Da discussão da regeneração e da vocação
eficaz é natural a transição para a da conversão. Pela operação do Espírito,
aquelas redundam nesta. A conversão pode ser uma crise agudamente marcante, mas
também pode vir na forma de um processo gradual. Na psicologia da religião,
geralmente a regeneração e a conversão são identificadas. Tudo isso indica a
estreita relação entre ambas.
A. Os Termos
Bíblicos Para Conversão.
A. Os Termos
Bíblicos Para Conversão.
1. VOCÁBULOS DO VELHO TESTAMENTO. O Velho
Testamento emprega especialmente duas palavras para a conversão, a saber:
a. Nacham, que serve para expressar
um profundo sentimento, ou de tristeza (no niphal) ou de alívio (no piel).
No niphal significa arrepender-se, e este arrependimento com freqüência
é acompanhado por uma mudança de plano ou de ação, ao passo que no piel
significa consolar-se. Como um designativo de arrependimento – e é este o
sentido que nos interessa aqui – é empregado não somente com referência ao
homem, mas também a Deus, Gn 6.6, 7; Ex 32.14; Jz 2.18; 1 Sm 15.11.
b. Shubh, que é a palavra mais comum
para conversão, significa volver, voltar-se, virar e retornar. Muitas
vezes foi utilizado num sentido literal, tanto com relação a Deus como com
relação ao homem, mas logo adquiriu uma significação religiosa e ética. Este
sentido é mais proeminente nos profetas, onde se refere ao retorno de Israel ao
Senhor, depois de ter-se apartado dele. A palavra mostra claramente que aquilo
que o Velho Testamento denomina conversão é uma volta para Deus, de quem o
pecado separou o homem. Este é um importante elemento da conversão. Acha
expressão nas palavras do filho pródigo; “Levantar-me-ei e irei ter com meu
pai”, ou, na versão utilizada pelo Autor: “Voltarei, e irei a meu pai” (Lc 15.18).*
2. VOCÁBULOS DO NOVO TESTAMENTO. Há
particularmente três palavras que requerem consideração aqui:
a. Metanoia (forma verbal, metanoeo).
Esta é a palavra mais comum para conversão no Novo Testamento, e também é o
mais fundamental dos termos empregados. A palavra é composta de meta e nous,
que por sua vez é relacionado com o verbo ginosko (latim noscere;
português, conhecer), tudo referente à vida consciente do homem. A tradução
comum na Bíblia, “arrependimento”, não faz plena justiça ao original, visto que
dá indevida proeminência ao elemento emocional. Trench assinala que no grego
clássico a palavra significa: (1) conhecer depois, pós-conhecimento;
(2) mudar a mente com resultado deste pós-conhecimento; (3) em
conseqüência desta mudança da mente, lamentar o curso seguido; e (4) uma
mudança da conduta quanto ao futuro, resultante de todos os fatores
anteriores. Contudo, podia indicar uma mudança para pior, bem como para melhor,
e não incluía necessariamente uma resipiscentia – um voltar a ser sábio.
No Novo Testamento, o seu sentido é aprofundado, e denota primariamente uma
mudança do entendimento, passando a ter uma visão mais sábia do passado,
incluindo o pesar pelo mal praticado e levando a uma mudança da vida para
melhor. Aqui o elemento de resipiscentia está presente. Em sua obra
sobre O Grande Significado de Metanoia (The Great Meaning of Metanoia),
Walden chega à conclusão de que o termo veicula a idéia de “uma mudança geral
da mente que se torna, em se desenvolvimento mais completo, uma regeneração
intelectual e moral”.[1]
Embora sustentando que a palavra denota primariamente uma mudança da mente, não
devemos perder de vista que os seu significado não s limita à consciência
intelectual, teórica, mas também inclui a esfera moral, a consciência propriamente
dita. Tanto a mente como a consciência estão corrompidas, Tt. 1.15, e quando a nous
de uma pessoa é mudada, ela não só recebe novo conhecimento, mas também a
direção da sua vida consciente, a sua qualidade moral, é mudada também. Para
particularizar mais, a mudança indicada pela palavra metanoia tem que
ver. (1) com a vida intelectual, 2 Tm 2.25, para um melhor conhecimento de Deus
e da Sua verdade, e uma salvadora aceitação desta (idêntica à ação da fé); (2)
com a vida volitiva consciente, At 8.22, para um voltar-se para Deus que esta
mudança é acompanhada por uma tristeza segundo Deus, 2 Co 7.10, e abre novos
campos de fruição para o pecador. Em todos estes aspectos metanoia
inclui uma oposição consciente à anterior. Esta oposição constitui um elemento
essencial seu e, portanto, merece cuidadosa atenção. Converte-se não é apenas
passar de uma direção consciente para outra, mas fazê-lo com uma aversão
claramente percebida para com a direção anterior. Noutras palavras, metanoia
tem, não somente um lado positivo, mas também um lado negativo: olha
retrospectivamente e também prospectivamente. A pessoa convertida torna-se
consciente da sua ignorância e do seu erro, da sua obstinação e da sua loucura.
Sua conversão inclui a fé e o arrependimento. É triste dizer, mas a igreja foi
aos poucos perdendo de vista o sentido original de metanoia. Na teologia
latina, Lactânio a traduziu “resipiscentista”, um voltar a ser sábio,
como se a palavra derivasse de meta e anoia, e denotasse um retorno da loucura
ou da insensatez. Contudo, a maioria dos escritores latinos nos preferiu
traduzi-la por “poenitentia”, o vocábulo que denota a tristeza e o pesar
que se seguem quando uma pessoa para a Vulgata como tradução de metanoia,
e sob, a influência da Vulgata, os tradutores ingleses traduziram a palavra
grega por “repentance” (arrependimento), dando assim, ênfase ao elemento
emocional e fazendo de metanoia um termo equivalente a metameleia.
Nalguns casos, a deterioração foi mais longe ainda. A Igreja Católica Romana
exteriorizou a idéia de arrependimento em seu sacramento da penitência, de modo
que o termo metaonoeite do Testamento Grego (Mt 3.2) tornou-se poenitentiam
agite – “fazei penitência”, na Versão Latina.
b. Epistrophe (forma verbal, epistrepho).
Esta palavra é a segunda em importância em seguida a metanoia. Enquanto
na Septuaginta metanoia é uma das traduções de nacham, as
palavras epistrophe servem para traduzir as palavras hebraicas teshubhah
e shubh. São usadas constantemente no sentido de retornar ou voltar.
As palavras gregas devem ser lidas à luz do hebraico, para extrair-se o
importante ponto, que a virada indicada é em realidade um retorno. No
Novo Testamento, o substantivo epistrophe é usado só uma vez, em At
15.3, ao passo que o verbo ocorre várias vezes. Tem significação um tanto mais
ampla que metanoeo, e realmente indica ao ato final da conversão.
Denota, não apenas uma mudança da nous (da mente), mas acentua o fato de
que uma nova relação é estabelecida, que a vida ativa é levada a mover-se
noutra direção. É preciso ter isto em mente na interpretação de At 3.19, onde
os dois termos são usados um ao lado do outro. Às vezes metanoeo contém
unicamente a idéia de arrependimento enquanto que epistrepho sempre
inclui o elemento fé. Metanoeo e pisteuein podem ser usados um ao
lado do outro; não assim com epistrepho e pisteuein.
c. Metameleia (forma verbal, metamelomi).
Somente a forma verbal é utilizada no Novo Testamento, e significa literalmente
vir a afligir-se depois. É uma das traduções do hebraico nacham
na Septuaginta. No Novo Testamento acha-se somente cinco vezes, a saber, em Mt
21.29, 32; 27, 3; 2 Co 7.10; Hb 7.21. É evidente, graças a estas passagens, que
a palavra faz sobressair o elemento de arrependimento, embora não seja
necessariamente o arrependimento verdadeiro. Nele o elemento negativo,
retrospectivo e emocional está acima de tudo mais, enquanto que metanoeo também
inclui um elemento volitivo e denota uma enérgica virada da vontade. Enquanto metanoeo
ás vezes é usado no imperativo, nunca acontece isso com metamelomai.
Os sentimentos não se deixam comandar. Esta palavra corresponde mais de perto
ao termo latino poenitentia do que a palavra metanoeo.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 480)