e devemos notar que a Escritura lhe chama pão mesmo depois de, supostamente, se haver transubstanciado, 1 Co 10.17; 11.26, 27, 28. Este conceito de Roma também faz violência aos sentidos humanos, visto pedir-nos que acreditemos que o que tem sabor e aparência de pão e vinho, na verdade é carne e sangue; e à razão humana, visto exigir fé na separação entre uma substância e suas propriedades, e na presença de um corpo material em vários lugares ao mesmo tempo, sendo que as duas coisas são contrárias à razão. Conseqüentemente, a elevação e adoração da hóstia também está destituída de fundamento válido.
2. O CONCEITO LUTERANO. Lutero rejeitou a doutrina da transubstanciação e a substitui pela doutrina correlata da consubstanciação. Segundo ele, o pão e o vinho continuam sendo o que são,mas, não obstante, há na Ceia do Senhor uma misteriosa e miraculosa presença real da pessoa completa de Cristo, corpo e sangue, nos elementos, sob eles e junto deles. Ele e seus seguidores defendem a presença local do corpo e do sangue físicos de Cristo no sacramento. Às vezes os luteranos negam que ensinam a presença local de Cristo na Ceia, mas, nestes casos, atribuem ao termo “local” um sentido não pretendido por aqueles que atribuem este ensino a eles. Quando se diz que eles ensinam a presença local da natureza física de Cristo, isto não implica que todos os demais corpos ficam excluídos da mesma porção de espaço, nem que a natureza humana de Cristo não está em nenhuma outra parte, como, por exemplo, no céu; mas significa, sim, que a natureza física de Cristo está localmente presente na Ceia do Senhor, como o magnetismo está localmente presente no imã, e como a alma está localmente presente no corpo. Conseqüentemente, eles também ensinam a manducatio oralis (mastigação oral), o que significa que os que compartem os elementos na Ceia do Senhor, comem e bebem o corpo e o sangue do Senhor “com boca corporal”, e não meramente que se apropriam deles pela fé. Comungantes indignos também os recebem, mas para a sua condenação. Este conceito não é grande melhoramento da concepção católica romana, embora não envolva o freqüentemente repetido milagre de uma mudança de substância menos uma mudança de atributos. Realmente dá às palavras de Jesus o sentido de, “isto acompanha o meu corpo”, interpretação mais improvável que qualquer das outras. Além disso, leva sobre si o fardo da impossível doutrina da ubiqüidade da natureza humana glorificada no Senhor, que boamente diversos luteranos rejeitam.
3. O CONCEITO ZWINGLIANO. Há uma impressão amplamente generalizada, não inteiramente sem fundamento, de que o conceito que Zwínglio tinha da Ceia do Senhor era muito defeituoso. Geralmente se afirma que ele ensinava que o sacramento em foco é um simples sinal ou símbolo, representando ou simbolizando figuradamente verdades ou bênçãos espirituais; e que o seu recebimento é apenas uma comemoração daquilo que Cristo fez pelos pecadores, e, acima, de tudo, uma insígnia da profissão de fé cristã. Todavia, a rigor, isto não faz justiça ao Reformador suíço. Sem dúvida, algumas das suas afirmações dão a idéia de que, para ele, o sacramento era apenas um rito comemorativo e um sinal e símbolo do que o crente promete nele. Mas os seus escritos também contêm declarações que apontam para uma significação mais profunda da Ceia do Senhor e a vêem como selo ou penhor daquilo que Deus faz pelo crente no sacramento. De fato, parece que ele mudou um pouco de opinião com o transcorrer do tempo. É bem difícil determinar exatamente o que ele cria quanto a esta matéria. Evidentemente, era seu desejo extirpar da doutrina da Ceia do Senhor todo misticismo incompreensível, mostrando excessiva tendência para a clareza e simplicidade em sua exposição. Ocasionalmente se expressa no sentido de que se trata de mero sinal ou símbolo, uma comemoração da morte do Senhor. E conquanto fale de passagem dele como selo ou penhor, certamente não faz jus a esta idéia. Além disso, para ele a ênfase recai no que o crente promete no sacramento, e não no que Deus promete. Ele identificava o ato de alimentar-se do corpo de Cristo com a fé nele e uma confiante segurança apoiada em Sua morte. Ele negava a presença corporal de Cristo na Ceia do Senhor, mas não negava que Cristo esteja presente ali de maneira espiritual, à fé do crente. Cristo só está presente em Sua natureza divina e segundo a apreensão do crente participante.
4. O CONCEITO REFORMADO (CALVINISTA). Calvino objeta à doutrina de Zwínglio sobre a Ceia do Senhor, (a) que ela permite que a idéia do que o crente faz no sacramento eclipse a dádiva de Deus nele; e (b) que ela vê no ato de comer do corpo de Cristo nada mais, nem mais elevado, que a fé no Seu nome e a segura confiança na Sua morte. Segundo Calvino, o sacramento está vinculado não meramente à obra passada de Cristo, ao Cristo que morreu (como parece que Zwínglio pensava), mas também à presente obra espiritual de Cristo, ao Cristo que agora vive na glória. Ele crê que Cristo, embora não corporal nem localmente presente na Ceia, está, contudo, presente, e é desfrutado em Sua pessoa completa, corpo e sangue. Ele dá ênfase à união mística dos crentes com a pessoa completa do Redentor. Sua apresentação do assunto não é inteiramente clara, mas ele parece querer dizer que o corpo e o sangue de Cristo, embora ausentes e localmente presentes só no céu, comunicam uma influência vivificante ao crente, quando ele está no ato de receber os elementos. Essa influência, apesar de real, não é física, mas, sim, espiritual e mística, é mediada pelo Espírito Santo e está condicionada ao ato de fé pelo qual o comungante recebe simbolicamente o corpo e o sangue de Cristo. Quanto ao modo pelo qual é efetuada esta comunhão com Cristo, há uma dupla descrição. Às vezes é descrito como se, pela fé, o comungante alçasse o seu coração ao céu, onde Cristo está; às vezes, como se o Espírito Santo fizesse baixar a influência do corpo e do sangue de Cristo ao comungante. Dabney rejeita positivamente a apresentação feita por Calvino, segundo a qual o comungante participa do próprio corpo e sangue de Cristo no sacramento. Sem dúvida, este é um ponto obscuro na exposição de Calvino. Às vezes parece que dá demasiada ênfase ao corpo e ao sangue literais. Todavia, pode ser que suas palavras devam ser entendidas sacramentalmente, isto é, num sentido figurado. Este conceito de Calvino é o que se vê em nossos padrões confessionais.[1] Uma interpretação muito comum do dúbio ponto da doutrina de Calvino é que o corpo e o sangue de Cristo estão presentes apenas virtualmente, isto é, nas palavras do doutor Hodge, que “as virtudes e os efeitos do sacrifício do corpo do Redentor na cruz se fazem presentes no sacramento e, neste, são comunicados ao participante digno pelo poder do Espírito Santo, que utiliza o sacramento como Seu instrumento, segundo Sua vontade soberana.”[2]
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg658)



[1] Cf. Conf. Belga, Art XXXV; Catecismo  de Heidelberg, Perguntas 75 e 76, e também a Forma para a celebração da Ceia do Senhor.
[2] Comm. on the Confession of Faith,  p. 492.

A CEIA DO SENHOR COMO MEIO DE GRAÇA OU SUA EFICÁCIA

O sacramento da Ceia do Senhor, instituído pessoalmente pelo Senhor como sinal e selo, também é, como tal, um meio de graça. Cristo o instituiu em benefício dos Seus discípulos e de todos os crentes. A clara intenção do Salvador era que os Seus seguidores tirassem proveito da sua participação nele. Isto ocorre do próprio fato de que Ele o instituiu como sinal e selo da aliança da graça. Pode-se inferir também do comer e do beber simbólicos, que indicam nutrição e vivificação, e de passagens como Jo 6.48-58 (independentemente da questão se esta se refere diretamente à Santa Ceia ou não), e 1 Co 11.17.
1. A GRAÇA RECEBIDA NA CEIA DO SENHOR. A Ceia do Senhor se destina a crentes, e, daí, não serve de instrumento para a originação da obra da graça no coração do pecador. Pressupõe-se a presença da graça de Deus nos corações dos participantes. Jesus a ministrou unicamente aos Seus seguidores professos; conforme At 2.42, 46, os que creram persistiam perseverantemente no partir do pão; e em 1 Co 11.28, 29 dá-se ênfase à necessidade de exame próprio antes da participação na Ceia do Senhor. A graça recebida no sacramento não difere, em espécie, da que os crentes recebem pela instrumentalidade da Palavra. O sacramento apenas aumenta a eficiência da Palavra e, portanto, aumenta a porção da graça recebida. É a graça de uma comunhão cada vez mais íntima com Cristo, de nutrição e vivificação espiritual, e de uma crescente segurança da salvação. A Igreja Católica Romana enumera especificamente a graça santificante, graças atuais especiais, a remissão dos pecados veniais, a preservação do fiel quanto ao pecado mortal, e a segurança da salvação.
2. O MODO PELO QUAL SE PRODUZ ESTA GRAÇA. Como funciona o sacramento com relação a isto? Será a Santa Ceia, de algum modo, uma causa meritória da graça conferida? Ela confere graça, independentemente da condição espiritual do participante, ou não?
a. O conceito católico romano. Para os católicos romanos, a Ceia do Senhor não é apenas um sacramento, mas também um sacrifício; é até mesmo, antes de tudo, um sacrifício. É “a renovação incruenta do sacrifício da cruz”. Isto não significa que na Ceia do Senhor, Cristo torna a morrer, mas que Ele sofre uma mudança externa que de algum modo equivale à morte. Não falou o Senhor do pão como o Seu corpo partido pelos discípulos, e do vinho como o Seu sangue derramando por eles? Os polemistas católicos romanos às vezes dão a impressão de que esse sacrifício tem caráter apenas representativo e comemorativo, mas não é esta a verdadeira doutrina dessa igreja. O sacrifício de Cristo na Santa Ceia é considerado como sendo um verdadeiro sacrifício, e se supõe que ele tem valor propiciatório. Quando se levanta a questão sobre o que esse sacrifício merece pelo pecador, as autoridades católicas romanas começam a fazer rodeios e a usar linguajar incoerente. A exposição de Wilmers em seu Manual da Religião Cristã (Handbook of the Christian Religion), utilizado como livro-texto em muitas escolas católicas romanas, pode ser citada como exemplo. Diz ele na página 348: “Pelos frutos do sacrifício da missa compreendemos os efeitos que ele produz para nós, considerando que é um sacrifício de expiação e impetração: (a) não somente graças sobrenaturais, mas também favores naturais; (b) remissão dos pecados, e da punição devida a eles. O que Cristo mereceu por nós, mediante Sua morte na cruz, é-nos aplicado no sacrifício da missa”. Após o sacrifício missa ser chamado sacrifício de expiação, a última sentença parece dizer que, afinal de contas, é somente um sacrifício no qual aquilo que Cristo mereceu por nós na cruz é aplicado aos participantes.
No que se refere à Ceia do senhor como sacramento, a Igreja Católica Romana ensina que o sacramento age ex opere operato, o que significa, “em virtude do ato sacramental propriamente dito, e não em virtude dos atos ou da disposição do ministro (ex opere operantis)”. Quer dizer que todo aquele que recebe os elementos, seja ímpio ou crente fiel, também recebe a graça simbolizada, concebida como uma substância contida nos elementos. O próprio rito sacramental transmite graça ao participante. Ao mesmo tempo, ela ensina também, deveras incoerentemente, como se vê, que os efeitos do sacramento podem ser parcial ou completamente frustrados pela existência de algum obstáculo, pela ausência daquela disposição que habilita a alma a receber graça, ou porque falta ao sacerdote a intenção de fazer o que a igreja quer.
b. O conceito protestante predominante. O conceito que prevalece nas igrejas protestantes é que o sacramento não age ex opere operato. Este não é em si mesmo uma causa ou fonte de graça, mas apenas um instrumento nas mãos de Deus. Sua operação efetiva depende, não só da presença da fé no participante, mas também da atividade da fé. Os incrédulos podem receber os elementos externos, mas não recebem a coisa simbolizada por eles. Todavia, alguns luteranos e os episcopais da Alta Igreja, em seu desejo de manter o caráter objetivo do sacramento, manifestam claramente uma tendência para adesão à posição da igreja de Roma. “Cremos, ensinamos e confessamos”, diz a Fórmula de Concórdia, “que não somente os verdadeiros crentes em Cristo, e os que se acercam dignamente da Ceia do Senhor, mas também os indignos e os descrentes recebem o verdadeiro corpo e sangue de Cristo; de maneira tal, no entanto, que estes não auferem nem consolo nem vida, mas, antes, o que recebem se transforma em seu juízo e condenação, se não se converterem e não se arrependerem (1 Co 11.27, 29)”.[1]
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg660)


[1] VII. 7.

AS PESSOAS PARA AS QUAIS FOI INSTITUIDA A CEIA DO SENHOR

1. OS IDÔNEOS PARTICIPANTES DO SACRAMENTO. Em resposta à pergunta, “Para quem foi instituída a Ceia do Senhor?”, o Catecismo de Heidelberg diz: “Para aqueles que estão verdadeiramente descontentes consigo mesmos por seus pecados, e, todavia, confiam que estes lhes são perdoados por amor de Cristo, e que sua fraqueza subsistente é coberta por Sua paixão e morte; os quais também desejam fortalecer cada vez mais a sua fé e corrigir a sua vida”. Dessas palavras se vê que a Ceia do Senhor não foi instituída para todos os homens, indiscriminadamente, nem mesmo para todos os que acham espaço na igreja visível de Cristo, mas unicamente para os que se arrependem fervorosamente dos seus pecados, confiam que estes foram cobertos pelo sangue expiatório de Jesus Cristo, e estão desejosos de aumentar sua fé e de crescer num viver verdadeiramente santo. Os participantes da Ceia do Senhor têm que ser pecadores arrependidos, prontos a admitir que, por si mesmos, estão perdidos. Devem ter uma fé viva em Jesus Cristo, de modo que, para a sua redenção, confiam no sangue expiatório do Salvador. Além disso, devem ter correta compreensão da Ceia do Senhor, devem fazer correta avaliação dela, devem discernir entre ela e as refeições comuns, e devem fixar o fato de que o pão e o vinho são lembranças do corpo e do sangue de Cristo. E, finalmente, devem ter um santo desejo de crescimento espiritual e de cada vez maior conformidade com a imagem de Cristo.
2. OS QUE DEVEM SER EXCLUÍDOS DA CEIA DO SENHOR. Desde que a Ceia do Senhor é um sacramento da igreja e para ela, segue-se que os que estão fora da igreja não podem participar dela. Mas é necessário estabelecer mais limitações. Nem todos os que se acham na igreja podem ser admitidos na mesa do Senhor. Devemos notar as seguintes exceções:
a. As crianças, embora tenham tido permissão para comer a páscoa nos tempos do Velho Testamento, não podem ter permissão para participar da mesa do Senhor, visto não poderem satisfazer as exigências que se requerem para uma participação digna. Paulo insiste na necessidade de exame próprio antes da celebração, quando diz: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice”, 1 Co 11.28, e as crianças não são capazes de examinar-se a si mesmas. Além disso, ele assinala que, para uma digna participação da Ceia, é necessário discernir o corpo, 1 Co 11.29, isto é, distinguir apropriadamente entre os elementos utilizados na Ceia do Senhor e o pão e o vinho comuns, reconhecendo aqueles elementos como símbolos do corpo e do sangue de Cristo. E isso também está além da capacidade das crianças. Somente depois de terem elas atingido a idade da discrição é que poderão participar da celebração da Ceia do Senhor.
b. Os descrentes que acaso haja dentro dos limites da igreja não têm direito de participar da mesa do Senhor. A igreja já deve exigir de quantos desejam celebrar a Ceia do Senhor uma confiável profissão de fé. Naturalmente, ela não pode enxergar o íntimo do coração, e só pode basear seu julgamento a respeito de um candidato à admissão, em sua confissão de fé em Jesus Cristo. É possível que ocasionalmente admita hipócritas aos privilégios da plena comunhão, mas tais pessoas, se participarem da Ceia do Senhor, somente comerão e beberão juízo para si mesmas. E se a sua descrença e irreligiosidade se evidenciar, a igreja terá que excluí-las pela adequada aplicação eclesiástica. É preciso defender a santidade da igreja e do sacramento.
c. Nem mesmo os crentes verdadeiros podem participar da Ceia do Senhor em toda e qualquer condição e em toda e qualquer disposição mental. A condição da sua vida espiritual, sua consciente relação com Deus, e sua atitude para com os seus irmãos em Cristo podem ser tais que os desqualificam a envolver-se em exercícios espirituais do nível da celebração da Ceia do Senhor. Isso está claramente implícito no que Paulo diz em 1 Co 11.28-32. havia práticas entre os coríntios que faziam da sua participação na Ceia do Senhor um escárnio. Quando uma pessoa se sente conscientemente alheia ao Senhor ou aos seus irmãos, não tem lugar próprio em uma mesa que fala de comunhão. Contudo, é preciso estabelecer explicitamente que a falta de certeza da salvação não impede necessariamente alguém de vir à mesa do Senhor, visto que a Ceia do Senhor foi instituída com o propósito de fortalecer a fé.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Pode-se provar que a Ceia do Senhor tomou o lugar da páscoa do Velho Testamento? 2. Como? 3. É permissível cortar o pão em pequenos pedaços antes da ministração da Ceia do Senhor, e utilizar cálices individuais? 4. Que é que a expressão “presença real” significa em conexão com este sacramento? 5. A Bíblia ensina essa presença real? 6. Se ensina, favorece ela a idéia de que a natureza humana de Cristo está presente no estado de humilhação, ou no de glorificação? 7. Que pretende a doutrina reformada (calvinista) da presença espiritual? 8. O discurso de Jesus registrado em Jo 6 refere-se realmente à Ceia do Senhor? 9. Como Roma defende a celebração da Ceia do Senhor com uma espécie? 10. Como surgiu a concepção da Ceia do Senhor como sacrifício? 11. Que objeções existem a essa noção? 12. “Comer do corpo” equivale simplesmente a crer em Cristo? 13. É defensável a comunhão aberta a todos?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 590-644; Kuyper, Dict. Dogm., De Sacramentis, p. 158-238; Vos, Geref. Dogm. V, De Genademiddelen, p. 134-190; Hodge, Syst. Theol. III, p. 611-692; Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 800-817; Bannerman, The Church Christ II, p. 128-185; Cunningham, The Reformers and the Theology of the Reformation, p. 212-291; Valentine, Chr. Theol. II, p. 335-361; Schmid, Doct. Theol. of the Ev. Luth. Ch., p. 558-584; Browne, Exposition of the Thirty-Nine Articles, p. 683-757; Litton, Introd. To Dogm. Theol. p. 464-532; Cabdlish, The Christian Salvation, p. 179-204; Pieper, Christ. Dogm. III, p. 340-458; Pope, Chr. Theol., III, p. 325-334; Wilmers, Handbook of the Chr. Rel., p. 327-349; Moehler, Symbolism, p. 235-254; Schaff, Our Fathers’ Faith and Our, p. 322-353; Otten, Manual of the Hist. Of Dogma II, p. 310-337; Hebert, The Lord’s Supper (dois volumes), cf. índice; Ebrard, Das Dogma vom Heiligen Abendmahl, cf. índice; Calvin, Institutes, Livro IV, capítulos 17 e 18; Wielenga, Ons Avondemaalaformulier; Lambert, The Sacraments in the New Testament, p. 240-242; MacLeod, The Ministry and Sacraments of the Church of Scotland, p. 243-300.
(Berkhof, L – Teologia Sistemática Pg663)

IGREJA PRESBITERIANA DE TUCANO

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

CONSTRUÇÃO DA IGREJA PRESBITERIANA DE TUCANO

ESPAÇO ONDE FUNCIONA A IGREJA PRESBITERIANA DE TUCANO - BA
PRETENDEMOS CONSTRUIR BREVEMENTE UM TEMPLO PARA A GLÓRIA DE DEUS
POR ENQUANTO REFORMAREMOS O ESPAÇO INTERNO COMO SE ENCONTRA


ALVOS PARA REFORMA ATUAL:

1 - 3.500 TELHAS
2 - 90 METROS² DE PISO
3 - 20 SACOS DE CIMENTO

IGREJA PRESBITERIANA DE TUCANO

A ESCATOLOGIA NA FILOSOFIA E NA RELIGIÃO

1. A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA É UMA QUESTÃO NATURAL. Alguma doutrina das últimas coisas não é coisa peculiar à religião cristã. Onde quer que as pessoas tenham refletido seriamente sobre a vida humana, seja no indivíduo, seja na raça, não inquiriram apenas donde ela surgiu e como veio a ser o que é, mas também para onde está destinada. Elas levantaram a questão, Qual é o fim ou o destino final do indivíduo, e qual a meta rumo à qual a raça humana está se movendo? O homem perece na morte, ou entra noutro estado de existência, quer de bem-aventurança, quer de infortúnio? As gerações dos homens virão e passarão, numa sucessão interminável e finalmente sucumbirão no esquecimento, ou a raça dos filhos dos homens e toda a criação estarão a mover-se para algum telos divino, para um fim que lhe foi designado por Deus? E se a raça humana está se movendo para alguma condição final, ideal, as gerações que vêm e passam participarão disso de algum modo, e, se for assim, como participarão? Ou servirão elas apenas como uma passagem que leva ao grandioso clímax? Naturalmente, só os que crêem que, assim como a história do mundo teve um princípio, também terá um fim, podem falar de uma consumação e podem ter uma doutrina da escatologia.
2. A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA NA FILOSOFIA. A questão do destino final do indivíduo e da raça ocuparam importante lugar nas especulações dos filósofos. Platão ensinava a imortalidade da alma, isto é, sua existência continuada após a morte, e esta doutrina persistiu como um importante dogma da filosofia até à época presente. Spinoza não teve lugar para ela em seu sistema panteísta, mas Wolff e Leibnitz a defenderam com toda sorte de argumentos. Kant dava ênfase à insustentabilidade desses argumentos, mas, não obstante, conservou a doutrina da imortalidade como um postulado da razão prática. A filosofia idealista do século dezenove a rejeitou. De fato, como diz Haering, “O panteísmo de todos os tipos limita-se a um definido modo de contemplação, e não leva a nenhuma realidade ‘última’”. Os filósofos não refletiam somente sobre o futuro do indivíduo; também pensavam profundamente no futuro do mundo. Os estóicos falavam de sucessivos ciclos de mundos, e os budistas, de eras de mundos, em cada uma das quais um novo mundo aparece e volta a desaparecer. Até mesmo Kant especulava sobre o nascimento e a morte dos mundos.
3. A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA NA RELIGIÃO. Contudo, é especialmente na religião que encontramos concepções escatológicas. Mesmo as religiões falsas, tanto as mais primitivas como as mais evoluídas, têm sua escatologia. O budismo tem o seu nirvana, o maometanismo o seu paraíso sensual, e os índios americanos os seus felizes campos de caça. A crença na permanente existência da alma aparece em toda parte e sob diversas formas. Diz J. T. Addison: “A crença em que a alma do homem sobrevive à sua morte, tão perto está de ser universal que não temos nenhum registro confiável de alguma tribo, nação ou religião em que ela não esteja em destaque”.[1] Pode manifestar-se na convicção de que os mortos continuam pairando nos arredores e por perto, no culto aos antepassados, na busca de comunicação com os mortos, na concepção de um mundo subterrâneo habitado pelos mortos, ou na idéia da transmigração das almas; mas, numa ou noutra forma, está sempre presente. Nessas religiões, porém tudo é vago e incerto. É somente na religião cristã que a doutrina das últimas coisas recebe maior precisão e traz consigo uma segurança que só pode ser divina. Naturalmente, os que não se contentam em descansar sua fé exclusivamente na Palavra de Deus, mas a fazem depender da experiência e das produções da consciência cristã, estão em grande desvantagem aqui. Embora possam experimentar um despertamento espiritual, a iluminação divina, o arrependimento e a conversão, e possam observar os frutos da graça em suas vidas, não podem experimentar nem ver as realidades do mundo futuro. Terão que aceitar o testemunho de Deus a respeito delas, ou que continuar andando às apalpadelas no escuro. Se não desejam construir a casa da sua esperança em vagas e indeterminadas aspirações, terão que retornar ao firme fundamento da Palavra de Deus.
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg 664)


[1] Life Beyond Death, p.3.

A ESCATOLOGIA NA HISTÓRIA DA IGREJA CRISTÃ

Falando em termos gerais, pode-se dizer que o cristianismo nunca olvidou as gloriosas predições concernentes ao seu futuro do cristão individual. Nem o cristão individual nem a igreja puderam deixar de pensar nelas e de nelas achar consolação. Às vezes, porém, a igreja, subjugada pelas preocupações da vida ou enredada em seus prazeres pouco pensou no futuro. Além disso, sucedeu repetidamente que ora pensava mais num elemento particular da sua esperança futura, ora noutro. Nas épocas de apostasia, a esperança cristã às vezes ficava obscurecida e incerta, mas nunca se extinguiu completamente. Ao mesmo tempo, deve-se dizer que jamais houve um período da história da igreja em que a escatologia fosse o centro do pensamento cristão. Os outros loci ou pontos da dogmática tiveram desenvolvimento, mas não se pode dizer isto da escatologia. Pode-se distinguir três períodos na história do pensamento escatológico.
1. DA ERA APOSTÓLICA AO INÍCIO DO QUINTO SÉCULO. Já no primeiro período, a igreja estava perfeitamente cônscia dos elementos distintos da esperança cristã, como, por exemplo, que a morte física não é ainda a morte eterna, que as almas dos mortos continuam vivendo, que Cristo virá outra vez, que haverá uma bendita ressurreição do povo de Deus, que esta será seguida por um julgamento geral no qual a condenação eterna será pronunciada contra os ímpios, mas o fiéis serão recompensados com as glórias eternas do céu. Mas estes elementos eram simplesmente visto como outras tantas partes separadas da esperança futura, e ainda não tinham sido elaboradas dogmaticamente. Embora fossem bem compreendidos os vários elementos, não se via claramente a sua interrelação. A princípio, parecia que a escatologia estava no caminho certo para se tornar o centro da elaboração da doutrina cristã, pois nos dois primeiros séculos o quiliasma era muito proeminente, conquanto não tão proeminente como alguns gostariam de fazer-nos acreditar. Todavia, como veio a ser, a escatologia não se desenvolveu neste período.
2. DO INÍCIO DO QUINTO SÉCULO À REFORMA. Sob a direção do Espírito Santo, a atenção da igreja voltou-se do futuro para o presente, e o quiliasma aos poucos foi sendo esquecido. Especialmente sob a influência de Orígenes e Agostinho, conceitos antiquiliásticos se tornaram dominantes na igreja. Mas embora estes conceitos fossem considerados ortodoxos, não foram ponderados exaustivamente, nem desenvolvidos sistematicamente. Havia uma crença geral na vida após a morte, mas volta do Senhor, na ressurreição dos mortos, no juízo final e no reino da glória, mas muito pouca reflexão sobre o modo de sua ocorrência. A idéia de um reino material e temporal abriu caminho para as da vida eterna e da salvação futura. Com o transcorrer do tempo, a igreja foi colocada no centro das atenções, a igreja hierárquica foi identificada com o reino de Deus. Ganhou terreno a idéia de que fora dessa igreja não há salvação, e a de que a igreja determina o adequado treinamento pedagógico para o futuro. Muita atenção foi dada ao estado intermediário e, particularmente, à doutrina do purgatório. Em conexão com isto, a mediação da igreja foi trazida para o primeiro plano – as doutrinas da missa, das orações pelos mortos e das indulgências. Como um protesto contra este eclesiasticismo, o quiliasma apareceu em várias seitas. Em parte, isto constituiu uma reação de natureza pietista contra o externalismo e a mundaneidade da igreja.
3. DA REFORMA AOS DIAS ATUAIS. O pensamento da Reforma centralizou-se primariamente em torno da idéia da aplicação e apropriação da salvação, e procurava desenvolver a escatologia segundo este ponto de vista. Muitos dos antigos teólogos reformados (calvinistas) trataram dela apenas como um adjunto da soteriologia, focalizando a glorificação dos crentes. Conseqüentemente, só uma parte da escatologia foi estudada e levada a uma maior desenvolvimento. A Reforma adotou o que a Igreja eterna, e pôs de lado a crassa forma de quiliasma que apareceu nas seitas anabatistas. Em sua oposição a Roma, também refletiu bastante sobre o estado intermediário e rejeitou os diversos dogmas desenvolvidos pela Igreja Católica Romana fizeram muito pelo desenvolvimento da escatologia. No pietismo o quiliasma reapareceu. O racionalismo do século dezoito conservou da escatologia apenas a simples idéia duma imortalidade incolor, da mera sobrevivência da alma após a morte. Sob a influência da filosofia da evolução, com sua idéia de um progresso interminável, aquela doutrina se tornou, se não obsoleta, ao menos obsolescente. A teologia”liberal” ignorou inteiramente os ensinos escatológicos de Jesus e deu toda a ênfase aos Seus preceitos éticos. Como resultado, ela não tem uma escatologia que mereça este nome. O interesse pelo mundo além abriu alas para o interesse pelas coisas deste mundo; a bendita esperança da vida eterna foi substituída pela esperança social de um reino de Deus exclusivamente deste mundo; e a anterior segurança quanto à ressurreição dos mortos e à glória futura, foi suplantado pela vaga confiança em que Deus pode ter em depósito coisas ainda melhores para o homem do que as bênçãos que ele desfruta agora. Diz Gerald Birney Smith: “Em nenhuma esfera as mudanças de pensamento foram mais marcantes que na parte da teologia que trata da vida futura. Onde os teólogos continuavam falando pormenorizadamente a respeito das ‘últimas coisas’, agora eles expõem em termos algo gerais a barata base para uma confiança otimista na continuação da vida além da morte física.”[1] Contudo, há no presente alguns sinais de uma mudança para melhor. Uma nova onda de premilenismo apareceu, e este não se limita às seitas, mas também achou entrada nalgumas das igrejas dos nossos dias, e os seus defensores propõem uma filosofia cristã da história, baseada particularmente no estudo de Daniel e Apocalipse, e ajuda a fixar mais uma vez a atenção no final dos séculos. Weiss e Schweitzer chamaram a atenção para o fato de que os ensinos escatológicos de Jesus foram muito mais importantes, em Seu esquema de pensamento, do que os Seus ensinos éticos, os quais representam, afinal de contas, apenas uma “Interimsethik” (“ética do ínterim”). E Karl Barth também salienta o elemento escatológico da revelação divina.
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg667)


[1] A Guide to the Study of the Christian Religion, p. 538.

RELAÇÃO DA ESCATOLOGIA COM O RESTANTE DA DOGMÁTICA

1. CONCEPÇÕES ERRÔNEAS QUE OBSCURECEM ESTA RELAÇÃO. Quando Kliefoth escreveu sua Escatologia (Eschatologie), queixou-se do fato de que até então nunca aparecera um compreensivo e adequado tratado de escatologia de maneira completa; e depois chamou a atenção para o fato de que nas obras dogmáticas aparece muitas vezes, não como uma das principais divisões e uniforme em relação a estas, mas apenas como um apêndice fragmentário e tratado com negligência, enquanto que algumas das suas questões são discutidas noutros loci isto é, noutras partes. Havia boas razões para as suas reclamações. Em geral se pode dizer que, mesmo agora, a escatologia é o menos desenvolvido de todos os loci da dogmática. Além disso, com freqüência se lhe dá um lugar muito subordinado no tratamento sistemático da teologia. Coccejus (Cocceio) cometeu o erro de dispor o conjunto global da dogmática segundo o esquema das alianças, e assim a tratou como um estudo histórico, e não como uma apresentação sistemática de todas as verdades da religião cristã. Nesse esquema, a escatologia só poderia aparecer como “finale” da história, e de modo nenhum como um dos elementos constitutivos de um sistema de verdade. Uma discussão histórica das ultimas coisas pode fazer parte da historia revelationis (história da revelação), mas, como tal, não pode ser apresentada como parte integrante da dogmática. A dogmática não é uma ciência descritiva, e, sim, normativa, na qual visamos à verdade absoluta, e não a uma simples verdade histórica. Os teólogos reformados (calvinistas) em geral viam este ponto com muita clareza, e, portanto, discutiam as últimas coisas de maneira sistemática. Todavia, nem sempre lhe fizeram justiça como uma das principais divisões da dogmática, mas lhe deram um lugar subordinado num dos outros loci. Vários deles a concebiam como tratando apenas da glorificação dos santos ou da consumação do governo de Cristo, e a introduziam na conclusão da sua discussão da soteriologia objetiva e subjetiva. O resultado foi que algumas partes da escatologia receberam a devida ênfase, ao passo que outras partes foram pouco menos que negligenciadas. Nalguns casos, o conteúdo da escatologia foi repartido entre diferentes loci. Outro erro, que alguns cometeram, é que perderam de vista o caráter teológico da escatologia. Não podemos subscrever a seguinte declaração de Pohle (católico romano) em sua obra sobre A Escatologia, ou a Doutrina Católica das Últimas Coisas (Eschatology, or the Catholic of the Last Things): “A escatologia é antropológica e cosmológica, antes que teológica: pois, embora trate Deus como o Consumador e Juiz Universal, estritamente falando, o seu assunto é o universo criado, isto é, o homem e o cosmos”.[1] Se a escatologia não fosse teologia, não teria lugar próprio na dogmática.
2. O CONCEITO CORRETO DESTA RELAÇÃO. Estranhamente, o mesmo escritor católico romano diz: “A escatologia é a coroa e o selo da teologia dogmática”, o que está perfeitamente certo. É o único lócus ou ponto da teologia no qual todos os outros loci chegam a um ponto culminante, a uma conclusão final. O doutor Kuyper assinala corretamente que cada um dos outros loci deixa alguma questão sem resolver, a que a escatologia deve dar uma resposta. Na teologia propriamente dita a questão é sobre como Deus é final e perfeitamente glorificado na obra das Suas mãos, e como se realiza plenamente o conselho de Deus; na antropologia, a questão sobre como a ruinosa influência do pecado é dominada completamente; na cristologia, a questão sobre como a obra de Cristo é coroada com a vitória perfeita; na soteriologia, a questão sobre como a obra do Espírito Santo por fim resulta na completa redenção e glorificação do povo de Deus; e na eclesiologia, a questão da apoteose final da igreja. Todas essas questões devem encontrar em sua resposta no derradeiro lócus da dogmática, fazendo deste o verdadeiro selo da teologia dogmática. Haering atesta o mesmo fato, quando diz: “De fato, ela (a escatologia) derrama calara luz sobre cada segmento doutrinário particular. A universalidade do plano divino de salvação, a comunhão pessoal com um Deus pessoal asseverada sem reserva, a significação permanente do Redentor sustentada, o perdão do pecado entendido como unido à vitória sobre o poder do pecado – sobre estes pontos a escatologia deve tirar toda dúvida, mesmo quando exposições indefinidas, feitas nas partes anteriores, não possam ser logo reconhecidas como tais. Tampouco é difícil descobrir a razão disto. Na doutrina das últimas coisas, a comunhão entre Deus e o homem é exposta como completada, e, daí, a idéia de nossa religião, o princípio cristão, é apresentado em sua pureza; não, porém, como uma simples idéia no sentido de um ideal jamais concretizado completamente, mas como uma realidade perfeita – e é evidente, que dificuldades estão implícitas nisso! Portanto, dever-se-á no fim, na apresentação da escatologia, senão mais cedo, que a realidade desta comunhão com Deus recebeu o que lhe é devido irrestritamente.”[2]
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg669)


[1] P. 1.
[2] The Christian Faith, p. 831.

O NOME "ESCATOLOGIA"

Vários nomes têm sido aplicados ao último lócus da dogmática, dos quais o mais comum é de novissimis (das últimas coisas) ou escatologia. Kuyper emprega a expressão consummatione saeculi (da consumação dos séculos). O nome “escatologia” baseia-se nas passagens da Escritura que falam sobre “os últimos dias” (eschatai hemerai), Is 2.2; Mq 4.1, os “últimos tempos” (eschatos ton chronon), 1 Pe 1.20, e “a última hora” (eschate hora), 1 Jo 2.18. É verdade que estas expressões às vezes se referem a toda a dispensação do Novo Testamento, mas mesmo assim incorporam uma idéia escatológica. A profecia do Velho Testamento distingue somente dois períodos, quais sejam, “esta era” (olam hazzeh, gr. Aion houtos), e “a era vindoura” (olam habba’, gr. Aion mellon). Visto que os profetas descrevem a vinda do Messias e o fim do mundo como coincidentes, os “últimos dias” são os dias imediatamente anteriores à vinda do Messias e ao fim do mundo. Em parte alguma eles traçam uma clara linha de distinção entre uma primeira e uma segunda vinda do Messias. No Novo Testamento, porém, é mais que evidente que a vinda do Messias é dupla, e que a era messiânica inclui dois estágios, a presente era messiânica e a consumação futura. Conseqüentemente, a dispensação do Novo Testamento pode ser considerada sob dois aspectos diferentes. Se se fixar a atenção na vinda futura do Senhor, e se tudo que a precede for considerado pertencente a “esta era”, se considerará que os crentes neotestamentários estão vivendo nas vésperas desse importante evento – a volta do Senhor em glória e a consumação final. Se, por outro lado, a atenção for centralizada na primeira vinda de Cristo, será natural considerar os crentes desta dispensação como já vivendo na era futura, embora somente em princípio. Esta descrição da condição deles não é incomum no Novo Testamento. O reino de Deus já está presente, a vida eterna já se realizou em princípio, o Espírito é o penhor das primícias da herança celestial, e os crentes já estão sentados nos lugares celestiais com Cristo. Mas, conquanto algumas das realidades escatológicas sejam assim projetadas para o presente, não se realizarão plenamente, até ao tempo da consumação futura. E quando falamos de “escatologia”, temos em mente mais particularmente os fatos e eventos que estão relacionados com a segunda vinda de Cristo e que marcarão o fim da presente dispensação e penetrarão nas glórias eternas do futuro.
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg669)

CONTEÚDO DA ESCATOLOGIA: ESCATOLOGIA GERAL E INDIVIDUAL

1. ESCATOLOGIA GERAL. O nome “escatologia” chama a tenção para o ato de que a história do mundo e da raça humana finalmente chegará à sua consumação. Não é um processo indefinido e infindável, mas uma história que se move em direção a um fim determinado. Segundo a Escritura, esse fim virá com uma tremenda crise, e os fatos e eventos associados a esta crise compõem o conteúdo da escatologia. Estritamente falando, também determinam os seus limites. Mas, uma vez que outros elementos podem ser incluídos sob o título geral, é costume falar da série de eventos ligados ao retorno de Jesus Cristo e ao fim do mundo como constituindo a escatologia geral – uma escatologia que diz respeito a todos os homens. Os assuntos que requerem consideração nesta divisão são o retorno de Cristo, a ressurreição geral, o juízo final, a consumação do Reino e a condição final dos justos e os ímpios.
2. ESCATOLOGIA INDIVIDUAL. Além dessa escatologia geral, há também uma escatologia individual, que deve ser levada em consideração. Os eventos citados podem constituir a escatologia completa, no sentido estrito da palavra; todavia, não podemos fazer justiça a isto sem mostrar como as gerações que morreram participarão nos eventos finais. Para o indivíduo, o fim da presente existência vem com a morte, que o transfere completamente da era presente para a futura. Na medida em que é removido da presente era, com o seu desenvolvimento histórico, é introduzido na era futura, que é a eternidade. Na mesma medida em que há uma mudança de localidade, há também uma mudança de era. As coisas referentes à condição do indivíduo, entre a sua morte e a ressurreição geral, pertencem à escatologia pessoal ou individual. A morte física, a imortalidade da alma e a condição intermediária requerem discussão aqui. O estudo destes assuntos atenderão ao propósito de relacionar a condição dos que morrem antes da parousia com a consumação final.
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg670)