sábado, 25 de agosto de 2012

A Doutrina da Ceia do Senhor na História

1. ANTES DA REFORMA. Já na era apostólica a celebração da Ceia do Senhor era acompanhada de agapae ou festas do amor, para as quais o povo trazia os ingredientes necessários, e que às vezes levavam a tristes abusos, 1 Co 11.20-22. No transcurso do tempo, as oferendas assim trazidas passaram a ser chamadas oblações e sacrifícios, e eram abençoadas pelo sacerdote com uma oração de ação de graças. Gradativamente esses nome foram sendo aplicados aos elementos da Ceia do Senhor, de modo que estes assumiram o caráter de um sacrifício apresentado pelo sacerdote, e a ação de graças veio a ser considerada como uma consagração daqueles elementos. Enquanto alguns dos chamados pais primitivos (Orígenes, Basílio, Gregório de Nazianzo) retinham a concepção simbólica ou espiritual do sacramento, outros (Cirilo, Gregório de Nyssa, Crisóstomo) afirmavam que a carne e o sangue de Cristo de algum modo se combinavam com o pão e o vinho no sacramento. Agostinho retardou por longo tempo o desenvolvimento realista da doutrina da Santa Ceia. Apesar de falar do pão e do vinho como o corpo e o sangue de Cristo, ele distinguia entre o sinal e a coisa significada, e não cria numa transformação da substância. Negava que os ímpios, mesmo recebendo os elementos, também recebessem o corpo, e acentuava o aspecto comemorativo da Ceia do Senhor.
Durante a Idade Média o conceito agostiniano aos poucos foi sendo substituído pela doutrina da transubstanciação. Ainda em 818 AD, Paschasius Radbertus já propusera formalmente esta doutrina, mas encontrara forte oposição da parte de Rabanus Maurus e Ratramnus. No século onze irrompeu de novo uma furiosa controvérsia sobre o assunto, entre Berenger de Tours e Lanfranc. Este fez a grosseira afirmação de que “o verdadeiro corpo de Cristo estava de fato nas mãos do sacerdote, e era partido e mastigado pelos dentes dos fiéis”. Esta concepção foi definida finalmente por Hildebert de Tours (1134) e designada como doutrina da transubstanciação. Foi adotada formalmente pelo quarto Concílio de Latrão, em 1215.
Muitas questões relacionadas com esta doutrina foram debatidas pelos escolásticos, como as referentes à duração da mudança do pão e do vinho no corpo e no sangue de Jesus Cristo, à maneira da presença de Cristo em ambos os elementos, à relação existente entre substância e acidente, à adoração da hóstia, etc. A formulação final da doutrina foi dada pelo Concílio de Trento e está registrada na Sessio XIII dos seus Decretos e Cânones. Oito capítulos e onze cânones lhe são dedicados. Só podemos mencionar os pontos mais importantes aqui: Jesus Cristo está verdadeira, real e substancialmente presente no santo sacramento. O fato de que Ele está assentado à destra de Deus não exclui a possibilidade da Sua presença substancial e sacramental em vários lugares simultaneamente. Pelas palavras de consagração, a substância do pão e do vinho é transformada no corpo e no sangue de Cristo. Cristo completo está presente sob cada espécie e sob cada partícula de uma e outra espécies. Cada pessoa que receber uma partícula da hóstia, receberá o Cristo completo. Ele está presente nos elementos até mesmo antes de serem recebidos pelos comungantes. Em vista desta presença, a adoração da hóstia é simplesmente natural. O sacramento efetua um “aumento da graça santificante, graças especiais atuais, a remissão dos pecados veniais, a preservação de pecado grave (mortal), e a confiante esperança da salvação eterna”.
2. DURANTE E APÓS A REFORMA. Os Reformadores, todos eles, rejeitaram a teoria sacrificial da Ceia do Senhor e a doutrina medieval da transubstanciação. Diferiam, porém, em sua positiva elaboração da doutrina escriturística da ceia do Senhor. Em oposição a Zwínglio, Lutero insistia na interpretação literal das palavras da instituição e na presença corporal de Cristo na Ceia do Senhor. Contudo, substituiu a doutrina da transubstanciação pela da consubstanciação, defendida exaustivamente por Occam em sua obra sobre o Sacramento do Altar (De Sacramento Altaris), e segundo a qual Cristo está “em, com e sob” os elementos. Zwínglio negava absolutamente a presença corporal de Cristo na Ceia do Senhor e dava interpretação figurada das palavras da instituição. Ele via primariamente no sacramento um ato de comemoração, embora não negasse que nele Cristo está espiritualmente presente à fé dos crentes.
Calvino defendia uma posição intermediária. Como Zwínglio, ele negava a presença corporal do Senhor no sacramento, mas em distinção de Zwínglio, insistia na presença real, ainda que espiritual, do Senhor na Ceia, na presença dele como uma fonte de virtude ou poder e eficácia.. além disso, em vez de acentuar a Ceia do Senhor como ato do homem (quer de comemoração quer de profissão), ele salientava o fato de que ela é, acima de tudo, a expressão de uma dádiva da graça de Deus ao homem, e só secundariamente uma refeição comemorativa e um ato de profissão. Para ele, como também para Lutero, era primordialmente um meio divinamente designado para o fortalecimento da fé. Os socinianos, os arminianos e os menonitas viam na Ceia do Senhor apenas um memorial, um ato de profissão e um meio para melhoramento moral. Sob a influência do racionalismo, este se tornou o conceito popular. Scheleiermacher acentuava o fato de que a Ceia do Senhor é o meio pelo qual a comunhão de vida com Cristo é preservada de maneira particularmente dinâmica no seio da igreja. Muitos dos teólogos “da Mediação”, embora pertencentes à igreja luterana, rejeitavam a doutrina da consubstanciação e aprovavam o conceito calvinista da presença espiritual de Cristo na Ceia do Senhor.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof)

Nomes Bíblicos para a Ceia do Senhor

Enquanto há apenas um único nome para o sacramento iniciatório no Novo Testamento, há vários para o sacramento ora sob consideração, todos os quais são derivados da Escritura. São os seguintes: (1) Deipnon kyriakon, a Ceia do Senhor, nome derivado de 1 Co 11.20. Nos círculos protestantes, este é o nome mais comum. Subentende-se que na passagem indicada o apostolo quer fazer aguda distinção entre o sacramento e as agapae,que os coríntios relacionavam com ele e nas quais cometiam abusos, deste modo tornando ambos incompatíveis. A ênfase especial recai no fato de que a Ceia é do Senhor. Não é uma ceia para a qual os ricos convidam os pobres e depois os tratam mesquinhamente, mas uma festa na qual o Senhor oferece provisão a todos com abundância. (2) Trapeza kyriou, a mesa do Senhor, nome que se acha em 1 Co 10.21. Os gentios coríntios faziam suas ofertas aos ídolos e, depois dos seus sacrifícios, assentavam-se para as refeições sacrificiais; e o que se infere é que alguns da igreja de Corinto achavam que lhes era permissível juntar-se a eles, entendendo que toda carne é igual. Mas Paulo assinala que sacrificar aos ídolos é sacrificar aos demônios, e que associar-se a essas refeições sacrificiais é equivalente a exercer comunhão com os demônios. Isso estava em absoluto conflito com o sentar-se à mesa do Senhor, confessar lealdade a Ele e exercer comunhão com Ele. (3) Klasis tou artou, o partir do pão, expressão utilizada em At 2.42; cf. também At 20.7. Embora seja uma expressão que, com toda a probabilidade, não se refere exclusivamente à Ceia do Senhor, mas também às festas do amor, certamente inclui também a Ceia do Senhor. O nome pode igualmente achar sua explicação no partir do pão ordenado por Jesus. (4) Eucharistia, ação de graças, e eulogia, bênção, termos derivados de 1 Co 10.16; 11.24. Em Mt 26.26, 27 lemos que o Senhor tomou um pão e abençoou, e tomou um cálice e deu graças. Com toda a probabilidade, as duas palavras foram usadas uma pela outra e se referiam a uma bênção e a uma ação de graças combinadas. O cálice da ação de graças e da bênção é o cálice sagrado.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof)

Instituição da Ceia do Senhor

1. DIFERENTES NARRATIVAS DA INSTITUIÇÃO. Há quatro diferentes narrativas da instituição da Ceia do Senhor, uma em cada um dos sinóticos, e uma em 1 Co 11. João fala do comer a páscoa, mas não menciona a instituição de um novo sacramento. As referidas narrativas são independentes umas das outras e se complementam. Evidentemente, o Senhor não terminou a refeição pascal antes de instituir a Ceia do Senhor. O novo sacramento estava ligado ao elemento central da refeição pascal. O pão, que era comido com o cordeiro, foi consagrado para um novo uso. Isso é evidenciado pelo fato de que o terceiro cálice, geralmente chamado “cálice da bênção”, foi usado como segundo elemento no novo sacramento. Assim, o sacramento do Velho Testamento foi transferido para o Novo da maneira mais natural.
2. SUBSTITUIÇÃO DO CORDEIRO PELO PÃO. O cordeiro pascal tinha significação simbólica. Como todos os sacrifícios cruentos do Velho Testamento, ele ensinava ao povo que o derramamento de sangue era necessário para a remissão dos pecados. Em acréscimo a isto, ele tinha uma significação típica, apontando para o grande sacrifício futuro que seria apresentado na plenitude do tempo para tirar o pecado do mundo. E, finalmente, também tinha significação nacional como um memorial da liberdade de Israel. Era simplesmente natural que, quando o real Cordeiro de Deus fez Seu aparecimento e estava a ponto de ser morto, o símbolo e o tipo deviam desaparecer. O todo-suficiente sacrifício de Jesus Cristo tornou todo e qualquer outro derramamento de sangue desnecessário; e, portanto, era inteiramente próprio que o elemento cruento desse caminho a um elemento incruento que, como aquele, tivesse propriedades nutricionais. Além disso, pela morte de Cristo, a parede intermediária de divisão foi derrubada e as bênçãos da salvação foram estendidas ao mundo todo. E em vista disto, era muito natural que a páscoa, símbolo com sabor nacional, fosse substituído por outro, que não levasse consigo nenhuma implicação de nacionalismo.
3. SIGNIFICADO DOS DIFERENTES GESTOS E TERMOS.
a. Gestos simbólicos. Todas as narrativas da Ceia do Senhor fazem menção do partir o pão, e Jesus indica claramente que isto se destinava a simbolizar o partir do Seu corpo para a redenção dos pecadores. Porque Jesus partiu o pão na presença dos Seus discípulos, a teologia protestante geralmente insiste em que esse ato sempre deve ter lugar à vista do povo. Essa importante transação destinava-se a ser um sinal, e um sinal deve ser visível. Depois de repartir o pão, Jesus tomou o cálice, abençoou-o e o deu aos Seus discípulos. Não se vê que Ele tenha despejado o vinho na presença deles, e, portanto, isto não é considerado essencial para a celebração da Ceia do Senhor. Contudo, o doutor Wielinga infere do fato de que o pão deve ser partido, que o vinho também deve ser despejado à vista dos comungantes.[1] Naturalmente, Jesus usou pão não levedado, visto ser o único tipo à mão, e o vinho comum, amplamente usado como bebida na Palestina. Mas, nem uma coisa nem outra é salientada, e, portanto, não se segue que não seria permitido usar pão levedado e algum outro tipo de vinho. É fora de dúvida que os discípulos receberam os elementos numa posição reclinada, mas isto não significa que os crentes não possam participar deles sentados, de joelhos ou de pé.
b. Palavras Imperativas. Jesus acompanhou Seu gesto com palavras imperativas. Quando deu o pão aos Seus discípulos, disse: “Tomai, comei”. E ao dar essa ordem, sem dúvida Ele tinha em mente, não meramente o ato físico de comer, mas uma apropriação espiritual do corpo de Cristo, pela fé. É uma ordem que, embora dada primeiramente aos apóstolos, visava à igreja de todas as eras. De acordo com Lc 22.19 (comp. 1 Co 11.24), o Senhor acrescentou as palavras: “fazei isto em memória de mim”. Alguns inferem destas palavras que a Ceia instituída por Jesus não era mais que uma refeição comemorativa. É mais que evidente, porém, especialmente à luz de Jo 6.32, 33, 50, 51; 1 Co 11.26-30; que ela foi destinada a ser muito mais que isso; e, na medida em que tinha significação comemorativa, destinava-se a ser um memorial da obra sacrificial de Cristo, e não da Sua pessoa. Houve outra voz de comando em conexão com o cálice. Após distribuir o pão, o Senhor tomou também o cálice, deu graças e disse: “Bebei dele todos”, ou (segundo Lucas).* “Tomai-o e reparti-o entre vós”. Vê-se claramente que o cálice mesmo não poderia ser repartido. Estas palavras evidenciam perfeitamente que era intenção do Senhor que o sacramento fosse usado em ambas as espécies (sub utraque specie), e que Roma está errada ao privar os leigos do cálice. O uso dos dois elementos possibilitou a Cristo dar uma vívida representação da idéia de que o Seu corpo foi partido, que a carne e o sangue foram separados e que o sacramento nutre e vivifica a alma.
c. Palavras de explicação. A palavra de ordem em conexão com o pão é imediatamente seguida de uma palavra de explicação, que deu surgimento a ásperas discussões, a saber, “Isto é o meu corpo”. Estas palavras foram interpretadas de várias maneiras.
(1) A igreja de Roma entende que a copulativa “é” é enfática. Jesus quis dizer que o que tinha em mãos era realmente o Seu corpo, embora com aparência e sabor de pão. Mas esta posição é totalmente insustentável. Com toda a probabilidade Jesus falou em aramaico, não empregando nenhuma copulativa. E, estando diante dos Seus discípulos em corpo, não poderia dizer aos Seus discípulos, com seriedade, que segurava o Seu corpo em Sua mão. Além disso, mesmo no conceito católico romano, Ele não poderia dizer com veracidade, “Isto é o meu corpo” (literalmente), mas apenas, “Isto agora está se tornando o meu corpo”.
(2) Carlstadt defendeu o original conceito de que quando Jesus pronunciou essas palavras, apontou para o Seu corpo. Ele argumentava que o neutro touto (isto) não podia referir-se a artos (pão), que é masculino. Mas também se pode conceber o pão como uma coisa, e, neste caso, podemos referir-nos a ele como neutro. Ademais, a afirmação deita nesses termos seria vã, naquelas circunstâncias.
(3) Lutero e os luteranos também dão ênfase à palavra “é”, embora admitam que Jesus estava falando figuradamente. Segundo eles, a figura não era uma metáfora, mas uma sinédoque. O Senhor simplesmente quis dizer aos Seus discípulos: Onde tendes o pão, tendes meu corpo nele, sob ele e junto dele, embora a substância de ambos continue distinta. Este conceito leva o peso da impossível doutrina da onipresença do corpo físico do Senhor Jesus.
(4) Calvino e as igrejas reformadas (calvinistas) entendem metaforicamente as palavras de Jesus: “Isto é (isso é, significa, simboliza) o meu corpo”. Essa declaração era tão inteligível para os discípulos como o eram outras declarações similares, como “Eu sou o pão da vida”, Jo 6.35, e “Eu sou a videira verdadeira”, Jo 15.1. Ao mesmo tempo, rejeitam o conceito, geralmente atribuído a Zwínglio, de que o pão simboliza meramente o corpo de Cristo, e salientam o fato de que ele também serve para selar as misericórdias pactuais de Deus e para comunicar nutrição espiritual. A estas palavras Jesus acrescenta esta afirmação, “oferecido por vós” (Lc 22.19), ou “que é dado por vós” (1 Co 11.24). Com toda a probabilidade, estas palavras expressam a idéia de que o corpo de Jesus é dado para benefício ou no interesse dos discípulos. É dado pelo Senhor para assegurar a redenção deles. Naturalmente, é um sacrifício (a morte de Cristo), não somente para os discípulos imediatos do Senhor, mas também para todos os que crêem.
Há também uma palavra de explicação em conexão com o cálice. O Senhor faz a significativa declaração: “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor e vós”, Lc 22.20. Estas palavras veiculam um contraste implícito entre o sangue do Salvador, como o sangue da nova aliança, e o sangue da antiga aliança mencionado em Ex 24.8. Este último era apenas uma imprecisa representação da realidade do Novo Testamento. As palavras “em favor de vós” não têm aplicação mais ampla que as da declaração feita com relação ao pão, “que é dado por vós”. Não devem ser entendidas no sentido irrestrito de “em favor de todos os homens, indiscriminadamente”, mas, antes, no sentido limitado de “em favor de vós e todos os que realmente são meus discípulos”. As palavras de conclusão em 1 Co 11.26, “Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha”, indicam o perene significado da Ceia do Senhor como um memorial da morte sacrificial de Cristo; e anunciam claramente que ela deve ser celebrada regularmente, até o retorno do Senhor.


[1] Ons  Avondmaals Formulier, p. 243, 244.
* Na versão utilizada pelo Autor. Nota do tradutor.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof)

As Realidades Significadas e Seladas na Ceia do Senhor

1. AS COISAS SIGNIFICADAS NO SACRAMENTO. Uma das características do sacramento é que ele representa uma ou mais verdades espirituais mediante sinais perceptíveis e externos. No caso da Ceia do Senhor, o sinal externo inclui não somente os elementos visíveis empregados, mas também o partir do pão e o derramamento do vinho, a apropriação do pão e do vinho pelo comer e beber, e a participação deles em comum com outras pessoas. Os seguintes pontos devem ser mencionados aqui:
a. É uma representação simbólica da morte do Senhor, 1 Co 11.26. O fato central da redenção, prefigurado nos sacrifícios do Velho Testamento, é exposto claramente por meio dos significativos símbolos do sacramento do Novo Testamento. As palavras da instituição, “dado por vós” e “derramado em favor de muitos”, indicam o fato de que a morte de Cristo é sacrificial, em benefício do Seu povo, e mesmo em lugar deste.
b. Simboliza também a participação do crente no Cristo crucificado. Na celebração da Ceia do Senhor, os participantes não ficam apenas a olhar para os símbolos, mas os recebem e se alimentam deles. Falando figuradamente, eles comem a carne do Filho do homem e bebem o Seu sangue, Jo 6.53, isto é, assimilam simbolicamente os benefícios assegurados pela morte sacrificial de Cristo.
c. Representa, não somente a morte de Cristo como objeto de fé, e o ato de fé que une o crente a Cristo, mas também o efeito desse ato, dando vida, força e alegria à alma. Isso está implícito nos emblemas utilizados. Precisamente como o pão e o vinho nutrem e fortalecem a vida corporal do homem, assim Cristo sustenta e revigora a vida da alma. Segundo as descrições normais da Escritura, os crentes têm sua vida, e força, e felicidade, em Cristo.
d. Finalmente, o sacramento simboliza também a união dos crentes uns com os outros. Como membros do corpo místico de Jesus Cristo, constituindo uma unidade espiritual, eles comem do mesmo pão e bebem do mesmo vinho, 1 Co 10.17; 12.23. Recebendo os elementos uns dos outros, eles exercem íntima comunhão uns com os outros.
2. AS COISAS SELADAS NA CEIA DO SENHOR. A Ceia do Senhor não é somente um sinal, mas é também um selo. Em nossos dias esta visão foi perdida por muitos que têm um conceito deveras superficial do sacramento, e o consideram apenas como um memorial de Cristo e como um distintivo da profissão cristã. Estes dois aspectos do sacramento, quais sejam, sinal e selo, não são independentes um do outro. O sacramento como sinal – ou, numa colocação diferente – o sacramento com tudo o que ele significa ou simboliza, constitui um selo. O selo está vinculado às coisas significadas, e é um penhor da graça pactual de Deus revelada no sacramento. O Catecismo de Heidelberg afirma que Cristo visa, “com estes sinais e penhores visíveis, garantir-nos que realmente somos participantes do Seu verdadeiro corpo e sangue, pela operação do Espírito Santo, quando recebemos pela boca do corpo estas santas insígnias em rememoração dele; e que todos os Seus sofrimentos e obediência são tão certamente nossos como se nós mesmos, em nossas pessoas, tivéssemos sofrido e prestado satisfação a Deus pelos nossos pecados”.[1] Os seguintes pontos entram em consideração aqui:
a. Ele sela, para o participante, o grande amor de Cristo, revelado no fato de que Ele se rendeu a uma vergonhosa e amarga morte por eles. Isto não significa meramente que o sacramento atesta a realidade dessa auto-rendição sacrificial, mas, sim, que assegura ao crente participante da Santa Ceia que ele foi, pessoalmente, objeto desse amor incomparável.
b. Além disso, ele afiança ao crente que participa do sacramento, não somente o amor e a graça de Cristo em oferecer-se agora a eles como Seu Redentor e em toda a plenitude da Sua obra redentora; mas lhe dá a certeza pessoal de que todas as promessas da aliança e todas as riquezas do oferecimento do Evangelho são suas, graças a uma doação divina, de maneira que ele tem direito pessoal a elas.
c. Ainda, o sacramento não somente ratifica ao crente participante as ricas promessas do Evangelho, mas lhe garante que as bênçãos da salvação são suas, como possessão real. Tão seguramente como o corpo é alimentado e renovado pelo pão e pelo vinho, assim a alma que recebe o corpo e o sangue de Cristo pela fé, está agora de posse da vida eterna, e com a mesma segurança a receberá mais abundantemente ainda.
d. Finalmente, a Ceia do Senhor é um selo recíproco. É uma insígnia de profissão da parte dos que participam do sacramento. Sempre que eles comem o pão e bebem o vinho, professam sua fé em Cristo como o seu Salvador, e sua fidelidade a Ele como o seu Rei, e solenemente se comprometem a uma vida de obediência aos Seus divinos mandamentos.


[1] Dia do Senhor , perg. 79.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof)

A União Sacramental ou a Questão da Presença Real de Cristo na Ceia do Senhor

Com esta questão estamos entrando naquilo que durante muito tempo foi, e ainda é, ocasião para consideráveis diferenças de opinião na igreja de Jesus Cristo. De modo nenhum há opinião unânime quanto à natureza da presença de Cristo na Ceia do Senhor. Especialmente quatro conceitos serão considerados aqui:
1. O CONCEITO DE ROMA. A igreja de Roma concebe a união sacramental num sentido físico. Dificilmente se pode, porém, justificar este conceito, quando se trata de uma união sacramental, pois, de acordo com a descrição feita por essa igreja, não há nenhuma união, no sentido próprio da palavra. O sinal não está ligado à coisa significada, mas abre caminho para ela, visto que aquele se transfere para esta. Quando o sacerdote profere a fórmula, “hoc est corpus meum” (“isto é o meu corpo”), o pão e o vinho se transformam no corpo e no sangue de Cristo. Admite-se que, mesmo após a mudança, os elementos têm aparência e gosto de pão e vinho. Conquanto a substância de ambos seja transformada, as suas propriedades permanecem as mesmas. Na forma de pão e vinho, o corpo e o sangue físicos de Cristo estão presentes. A suposta base escriturística para isto acha-se nas palavras da instituição, “isto é o meu corpo”, e em Jo 6.50 e segtes. Mas, é evidente que a primeira passagem é figurada, como as de Jo 14.6; 15.1; 10.9, e outras; e a última, compreendida literalmente, ensinaria mais do que o próprio católico romano estaria disposto a conceder, a saber, que todo aquele que come a Ceia do Senhor vai para o céu, ao passo que ninguém que não a coma obterá a vida eterna (cf. versículos 53, 54). Ademais, o versículo 63 indica claramente uma interpretação espiritual. Além do mais, é deveras impossível conceber o pão que Jesus partiu como sendo o corpo que o manipulava; e devemos notar que a Escritura lhe chama pão mesmo depois de, supostamente, se haver transubstanciado, 1 Co 10.17; 11.26, 27, 28. Este conceito de Roma também faz violência aos sentidos humanos, visto pedir-nos que acreditemos que o que tem sabor e aparência de pão e vinho, na verdade é carne e sangue; e à razão humana, visto exigir fé na separação entre uma substância e suas propriedades, e na presença de um corpo material em vários lugares ao mesmo tempo, sendo que as duas coisas são contrárias à razão. Conseqüentemente, a elevação e adoração da hóstia também está destituída de fundamento válido.
2. O CONCEITO LUTERANO. Lutero rejeitou a doutrina da transubstanciação e a substitui pela doutrina correlata da consubstanciação. Segundo ele, o pão e o vinho continuam sendo o que são,mas, não obstante, há na Ceia do Senhor uma misteriosa e miraculosa presença real da pessoa completa de Cristo, corpo e sangue, nos elementos, sob eles e junto deles. Ele e seus seguidores defendem a presença local do corpo e do sangue físicos de Cristo no sacramento. Às vezes os luteranos negam que ensinam a presença local de Cristo na Ceia, mas, nestes casos, atribuem ao termo “local” um sentido não pretendido por aqueles que atribuem este ensino a eles. Quando se diz que eles ensinam a presença local da natureza física de Cristo, isto não implica que todos os demais corpos ficam excluídos da mesma porção de espaço, nem que a natureza humana de Cristo não está em nenhuma outra parte, como, por exemplo, no céu; mas significa, sim, que a natureza física de Cristo está localmente presente na Ceia do Senhor, como o magnetismo está localmente presente no imã, e como a alma está localmente presente no corpo. Conseqüentemente, eles também ensinam a manducatio oralis (mastigação oral), o que significa que os que compartem os elementos na Ceia do Senhor, comem e bebem o corpo e o sangue do Senhor “com boca corporal”, e não meramente que se apropriam deles pela fé. Comungantes indignos também os recebem, mas para a sua condenação. Este conceito não é grande melhoramento da concepção católica romana, embora não envolva o freqüentemente repetido milagre de uma mudança de substância menos uma mudança de atributos. Realmente dá às palavras de Jesus o sentido de, “isto acompanha o meu corpo”, interpretação mais improvável que qualquer das outras. Além disso, leva sobre si o fardo da impossível doutrina da ubiqüidade da natureza humana glorificada no Senhor, que boamente diversos luteranos rejeitam.
3. O CONCEITO ZWINGLIANO. Há uma impressão amplamente generalizada, não inteiramente sem fundamento, de que o conceito que Zwínglio tinha da Ceia do Senhor era muito defeituoso. Geralmente se afirma que ele ensinava que o sacramento em foco é um simples sinal ou símbolo, representando ou simbolizando figuradamente verdades ou bênçãos espirituais; e que o seu recebimento é apenas uma comemoração daquilo que Cristo fez pelos pecadores, e, acima, de tudo, uma insígnia da profissão de fé cristã. Todavia, a rigor, isto não faz justiça ao Reformador suíço. Sem dúvida, algumas das suas afirmações dão a idéia de que, para ele, o sacramento era apenas um rito comemorativo e um sinal e símbolo do que o crente promete nele. Mas os seus escritos também contêm declarações que apontam para uma significação mais profunda da Ceia do Senhor e a vêem como selo ou penhor daquilo que Deus faz pelo crente no sacramento. De fato, parece que ele mudou um pouco de opinião com o transcorrer do tempo. É bem difícil determinar exatamente o que ele cria quanto a esta matéria. Evidentemente, era seu desejo extirpar da doutrina da Ceia do Senhor todo misticismo incompreensível, mostrando excessiva tendência para a clareza e simplicidade em sua exposição. Ocasionalmente se expressa no sentido de que se trata de mero sinal ou símbolo, uma comemoração da morte do Senhor. E conquanto fale de passagem dele como selo ou penhor, certamente não faz jus a esta idéia. Além disso, para ele a ênfase recai no que o crente promete no sacramento, e não no que Deus promete. Ele identificava o ato de alimentar-se do corpo de Cristo com a fé nele e uma confiante segurança apoiada em Sua morte. Ele negava a presença corporal de Cristo na Ceia do Senhor, mas não negava que Cristo esteja presente ali de maneira espiritual, à fé do crente. Cristo só está presente em Sua natureza divina e segundo a apreensão do crente participante.
4. O CONCEITO REFORMADO (CALVINISTA). Calvino objeta à doutrina de Zwínglio sobre a Ceia do Senhor, (a) que ela permite que a idéia do que o crente faz no sacramento eclipse a dádiva de Deus nele; e (b) que ela vê no ato de comer do corpo de Cristo nada mais, nem mais elevado, que a fé no Seu nome e a segura confiança na Sua morte. Segundo Calvino, o sacramento está vinculado não meramente à obra passada de Cristo, ao Cristo que morreu (como parece que Zwínglio pensava), mas também à presente obra espiritual de Cristo, ao Cristo que agora vive na glória. Ele crê que Cristo, embora não corporal nem localmente presente na Ceia, está, contudo, presente, e é desfrutado em Sua pessoa completa, corpo e sangue. Ele dá ênfase à união mística dos crentes com a pessoa completa do Redentor. Sua apresentação do assunto não é inteiramente clara, mas ele parece querer dizer que o corpo e o sangue de Cristo, embora ausentes e localmente presentes só no céu, comunicam uma influência vivificante ao crente, quando ele está no ato de receber os elementos. Essa influência, apesar de real, não é física, mas, sim, espiritual e mística, é mediada pelo Espírito Santo e está condicionada ao ato de fé pelo qual o comungante recebe simbolicamente o corpo e o sangue de Cristo. Quanto ao modo pelo qual é efetuada esta comunhão com Cristo, há uma dupla descrição. Às vezes é descrito como se, pela fé, o comungante alçasse o seu coração ao céu, onde Cristo está; às vezes, como se o Espírito Santo fizesse baixar a influência do corpo e do sangue de Cristo ao comungante. Dabney rejeita positivamente a apresentação feita por Calvino, segundo a qual o comungante participa do próprio corpo e sangue de Cristo no sacramento. Sem dúvida, este é um ponto obscuro na exposição de Calvino. Às vezes parece que dá demasiada ênfase ao corpo e ao sangue literais. Todavia, pode ser que suas palavras devam ser entendidas sacramentalmente, isto é, num sentido figurado. Este conceito de Calvino é o que se vê em nossos padrões confessionais.[1] Uma interpretação muito comum do dúbio ponto da doutrina de Calvino é que o corpo e o sangue de Cristo estão presentes apenas virtualmente, isto é, nas palavras do doutor Hodge, que “as virtudes e os efeitos do sacrifício do corpo do Redentor na cruz se fazem presentes no sacramento e, neste, são comunicados ao participante digno pelo poder do Espírito Santo, que utiliza o sacramento como Seu instrumento, segundo Sua vontade soberana.”[2]


[1] Cf. Conf. Belga, Art XXXV; Catecismo  de Heidelberg, Perguntas 75 e 76, e também a Forma para a celebração da Ceia do Senhor.
[2] Comm. on the Confession of Faith,  p. 492.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof)

A Ceia do Senhor Como Meio de Graça ou Sua Eficácia

O sacramento da Ceia do Senhor, instituído pessoalmente pelo Senhor como sinal e selo, também é, como tal, um meio de graça. Cristo o instituiu em benefício dos Seus discípulos e de todos os crentes. A clara intenção do Salvador era que os Seus seguidores tirassem proveito da sua participação nele. Isto ocorre do próprio fato de que Ele o instituiu como sinal e selo da aliança da graça. Pode-se inferir também do comer e do beber simbólicos, que indicam nutrição e vivificação, e de passagens como Jo 6.48-58 (independentemente da questão se esta se refere diretamente à Santa Ceia ou não), e 1 Co 11.17.
1. A GRAÇA RECEBIDA NA CEIA DO SENHOR. A Ceia do Senhor se destina a crentes, e, daí, não serve de instrumento para a originação da obra da graça no coração do pecador. Pressupõe-se a presença da graça de Deus nos corações dos participantes. Jesus a ministrou unicamente aos Seus seguidores professos; conforme At 2.42, 46, os que creram persistiam perseverantemente no partir do pão; e em 1 Co 11.28, 29 dá-se ênfase à necessidade de exame próprio antes da participação na Ceia do Senhor. A graça recebida no sacramento não difere, em espécie, da que os crentes recebem pela instrumentalidade da Palavra. O sacramento apenas aumenta a eficiência da Palavra e, portanto, aumenta a porção da graça recebida. É a graça de uma comunhão cada vez mais íntima com Cristo, de nutrição e vivificação espiritual, e de uma crescente segurança da salvação. A Igreja Católica Romana enumera especificamente a graça santificante, graças atuais especiais, a remissão dos pecados veniais, a preservação do fiel quanto ao pecado mortal, e a segurança da salvação.
2. O MODO PELO QUAL SE PRODUZ ESTA GRAÇA. Como funciona o sacramento com relação a isto? Será a Santa Ceia, de algum modo, uma causa meritória da graça conferida? Ela confere graça, independentemente da condição espiritual do participante, ou não?
a. O conceito católico romano. Para os católicos romanos, a Ceia do Senhor não é apenas um sacramento, mas também um sacrifício; é até mesmo, antes de tudo, um sacrifício. É “a renovação incruenta do sacrifício da cruz”. Isto não significa que na Ceia do Senhor, Cristo torna a morrer, mas que Ele sofre uma mudança externa que de algum modo equivale à morte. Não falou o Senhor do pão como o Seu corpo partido pelos discípulos, e do vinho como o Seu sangue derramando por eles? Os polemistas católicos romanos às vezes dão a impressão de que esse sacrifício tem caráter apenas representativo e comemorativo, mas não é esta a verdadeira doutrina dessa igreja. O sacrifício de Cristo na Santa Ceia é considerado como sendo um verdadeiro sacrifício, e se supõe que ele tem valor propiciatório. Quando se levanta a questão sobre o que esse sacrifício merece pelo pecador, as autoridades católicas romanas começam a fazer rodeios e a usar linguajar incoerente. A exposição de Wilmers em seu Manual da Religião Cristã (Handbook of the Christian Religion), utilizado como livro-texto em muitas escolas católicas romanas, pode ser citada como exemplo. Diz ele na página 348: “Pelos frutos do sacrifício da missa compreendemos os efeitos que ele produz para nós, considerando que é um sacrifício de expiação e impetração: (a) não somente graças sobrenaturais, mas também favores naturais; (b) remissão dos pecados, e da punição devida a eles. O que Cristo mereceu por nós, mediante Sua morte na cruz, é-nos aplicado no sacrifício da missa”. Após o sacrifício missa ser chamado sacrifício de expiação, a última sentença parece dizer que, afinal de contas, é somente um sacrifício no qual aquilo que Cristo mereceu por nós na cruz é aplicado aos participantes.
No que se refere à Ceia do senhor como sacramento, a Igreja Católica Romana ensina que o sacramento age ex opere operato, o que significa, “em virtude do ato sacramental propriamente dito, e não em virtude dos atos ou da disposição do ministro (ex opere operantis)”. Quer dizer que todo aquele que recebe os elementos, seja ímpio ou crente fiel, também recebe a graça simbolizada, concebida como uma substância contida nos elementos. O próprio rito sacramental transmite graça ao participante. Ao mesmo tempo, ela ensina também, deveras incoerentemente, como se vê, que os efeitos do sacramento podem ser parcial ou completamente frustrados pela existência de algum obstáculo, pela ausência daquela disposição que habilita a alma a receber graça, ou porque falta ao sacerdote a intenção de fazer o que a igreja quer.
b. O conceito protestante predominante. O conceito que prevalece nas igrejas protestantes é que o sacramento não age ex opere operato. Este não é em si mesmo uma causa ou fonte de graça, mas apenas um instrumento nas mãos de Deus. Sua operação efetiva depende, não só da presença da fé no participante, mas também da atividade da fé. Os incrédulos podem receber os elementos externos, mas não recebem a coisa simbolizada por eles. Todavia, alguns luteranos e os episcopais da Alta Igreja, em seu desejo de manter o caráter objetivo do sacramento, manifestam claramente uma tendência para adesão à posição da igreja de Roma. “Cremos, ensinamos e confessamos”, diz a Fórmula de Concórdia, “que não somente os verdadeiros crentes em Cristo, e os que se acercam dignamente da Ceia do Senhor, mas também os indignos e os descrentes recebem o verdadeiro corpo e sangue de Cristo; de maneira tal, no entanto, que estes não auferem nem consolo nem vida, mas, antes, o que recebem se transforma em seu juízo e condenação, se não se converterem e não se arrependerem (1 Co 11.27, 29)”.[1]


[1] VII. 7.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof)

As Pessoas para as Quais Foi Instituída a Ceia do Senhor

Analogias da Ceia do Senhor em Israel.

1. OS IDÔNEOS PARTICIPANTES DO SACRAMENTO. Em resposta à pergunta, “Para quem foi instituída a Ceia do Senhor?”, o Catecismo de Heidelberg diz: “Para aqueles que estão verdadeiramente descontentes consigo mesmos por seus pecados, e, todavia, confiam que estes lhes são perdoados por amor de Cristo, e que sua fraqueza subsistente é coberta por Sua paixão e morte; os quais também desejam fortalecer cada vez mais a sua fé e corrigir a sua vida”. Dessas palavras se vê que a Ceia do Senhor não foi instituída para todos os homens, indiscriminadamente, nem mesmo para todos os que acham espaço na igreja visível de Cristo, mas unicamente para os que se arrependem fervorosamente dos seus pecados, confiam que estes foram cobertos pelo sangue expiatório de Jesus Cristo, e estão desejosos de aumentar sua fé e de crescer num viver verdadeiramente santo. Os participantes da Ceia do Senhor têm que ser pecadores arrependidos, prontos a admitir que, por si mesmos, estão perdidos. Devem ter uma fé viva em Jesus Cristo, de modo que, para a sua redenção, confiam no sangue expiatório do Salvador. Além disso, devem ter correta compreensão da Ceia do Senhor, devem fazer correta avaliação dela, devem discernir entre ela e as refeições comuns, e devem fixar o fato de que o pão e o vinho são lembranças do corpo e do sangue de Cristo. E, finalmente, devem ter um santo desejo de crescimento espiritual e de cada vez maior conformidade com a imagem de Cristo.
2. OS QUE DEVEM SER EXCLUÍDOS DA CEIA DO SENHOR. Desde que a Ceia do Senhor é um sacramento da igreja e para ela, segue-se que os que estão fora da igreja não podem participar dela. Mas é necessário estabelecer mais limitações. Nem todos os que se acham na igreja podem ser admitidos na mesa do Senhor. Devemos notar as seguintes exceções:
a. As crianças, embora tenham tido permissão para comer a páscoa nos tempos do Velho Testamento, não podem ter permissão para participar da mesa do Senhor, visto não poderem satisfazer as exigências que se requerem para uma participação digna. Paulo insiste na necessidade de exame próprio antes da celebração, quando diz: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice”, 1 Co 11.28, e as crianças não são capazes de examinar-se a si mesmas. Além disso, ele assinala que, para uma digna participação da Ceia, é necessário discernir o corpo, 1 Co 11.29, isto é, distinguir apropriadamente entre os elementos utilizados na Ceia do Senhor e o pão e o vinho comuns, reconhecendo aqueles elementos como símbolos do corpo e do sangue de Cristo. E isso também está além da capacidade das crianças. Somente depois de terem elas atingido a idade da discrição é que poderão participar da celebração da Ceia do Senhor.
b. Os descrentes que acaso haja dentro dos limites da igreja não têm direito de participar da mesa do Senhor. A igreja já deve exigir de quantos desejam celebrar a Ceia do Senhor uma confiável profissão de fé. Naturalmente, ela não pode enxergar o íntimo do coração, e só pode basear seu julgamento a respeito de um candidato à admissão, em sua confissão de fé em Jesus Cristo. É possível que ocasionalmente admita hipócritas aos privilégios da plena comunhão, mas tais pessoas, se participarem da Ceia do Senhor, somente comerão e beberão juízo para si mesmas. E se a sua descrença e irreligiosidade se evidenciar, a igreja terá que excluí-las pela adequada aplicação eclesiástica. É preciso defender a santidade da igreja e do sacramento.
c. Nem mesmo os crentes verdadeiros podem participar da Ceia do Senhor em toda e qualquer condição e em toda e qualquer disposição mental. A condição da sua vida espiritual, sua consciente relação com Deus, e sua atitude para com os seus irmãos em Cristo podem ser tais que os desqualificam a envolver-se em exercícios espirituais do nível da celebração da Ceia do Senhor. Isso está claramente implícito no que Paulo diz em 1 Co 11.28-32. havia práticas entre os coríntios que faziam da sua participação na Ceia do Senhor um escárnio. Quando uma pessoa se sente conscientemente alheia ao Senhor ou aos seus irmãos, não tem lugar próprio em uma mesa que fala de comunhão. Contudo, é preciso estabelecer explicitamente que a falta de certeza da salvação não impede necessariamente alguém de vir à mesa do Senhor, visto que a Ceia do Senhor foi instituída com o propósito de fortalecer a fé.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Pode-se provar que a Ceia do Senhor tomou o lugar da páscoa do Velho Testamento? 2. Como? 3. É permissível cortar o pão em pequenos pedaços antes da ministração da Ceia do Senhor, e utilizar cálices individuais? 4. Que é que a expressão “presença real” significa em conexão com este sacramento? 5. A Bíblia ensina essa presença real? 6. Se ensina, favorece ela a idéia de que a natureza humana de Cristo está presente no estado de humilhação, ou no de glorificação? 7. Que pretende a doutrina reformada (calvinista) da presença espiritual? 8. O discurso de Jesus registrado em Jo 6 refere-se realmente à Ceia do Senhor? 9. Como Roma defende a celebração da Ceia do Senhor com uma espécie? 10. Como surgiu a concepção da Ceia do Senhor como sacrifício? 11. Que objeções existem a essa noção? 12. “Comer do corpo” equivale simplesmente a crer em Cristo? 13. É defensável a comunhão aberta a todos?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 590-644; Kuyper, Dict. Dogm., De Sacramentis, p. 158-238; Vos, Geref. Dogm. V, De Genademiddelen, p. 134-190; Hodge, Syst. Theol. III, p. 611-692; Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 800-817; Bannerman, The Church Christ II, p. 128-185; Cunningham, The Reformers and the Theology of the Reformation, p. 212-291; Valentine, Chr. Theol. II, p. 335-361; Schmid, Doct. Theol. of the Ev. Luth. Ch., p. 558-584; Browne, Exposition of the Thirty-Nine Articles, p. 683-757; Litton, Introd. To Dogm. Theol. p. 464-532; Cabdlish, The Christian Salvation, p. 179-204; Pieper, Christ. Dogm. III, p. 340-458; Pope, Chr. Theol., III, p. 325-334; Wilmers, Handbook of the Chr. Rel., p. 327-349; Moehler, Symbolism, p. 235-254; Schaff, Our Fathers’ Faith and Our, p. 322-353; Otten, Manual of the Hist. Of Dogma II, p. 310-337; Hebert, The Lord’s Supper (dois volumes), cf. índice; Ebrard, Das Dogma vom Heiligen Abendmahl, cf. índice; Calvin, Institutes, Livro IV, capítulos 17 e 18; Wielenga, Ons Avondemaalaformulier; Lambert, The Sacraments in the New Testament, p. 240-242; MacLeod, The Ministry and Sacraments of the Church of Scotland, p. 243-300.

(Teologia Sistemática – Louis Berkhof)

Legítimos Administradores do Batismo

Os católicos romanos consideram o batismo absolutamente essencial para a salvação; e porque acham cruel fazer que a salvação dependa da presença ou ausência acidental de um sacerdote, também, em casos de emergência, permitem que o batismo seja ministrado por outros, particularmente por parteiras. Apesar do conceito contrário de Cipriano, eles reconhecem o batismo dos hereges, a menos que a sua heresia envolva a negação da Trindade. As igrejas reformadas (calvinistas) sempre agiram com base no princípio de que a ministração da Palavra e a dos sacramentos são entrelaçadamente unidas e que, portanto, o presbítero docente ou ministro é o único legítimo administrador do batismo. A Palavra e o sacramento estão conjuntamente unidos nas palavras da instituição. E, uma vez que o batismo não é matéria privada, mas uma ordenança na igreja, elas afirmavam também que ele deve ser ministrado na assembléia pública dos crentes. Geralmente reconheciam o batismo doutras igrejas, não excluindo os católicos romanos, e também das diversas seitas, exceto no caso das igrejas e seitas que negavam a Trindade. Deste modo, recusavam-se a honrar o batismo dos socinianos e dos unitários.em geral, consideravam como válido o batismo administrado por um ministro devidamente acreditado e em nome do Deus triúno.*


* A Igreja Presbiteriana do Brasil inclui a Igreja Católica Romana entre as igrejas e seitas cujo batismo não é aceito, entre outras razões, pela profunda diferença de significação do batismo, particularmente no caso do batismo de crianças. Nota do tradutor.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof)

Os Objetos do Batismo

O batismo visa unicamente a seres racionais propriamente qualificados, a saber, a crentes e seus filhos. Roma perde isso de vista, na medida em que aplica o sacramento também a relógios, edifícios, etc. Há duas classes de seres humanos a que se deve aplicar o batismo, quais sejam, adultos e crianças pequenas.
1. O BATISMO DE ADULTOS. No caso dos adultos, o batismo tem que ser precedido por uma profissão de fé, Mc 16.16; At 2.41; 8.37 (ausente de alguns MSS); 16.31-33. Daí insistir a igreja em tal profissão antes de batizar adultos. E quando essa profissão é feita, esta é aceita pelo que ela vale nominalmente, a não ser que tenha boas razões objetivas para duvidar da sua veracidade. Não lhe compete espiar os segredos do coração e assim inspecionar a genuinidade de tal profissão. A responsabilidade pesa sobre a pessoa que a faz. O método de investigar a condição interna do coração com o fim de determinar a genuinidade da profissão de fé que a pessoa faz é labadista* e não está em harmonia com a prática das igrejas reformadas. Desde que o batismo não é apenas um sinal e selo, mas também um meio de graça, levanta-se a questão quanto à natureza da graça produzida por ele. Esta questão é levantada aqui unicamente com relação ao batismo de adultos.
Em vista do fato de que, segundo a nossa concepção reformada (calvinista), este batismo pressupõe a regeneração, a fé, a conversão e a justificação, não se pode conceber que estas são produzidas por ele. Neste aspecto divergimos da Igreja de Roma . Mesmo os luteranos, que atribuem ao batismo como meio de graça um poder maior do que o que os reformados lhe atribuem, concordam com estes sobre este ponto.tampouco o batismo produz uma graça sacramental especial que consista nisto, que o participante é implantado no corpo de Jesus Cristo. A incorporação do crente numa união mística com Cristo também é pressuposta. A Palavra e o sacramento produzem exatamente a mesma espécie de graça, exceto que a Palavra, em distinção do sacramento, também serve de instrumento para a originação da fé. O sacramento do batismo fortalece a fé e, porque a fé desempenha um importante papel em todas as outras operações da graça divina, estas também são grandemente beneficiadas por ele. O batismo representa primordialmente um ato da graça de Deus, mas, visto que o cristão professante deve submeter-se voluntariamente a ele, este também pode ser considerado do lado do homem. Há nele um oferecimento e um dom de Deus, mas também uma aceitação por parte do homem. Conseqüentemente, o batismo significa também que o homem aceita a aliança e assume as obrigações próprias dela. É um selo, não meramente de uma aliança oferecida, mas de uma aliança oferecida e aceita, isto é, decidida.
2. O BATISMO DE CRIANÇAS. É sobre a questão do batismo de crianças que se acha a mais importante divergência entre nós e os batistas. Estes afirmam, como o dr. Hovey, escritor batista o expressa, “que somente os crentes em Cristo têm direito ao batismo, e somente os que dão uma confiável prova da fé nele devem ser batizados”. Quer dizer que as crianças são excluídas do sacramento. Contudo, em todas as demais denominações** elas o recebem. Vários pontos requerem consideração em conexão com este assunto.
a. Base bíblica do batismo de crianças. Pode-se dizer de início que não há´nenhuma ordem explícita na Bíblia para batizar crianças, e que não há um único exemplo no qual se nos diga claramente que crianças foram batizadas. Mas isto não torna necessariamente antibíblico o batismo. O fundamento escriturístico do batismo de crianças acha-se nos seguintes dados:
(1) A aliança feita com Abrão era primariamente uma aliança espiritual, embora também tivesse um aspecto nacional, e desta aliança espiritual a circuncisão era um sinal e selo. É um procedimento infundado dos batistas partir esta aliança em duas ou três alianças diferentes. A Bíblia se refere à aliança com Abraão diversas vezes, mas sempre no singular, Ex 2.24; Lv 26.42; 2 Rs 13.23; 1 Cr 16.16; Sl 105.9. Não há sequer uma única exceção a esta regra. A natureza espiritual desta aliança é comprovada pela maneira segundo a qual suas promessas são interpretadas no Novo Testamento, Rm 4.16-18; 2 Co 6.16-18; Gl 3.8, 9, 14, 16; Hb 8.10; 11.9, 10, 13. decorre também do fato de que evidentemente a circuncisão era um rito que tinha significação espiritual, Dt 10.16; 30.6; Jr. 4.4; 9,25, 26; At 15.1; Rm 2.26-29; 4.11; Fp 3.2, e do fato de que a promessa da aliança é até denominada “o evangelho”, Gl 3.8.
(2) Esta aliança ainda está em vigência, e é essencialmente idêntica à “nova aliança” da presente dispensação. A unidade e continuidade da aliança em ambas as dispensações segue-se do fato de que o Mediador é o mesmo, At 4.12; 10.43; 15.10, 11; Gl 3.16; 1 Tm 2.5, 6; 1 Pe 1.9-12, a condição é a mesma, a saber, a fé, Gn 15.6 (Rm 4.3); Sl 32.10; Hb 2.4; At 10.43; Hb 11, e as bênçãos são as mesmas, quais sejam, a justificação, Sl 32.1, 2, 5; Is 1.18; Rm 4.9; Gl 3.6, a regeneração, Dt 30.6; Sl 51.10, dons espirituais, Jl 2.28, 32; At 2.17-21; Is 40.31, e a vida eterna, Ex 3.6; Hb 4.9; 11.10. Aos que foram levados à convicção no dia de Pentecostes Pedro deu a certeza de que a promessa era para ele e para os seus filhos, At 2.39. Paulo argumenta em Rm 4.13-18 e Gl 3.13-18 que a dádiva da lei não anulou a promessa, de sorte que ela ainda permanece na nova dispensação. E o escritor de Hebreus assinala que a promessa a Abraão foi confirmada com juramento, de modo que os crentes neotestamentários podem haurir consolo da sua imutabilidade, Hb 6.13-18.
(3) Pela determinação de Deus, as crianças participavam dos benefícios da aliança, e, portanto, recebiam a circuncisão como sinal e selo. Segundo a Bíblia, a aliança é, evidentemente, um conceito orgânico, e sua realização segue linhas orgânicas e históricas. Há um povo ou nação de Deus, um conjunto orgânico tal que só pode constituir-se de famílias. Naturalmente, esta idéia de nação é muito proeminente no Velho Testamento, mas o notável é que ela não desapareceu depois da nação de Israel ter servido ao seu propósito. Ela foi espiritualizada e, assim, passou para o Novo Testamento, de modo que o povo de Deus, no Novo Testamento, também é apresentado como nação, Mt 21.43; Rm 9.25, 26 (comp. Oséias 2.23); 2 Co 6.16; Tt 2.14; 1 Pe 2.9. Durante a antiga dispensação, as crianças eram consideradas parte integrante de Israel como o povo de Deus. Estavam presentes quando era renovada a aliança, Dt 29.10-13; Js 8.35; 2 Cr 20.13, tinham um lugar na congregação de Israel e, portanto, estavam presentes em suas assembléias religiosas, 2 Cr 20.13; Jl 2.16. Em vista de promessas ricas como as de Is 54.13; Jr 31.34; Jl 2.28, dificilmente esperaríamos que os privilégios de tais crianças fossem reduzidos na nova dispensação, e, certamente, não procuraríamos sua exclusão de todo e qualquer lugar na igreja. Jesus e os apóstolos não as excluíram, Mt 19.14; At 2.39; 1 Co 7.14. A referida exclusão por certo exigiria uma declaração muito explícita a respeito.
(4) Na nova dispensação o batismo, pela autoridade divina, substitui a circuncisão como o sinal e selo iniciatório da aliança da graça. A Escritura insiste vigorosamente em que a circuncisão não pode mais servir como tal, At 15.1, 2; 21.21; Gl 2.3-5; 5.2-6; 6.12, 13, 15. Se o batismo não lhe tomou o lugar, o Novo Testamento não tem nenhum rito iniciatório. Mas Cristo o estabeleceu como tal substituto, Mt 28.19, 20; Mc 16.15, 16. Seu sentido espiritual corresponde ao da circuncisão. Como a circuncisão se referia à eliminação do pecado e à mudança do coração, Dt 10.16; 30.6; Jr 4.4; 9.25, 26; Ez 44.7, 9, assim o batismo se refere ao lavamento purificador do pecado., At 2.38; 1 Pe 3.21; Tt 3.5, e à renovação espiritual, Rm 6.4; Cl 2.11, 12. esta última passagem claramente liga a circuncisão ao batismo e, ensina que a circuncisão de Cristo, isto é, a circuncisão do coração, simbolizada pela circuncisão da carne, é realizada pelo batismo, isto é, por aquilo que o batismo simboliza. Cf. também Gl 3.27, 29. Mas, se as crianças recebiam o sinal e selo da aliança na antiga dispensação, a pressuposição é que certamente elas têm direito de recebe-lo na nova, a qual os fiéis do Velho Testamento eram ensinados a aguardar como sendo uma dispensação muito mais completa e muito mais rica. Sua exclusão dela requereria uma declaração clara e inequívoca com esse fim, mas exatamente o oposto é que se vê, Mt 19.14; At 2.39; 1 Co 7.14.
(5) Como acima foi assinalado, o Novo Testamento não contém nenhuma evidência direta em favor da prática do pedobatismo nos dias dos apóstolos. Lambert, após considerar e sopesar todas as evidências à mão, expressa a sua conclusão com as seguintes palavras: “Então, as evidências do Novo Testamento parecem apontar para a conclusão de que o batismo de crianças, para dizer o mínimo, não era costume geral na era apostólica”.[1] Mas não há necessidade de ninguém se surpreender com o fato de não haver menção direta do batismo de crianças, pois num período missionário como o da era apostólica, naturalmente a ênfase recairia sobre o batismo de adultos. Além disso, nem sempre as condições eram favoráveis ao batismo de crianças. Os conversos não teriam de imediato uma adequada concepção dos seus deveres e responsabilidades pactuais. Às vezes somente um dos pais se convertia e é perfeitamente concebível que o outro se opusesse ao batismo dos filhos. Muitas vezes não havia razoável certeza de que os pais educariam os seus filhos piedosa e religiosamente, e, todavia, era necessária essa certeza. Ao mesmo tempo, a linguagem do Novo Testamento é perfeitamente coerente com uma continuação da administração orgânica da aliança, que exigia a circuncisão das crianças, Mt 19.14; Mc 10.13-16; At 2.39; 1 Co 7.14. Ademais, o Novo Testamento fala repetidamente do batismo de famílias, e não dá indicação de que isto seja considerado fora do comum, mas, antes, refere-se a esse fato como natural, At 16.15, 33; 1 Co 1.16. È, por certo, inteiramente possível, mas não muito provável, que nenhuma dessas famílias tivesse crianças. E se havia crianças, é moralmente certo que eram batizadas junto com seus pais. O certo é que o Novo Testamento não contém nenhuma prova de que pessoas nascidas e criadas em famílias cristãs não possam ser batizadas antes de chegarem à idade da discrição e de haverem professado sua fé em Cristo. Não há a mais ligeira alusão a alguma prática desse tipo.
(6) Wall, na introdução da sua História do pedobatismo (History of Infant Baptism), mostra que no batismo de prosélitos os filhos dos prosélitos muitas vezes eram batizados junto com seus pais; mas Edersheim diz que havia uma diferença de opiniões sobre este ponto.[2] Naturalmente, mesmo que isso acontecesse, nada provaria quanto ao batismo cristão, mas mostraria que não havia nada de estranho nesse procedimento. A mais antiga referência histórica ao batismo de crianças acha-se nos escritos da segunda metade do segundo século. A obra Didaquê fala do batismo de adultos, mas mão do pedobatismo; e conquanto Justino faça menção de mulheres que eram discípulas de Cristo desde a infância (ek paidon), esta porção dos seus escritos não menciona o batismo, e a expressão ek paidon não significa necessariamente infância. Irineu, falando de Cristo, diz: “Ele veio salvar por meio de Si próprio todos os que, por meio dele, nascem de novo para Deus, crianças e criancinhas, e meninos, e jovens e idosos”.[3] Este trecho, embora não mencione explicitamente o batismo, é considerado como a mais antiga referência ao batismo de crianças, visto que os chamados “pais primitivos” associavam tão estritamente o batismo à regeneração, que empregavam o termo”regeneração” em lugar de “batismo”. Que o batismo de crianças era praticado mui geralmente, é evidenciado pelos escritos de Tertuliano, embora ele próprio considerasse mais proveitoso protelar o batismo.[4] Orígenes o descreve como uma tradição dos apóstolos. Diz ele: “Pois isto havia também que a igreja tinha dos apóstolos uma tradição (ou, ordem) de dar o batismo até mesmo às crianças”.[5] O Concílio de Cartago (253 A.D.) toma o batismo de crianças como certo e simplesmente discute a questão sobre se elas deveriam ser batizadas antes dos oito dias de idade. Do segundo século em diante, o batismo de crianças é reconhecido normalmente, embora às vezes negligenciado na prática. Agostinho inferiu do fato de que ele era praticado pela igreja no mundo inteiro, apesar de não instituído nos concílios, que, com toda a probabilidade, foi estabelecido pela autoridade dos apóstolos. Sua legitimidade não foi negada até aos dias da Reforma, quando os anabatistas se opuseram a ele.
b. Objeções ao batismo de crianças. Algumas das objeções mais importantes ao pedobatismo reclamam breve consideração.
(1) A circuncisão era apenas uma ordenança carnal e típica, e, como tal, esta destinada a extinguir-se. Colocar o batismo no lugar da circuncisão é simplesmente dar continuidade à ordenança carnal. Ordenanças carnais que tais não têm lugar legítimo na igreja no Novo Testamento. Em nossos dias, esta objeção é levantada por alguns dispensacionalistas, como Bullinger e O’Hair, que alegam que o batismo instituído por Jesus está relacionado com o Reino, e que somente o batismo do Espírito tem um lugar próprio na igreja. O Livro de Atos marca a transição do batismo com água para o batismo com o Espírito. Naturalmente, este argumento provaria que todo batismo, o de adultos e o de crianças, é ilegítimo. Nesta apresentação do assunto, as dispensações judaica e cristã são postas em antagonismo uma contra a outra, como carnal e espiritual, dizendo-se que a circuncisão pertence à primeira delas. Mas este argumento é falaz. Não há base para por a circuncisão inteiramente ao nível das ordenanças carnais da lei mosaica. Diz Bannerman: “A circuncisão independia, quer da introdução que da abolição da lei de Moisés, e teria continuado de pé como ordenança para admissão na igreja de Deus como selo da aliança da graça, se o batismo não tivesse sido designado expressamente como seu substituto”.[6] Pode-se admitir que a circuncisão adquiriu certa significação típica no período mosaico, mas era primordialmente sinal e selo da aliança já feita com Abraão. Enquanto tipo, naturalmente cessou com o surgimento do antítipo, e mesmo como um selo da aliança, abriu alas para um sacramento incruento expressamente instituído por Cristo para a igreja e reconhecido como tal pelos apóstolos, visto que Cristo dera fim, uma vez por todas, ao derramamento de sangue referente à obra de redenção. À luz da Escritura, é inteiramente insustentável a posição segundo a qual o batismo se relaciona com o Reino, e não com a igreja, posição que, portanto, é judaica e não cristã. As próprias palavras da instituição condenam esse conceito, e o mesmo se dá com o fato de que, por ocasião do nascimento da igreja do Novo Testamento, Pedro exigiu dos que foram acrescentados a ela que fossem batizados. E se se disser que Pedro, sendo judeu, ainda seguia o exemplo de João Batista, pode-se assinalar que Paulo, o apóstolo dos gentios, também exigia que os seus conversos fossem batizados, At 1615, 33; 18.8; 1 Co 1.16.
(2) Não há ordem explícita para que as crianças sejam batizadas. Isto é perfeitamente certo, mas não refuta a validade do batismo de crianças. Deve-se observar que esta objeção se baseia numa regra de interpretação que os próprios batistas não seguem fielmente quando afirmam que os cristãos têm o dever obrigatório de celebrar o primeiro dia da semana como o seu Sabbath, ou seja, como o seu dia semanal de santo repouso, e que as mulheres também podem participar da Santa Ceia; pois estas coisas não foram ordenadas explicitamente. Poderia o silêncio da Escritura ser interpretado em prol do batismo de crianças, e não contra? Durante vinte séculos as crianças tinham sido iniciadas formalmente na igreja, e o Novo Testamento não diz que isto agora deve cessar, ao passo que de fato ensina que a circuncisão não serve mais para aquela finalidade. O Senhor Jesus instituiu pessoalmente outro rito, e no dia de Pentecostes Pedro disse aos que se ajuntaram à igreja que a promessa era para eles e para os seus filhos, e a quantos mais o Senhor chamasse. Esta declaração de Pedro prova, no mínimo, que ele continua tendo em mente a concepção orgânica da aliança. Além disso, pode-se levantar a questão sobre como os batistas podem provar que a sua posição é correta citando uma ordem expressa da Escritura. A Bíblia ordena em algum lugar que as crianças sejam excluídas do batismo? Ordena ela que todos os que nascem e são criados em famílias cristãs professem sua fé antes de serem batizados? É mais que patente que não existem essas ordens na Bíblia.
(3) Uma objeção estreitamente relacionada com a anterior é que não há exemplo de batismo de crianças no Novo Testamento. É certo que a Bíblia não diz explicitamente que foram batizadas crianças, embora nos informe que o rito foi ministrado a famílias inteiras. A ausência de referências definidas ao batismo de crianças tem explicação, ao menos em boa medida, no fato de que a Escritura nos dá um registro histórico da obra missionária dos apóstolos, e não da obra empreendida nas igrejas organizadas. Aí também o feitiço vira contra o feiticeiro, quanto aos batistas. Poderão mostrar eles algum exemplo de batismo de um adulto nascido e criado num lar cristão? Não há risco nenhum de que algum dia o façam.
(4) A objeção mais importante ao pedobatismo levantada pelos batistas é que, de acordo com a Escritura, o batismo está condicionado a uma fé ativa, que se revela numa profissão digna de crédito. Ora, é bem certo que a Bíblia apresenta a fé como um requisito do batismo, Mc 16:16; At 10.44-48; 16.14, 15, 31, 34. Se isto significar que todo aquele que recebe o batismo deve, em todos os casos, apresentar manifestações de fé ativa antes do batismo, naturalmente as crianças estarão excluídas. Mas, embora a Bíblia indique claramente que somente os adultos que criam eram batizados, em parte nenhuma firma a regra de que uma fé ativa é absolutamente essencial para receber-se o batismo. Os batistas nos remetem à grande comissão, nos termos de Mc 16.15, 16. em vista do fato de que este é um mandado missionário, podemos partir da suposição de que o Senhor tinha em mente uma fé ativa, ao dizer aquelas palavras. E, apesar de não vir exposto explicitamente, é inteiramente provável que Ele considerasse esta fé como um requisito da ministração do batismo às pessoas em vista. Quem são estas, porém?
Evidentemente, os adultos das nações que deviam ser evangelizadas, e, daí, os batistas não têm base para entendê-lo como argumento contra o pedobatismo. Se, não obstante, insistirem em faze-lo, dever-se-á assinalar que, em sua interpretação, aquelas palavras provam demais em favor deles, e, portanto, nada provam. As palavras do nosso Salvador implicam que a fé é um requisito do batismo daqueles que, graças aos esforços missionários da igreja, seriam levados a Cristo, e não implicam que também é um requisito do batismo de crianças. Os batistas generalizam essa declaração do Salvador ensinando que ela torna todo batismo dependente da fé ativa do batizando. Seu argumento vai como segue: A fé ativa é o requisito do batismo. As crianças não podem exercer fé. Portanto, as crianças não devem ser batizadas. Mas, dessa maneira, essas palavras também podem ser elaboradas como argumento contra a salvação de crianças, visto que elas não somente implicam, mas afirmam explicitamente que a fé (fé ativa) é a condição para a salvação. Assim, o batista que for coerente ver-se-á sob o peso do seguinte silogismo: A fé é a conditio sine qua non (condição indispensável) da salvação. As crianças ainda não podem exercer fé. Logo, as crianças não podem ser salvas. Mas esta é uma conclusão da qual o próprio batista recua.*
c. Base do batismo de crianças.
(1) Posição dos nossos padrões confessionais. A Confissão Belga declara no Art. XXXIV que os filhos pequenos de pais crentes “devem ser batizados e selados com o sinal da aliança, como anteriormente as crianças de Israel eram circuncidadas com base nas mesmas promessas feitas às nossas crianças”. O Catecismo de Heidelberg responde a pergunta, “As crianças também devem ser batizadas?”, como segue: “Sim, pois, desde que elas estão, como os adultos, incluídas na aliança e na igreja de Deus, e desde que tanto a redenção do pecado como o Espírito, o Autor da fé, lhes são prometidos não menos que aos adultos, mediante o sangue de Cristo, elas também devem, pelo batismo, como sinal da aliança, ser enxertadas na igreja cristã, e devem ser distinguidas dos filhos dos descrentes, como se fazia na antiga dispensação ou testamento pela circuncisão, em lugar da qual o batismo foi instituído na nova aliança”.[7] E os Cânones de Dort contêm a seguinte declaração em I, Art. 17: “Uma vez que devemos discernir a vontade de Deus em Sua Palavra, que atesta que os filhos dos crentes são santos, não por natureza, mas em virtude da aliança da graça, que os abrange juntamente com seus pais, os pais crentes não devem duvidar da eleição e salvação dos seus filhos, a quem praza a Deus chamar desta vida em sua infância (Gn 17.7; At 2.39; 1 Co 7.14)”. estas declarações dos nossos padrões confessionais estão em plena harmonia com a posição de Calvino, segundo a qual, os filhos pequenos de pais crentes, ou aqueles que têm somente um dos pais crentes, são batizados com base em sua relação pactual.[8] A nossa Forma para o Batismo de Crianças (Form for the Baptism of Infants) toca na mesma tecla: “Então, desde que o batismo tomou o lugar da circuncisão, as crianças devem ser batizadas como herdeiras do reino de Deus e da Sua aliança”. Observe-se que todas essas declarações se baseiam no mandamento de Deus que manda circuncidar os filhos da aliança, pois, em última análise, o mandamento é a base do batismo de crianças.*
Com fundamento em nossos padrões confessionais, pode-se dizer que os filhos pequenos de pais crentes são batizados com base em que são filhos da aliança e, como tais, são herdeiros das amplíssimas promessas pactuais de Deus, que incluem também a promessa de perdão dos pecados e da dádiva do Espírito Santo para a regeneração e a santificação. Na aliança Deus lhes dá certa concessão ou dádiva de maneira formal e objetiva, exige deles que, no devido tempo, aceitem isto pela fé, e promete fazer disso uma vívida realidade nas vidas deles, pela operação do Espírito Santo. E, em vista deste fato, a igreja deve considera-los como herdeiros prospectivos da salvação, deve considera-los como estando na obrigação de andar nas veredas da aliança, tem o direito de esperar que, sob uma fiel administração pactual, eles, falando em termos gerais, vivam segundo a aliança, e é seu dever considera-los como infratores da aliança, se não cumprirem as exigências desta. É unicamente deste modo que se faz plena justiça às promessas de Deus, que em toda a sua plenitude deverão ser assimiladas pela fé por aqueles que chegarem à maturidade. Assim, a aliança, incluindo as promessas pactuais, constitui a base legal e objetiva do batismo de crianças. O batismo é sinal e selo de tudo quanto as promessas abrangem.
(2) Diferenças de opinião entre os teólogos reformados (calvinistas). Nem todos os teólogos reformados concordavam no passado, e mesmo agora não são todos unânimes em sua apresentação da base do batismo de crianças. Muitos teólogos dos séculos dezesseis e dezessete assumiram a posição descrita no item anterior, a saber, que os filhos pequenos dos crentes são batizados porque estão na aliança e, nesta qualidade, são herdeiros das ricas promessas de Deus, que incluem o direito, não somente à regeneração, mas também a todas as bênçãos da justificação e das influências renovadoras e santificantes do Espírito Santo. Outros, porém, embora reconhecendo a veracidade dessa apresentação, não se satisfaziam inteiramente com ela. Acentuavam o fato de que o batismo é algo mais que sinal e selo de uma promessa, ou mesmo de todas as promessas da aliança, e que não é apenas o selo de um bem futuro, mas também de posses espirituais no presente. Prevaleceu o conceito de que o batismo é ministrado a crianças com base na regeneração presuntiva. Mas mesmo entre os que esposavam este conceito não havia pelo acordo. Alguns combinavam esta idéia com outra, enquanto outros substituíam aquela por esta. Alguns partiam do pressuposto de que todas as crianças apresentadas para o batismo são regeneradas, ao passo que outros só admitiam isto em conexão com as crianças eleitas. A diferença de opiniões entre os que criam que os filhos dos crentes são batizados com base em seu relacionamento pactual e na promessa da aliança, e os que viam esta base na regeneração presuntiva persistiu até os dias atuais e foi causa de vigorosa controvérsia, principalmente na Holanda, durante o último período do século dezenove e o princípio do século vinte.
A princípio, o doutor Kuyper falava da regeneração presuntiva como a base do batismo de crianças, e muitos aceitaram prontamente essa idéia. G. Kramer escreve sua esplêndida tese sobre Het Verband van Doop em Wedergeboorte especialmente em defesa dessa posição. Posteriormente, o doutro Kuyper deixou de usar de vez essa expressão, e alguns dos seus seguidores sentiram necessidade de uma discriminação mais cuidadosa e falavam da relação pactual como base legal do batismo de crianças, e da regeneração presuntiva como sua base espiritual. Mas, até mesmo esta ainda não é uma posição satisfatória. O doutor Honig, que também é um discípulo e admirador de Kuyper, está na pista certa quando diz, em seu recente* Manual de Dogmática Reformada (Handboek van de Gereformeerde Dogmatiek):[9] “Não batizamos os filhos pequenos dos crentes baseados numa pressuposição, mas numa ordem e num ato de Deus. As crianças devem ser batizadas em virtude da aliança de Deus” (versão inglesa de Berkof, do original holandês). A regeneração presuntiva naturalmente não pode ser considerada como a base legal do pedobatismo; esta só pode ser encontrada na promessa pactual de Deus. Além disso, ela não pode ser considerada a base em nenhum sentido da palavra, desde que o batismo tem que ser algo objetivo, como os próprios defensores do conceito em foco e sentem constrangidos a admitir. Se lhes perguntam por que presumem a regeneração das crianças apresentadas para o batismo, eles só podem responder: “Porque elas nasceram de pais crentes, isto é, porque nasceram na aliança”. Naturalmente, negar que a regeneração presuntiva é a base do batismo de crianças não equivale a dizer que é inteiramente destituído de base presumir que as crianças nascidas de pais crentes são regeneradas. Esta é uma questão que deve ser considerada com base em seus próprios méritos.
Talvez seja bom citar neste contexto a primeira metade do quarto ponto das Conclusões de Ultrecht, adotadas por nossa igreja em 1908. Traduzimo-la da seguinte maneira: “E finalmente, no que concerne ao quarto ponto, o da regeneração presuntiva, o Sínodo declara que, de acordo com a confissão das nossas igrejas, deve-se presumir que a semente da aliança, em virtude da promessa de Deus, é regenerada e santificada em Cristo, enquanto o contrário não aparecer em sua vida ou doutrina, quando crescer; que, todavia, é menos correto dizer que o batismo é ministrado aos filhos pequenos dos crentes com base em sua regeneração presuntiva, visto que a base do batismo é a ordem e a promessa de Deus; e que, ademais, o juízo de amor como qual a igreja presume que a semente da aliança é regenerada, de modo nenhum tenciona dizer que, portanto, cada criança é realmente regenerada, desde que a Palavra de Deus ensina que nem todos os de Israel são de fato israelitas, e de Isaque se diz: Nele será chamada a tua semente – ou descendência (Rm 9.6, 7), de modo que na pregação é sempre necessário insistir no sério exame próprio uma vez que somente os que crêem e são batizados serão salvos”.[10]
(3) Objeção à idéia de que as crianças são batizadas com base em sua relação pactual. Tem-se dito que, se as crianças são batizadas com base em que elas nascem na aliança e, portanto, são herdeiras da promessa, são batizadas com base diferente da dos adultos, visto que estes são batizados com base em sua fé ou em sua profissão de fé. Mas isto a rigor não é certo, como Calvino já o demonstrou em seus dias. O grande Reformador respondeu eficientemente a esta objeção. O que vem a seguir é tradução do que Kramer diz a respeito da posição de Calvino sobre este ponto: “Com relação ao batismo de crianças, Calvino vê ocasião aqui, agora que ele tomou a perspectiva da aliança, para traçar linha mais longa. Até este ponto, ele não chamou a atenção para o fato de que os adultos também são batizados de acordo com a regra da aliança. E, daí, poderia parecer que há uma diferença entre o batismo de adultos e o de crianças. Os adultos seriam batizados com base em sua fé, as crianças com base na aliança de Deus. Não, declara o Reformador, a única regra segundo a qual, e a única base legal sobre a qual a igreja pode ministrar o batismo, é a aliança. Isto é verdade, tanto no caso de crianças como no de adultos. Se estes devem primeiro fazer uma confissão de fé e passar pela conversão, é porque se acham fora da aliança. Para serem admitidos à comunhão da aliança, devem aprender primeiro quais as exigências da aliança, e, depois, a fé a conversão abrem caminho para a aliança.”[11] Exatamente a mesma opinião é expressa por Bavinck..[12] Quer dizer que, depois que os adultos adentram a aliança pela fé e conversão, recebem o sacramento do batismo com base nessa relação pactual. Também para eles o batismo é sinal e selo da aliança.
d. O batismo de crianças como meio de graça. O batismo é sinal e selo da aliança da graça. Não simboliza uma coisa e sela outra, mas põe o selo de Deus naquilo que simboliza. Segundo os nossos padrões confessionais e a nossa forma para a ministração do batismo, este simboliza o lavamento dos nossos pecados, e esta é apenas uma breve expressão usada em lugar da remoção da culpa do pecado na justificação, e da remoção da corrupção do pecado na santificação, que, contudo, é imperfeita nesta vida. E se o que é simbolizado é isto, então é também o que é selado. E se se disser, como às vezes ocorre em nossa literatura reformada (calvinista), que o batismo sela a(s) promessa(s) de Deus, isto não significa meramente que ele atesta a veracidade da promessa, mas, sim, que garante aos batizandos que eles são os designados herdeiros das bênçãos prometidas. Isto não significa necessariamente que eles já estão, em princípio, de posse do bem prometido, embora isto seja possível e até provável, mas certamente significa que eles são designados herdeiros e receberão a herança, a não ser que se mostrem indignos dela e a recusem. Dabney chama a atenção para o fato de que muitas vezes selos são apensos a alianças promissórias, nas quais a concessão do benefício prometido é condicional.
Mas o batismo é mais que sinal e selo; também é, como tal, um meio de graça. De acordo com a teologia reformada (calvinista), ele não é, como os católicos romanos pretendem, o meio pelo qual se inicia a obra da graça no coração, mas, sim, é um meio para o seu fortalecimento, ou, como muitas vezes é expresso, para o crescimento da graça. Isto dá surgimento a uma questão muito difícil, em conexão com o batismo de crianças. Pode-se ver prontamente como batismo pode fortalecer a obra da fé no batizando adulto, mas não é assim tão perceptível como pode operar como meio de graça no caso de crianças, as quais não têm absolutamente nenhuma consciência da significação do batismo e ainda não podem exercer fé. A dificuldade que defrontamos aqui naturalmente não existe para o pequeno número de eruditos reformados que negam que o batismo apenas fortaleça uma condição de graça antecedente, e alegam que ele “é um meio para a comunicação da graça de maneira específica, e para o específico fim da nossa regeneração e da nossa implantação em Cristo”.[13] Decerto que todos os demais têm que enfrentar o problema. Lutero também lutou com esse problema. Para ele a eficácia do batismo depende da fé do batizando; mas quando refletiu no fato de que as crianças não podem exercer fé, sentiu-se inclinado a acreditar que Deus, por Sua graça preveniente, produz nelas uma fé incipiente por meio do batismo; e, finalmente, ele remeteu o problema aos doutores da igreja. Os teólogos reformados resolvem o problema chamando a atenção para três coisas, que podem ser consideradas como alternativas, mas também podem ser combinadas entre si. (1) È possível partir da pressuposição (não do conhecimento certo) de que as crianças apresentadas para o batismo são regeneradas e, portanto, estão de posse da semen fidei (semente da fé); e afirmar que Deus, pelo batismo, de algum modo místico que não compreendemos, fortalece na criança esta semente da fé. (2) Também se pode chamar a atenção para o fato de que a operação do batismo como meio de graça não se limita necessariamente ao momento da sua ministração, nem um pouco mais que a operação da Ceia do Senhor se limita à hora da sua celebração. Pode, naquele exato momento, servir de algum modo misterioso para aumentar a graça de Deus no coração, se presente, mas também pode ser instrumento para aumentar a fé posteriormente, quando a significação do batismo for claramente compreendida. Isso é ensinado com clareza tanto na Confissão Belga como na Confissão de Westminster. (3) Pode-se assinalar, ainda, como foi feito por alguns teólogos (por exemplo, Dabney e Vos), que o batismo de crianças também é um meio de graça para os pais que apresentam seu filho para o batismo. Serve para fortalecer-lhes a fé nas promessas de Deus, para produzir neles a certeza de que a criança pela qual se responsabilizaram tem direito de propriedade quanto à aliança da graça, e para fortalecer neles o senso de sua responsabilidade pela educação cristã do seu filho ou filha.
e. Extensão do batismo a filhos de descrentes. Naturalmente, só os filhos pequenos dos crentes são os objetos próprios do batismo de crianças. Todavia, o círculo tem-se ampliado de várias maneiras. (1) Os católicos romanos e os ritualistas da Igreja Anglicana partem da suposição de que o batismo é absolutamente essencial para a salvação, visto comunicar uma graça que, segundo eles, não pode ser obtida doutro modo. Daí, consideram seu dever batizar todas as crianças ao seu alcance, sem inquirir coisa alguma quanto à condição espiritual dos seus pais. (2) Alguns chamam a atenção para o fato de que a promessa se aplica aos pais, aos filhos e aos filhos dos filhos, até à milésima geração, Sl 105.7-10; Is 59.21; At 2.39. Em vista destas promessas, eles sustentam que as crianças cujos pais deixaram a igreja, não perderam por isso os seus privilégios como filhos da aliança. (3) Existem aqueles que exteriorizam a aliança, comensurando-a com o estado numa igreja-estado. Uma criança inglesa tem, nessa qualidade, igual direito ao batismo e à proteção do estado, independentemente da questão se os pais são crentes ou não. (4) Alguns assumiram a posição segundo a qual o fato de os pais serem batizados assegura aos seus filhos o direito ao batismo. Eles consideram a relação pessoal dos pais com a aliança como deveras insubstancial. Ocasionalmente as igrejas agiam em função desse princípio, e finalmente abrigaram uma classe de membros que não assumiam pessoalmente a responsabilidade da aliança, e, todavia, buscavam o selo da aliança para os seus filhos. Na Nova Inglaterra isto se tornou conhecido como aliança do meio caminho. (5) Finalmente, tem-se aplicado o princípio da adoção, com o fim de se obter batismo para crianças que doutro modo não teriam direito de recebe-lo. Se os pais não eram aptos ou não estavam dispostos a garantir a educação cristã dos seus filhos, outros podiam apresentar-se para garanti-la. Buscava-se a principal base para isto em Gl 17.12.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Quais os diferentes sentidos da palavra bapto, baptizo e louesthai? 2. João Batista batizava por imersão? 3. O eunuco (At 8.38,39) foi batizado desse modo? 4. O Novo Testamento acentua nalgum lugar a necessidade de um modo particular de batismo? 5. A doutrina do pedobatismo é bíblica? 6. Sua veracidade alguma vez foi questionada antes da Reforma? 7. Que explica o surgimento da negação anabatista ao tempo da Reforma? 8. Qual é o conceito batista da aliança com Abraão? 9. Como eles explicam Rm 4.11? 10. Que dizem os nossos padrões confessionais quanto à base sobre a qual se batizam crianças? 11. Qual é a posição de Calvino com relação à base sobre a qual se batizam tanto crianças como adultos? 12. Que perigos práticos estão ligados à doutrina da regeneração presuntiva? 13. Que dizer da posição de Dabney segundo a qual o batismo é um sacramento para o pai e igualmente para o filho?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 543-590; Kuyper, Dict. Dogm., De Sacramentis, p. 82-157; id., E Voto II, p. 499-566; III, p. 5-68; Hodge, Syst.Theol. III, p. 526-611; Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 728-799; Dick, Theology, Lectures LXXXVIII – LXXXIX; Litton, Introd. To Dogm. Theol., p. 444-464; Vos, Geref. Dogm., DeGenademiddelen, p. 36-134; ibid., De Verbondsleer in de Geref. Theol..; Strong, Syst. Theol., p. 930-959; Hovey, Manual of Theol. and Ethics, p. 312-333; Pieper, Christl. Dogm. III, p. 297-339; Schimid, Doct. Theol. of the Ev. Luth. Church, p. 540-558; Valentine, Chr. Theol. II, p.305-335; Mueller, Chr. Dogm., p. 486-505; Wilmers, Handbook of the Chr. Rel., p. 314-322; Schaff, Our Father´s Faith and Ours, p. 315-320; Pope, Chr. Theol. III, p. 311-324; Lambert, The Sacraments in the New Testament, p. 36-239; Wilson, On Infant Baptism; Carson, on Baptism; Ayres, Christian Baptism; Seiss, The Baptist System Examined; Armstrong, The Divine Life in the Church; White, Why Are Infants Baptized; Bannerman, The Church of Christ II, p. 42-127; Kramer, Het Verband tusschen Doop en Wedergeboorte; Wall, History of Infant Baptism; Wielenga, Ons Doopsformulier; Schenck, The Presbyterian Doctrine of Children in the Covenant.



* Referente à doutrina de Jean de Labadie (1610-1674), teólogo protestante que propugnava a transformação das igrejas reformadas em comunidades semelhantes à dos cristãos primitivos. Nota do tradutor.
** Excetuadas as igrejas pentecostais em geral, que tiveram maior desenvolvimento nas décadas recentes. Nota do tradutor.
[1] The Sacraments in the New Testament, p. 204.
[2] Life and Times of Jesus the Messiah II, p. 746.
[3] Adv. Haereses II, 22, 4.
[4] De Baptismo, c. XVIII.
[5] Comm. In Epist. Ad Romanos, lib. B.
[6] The Church of Christ II, p. 98.
* Na expressão do tradutor desta obra, esse é um “silogismo, que é o busílis acabrunhador dos batistas” (opúsculo intitulado O Batismo Cristão, de Odayr Olivetti, Nanuque, MG, 6/10/1954, p. 15). Também é bom transcrever aqui as palavras finais do referido opúsculo: “Não façamos da Lógica trapézio, nem da Bíblia, mãe de sofismas. Busquemos nela a verdade e a vontade de Deus, e não a mentira e a vontade dos homens. Deus permita que os batistas sinceros possam ver a grande comissão de Jesus a Seus discípulos (Mc 16.15, 16), não uma fonte de discussões, confusões e contendas com outros cristãos, mas sim a ordem de evangelização, de pregação do Evangelho puro e repleto de amor, porque, como diz o Espírito Santo, pela boca do profeta e do apóstolo: ‘Quão suaves são sobre os montes os pés do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, que anuncia o bem, que faz ouvir a salvação, que diz a Sião: O teu Deus reina!’ (Is 52.7); e ‘Quão formosos os pés dos que anunciam a paz, dos que anunciam coisas boas!’ (Rm 10.15)”. Nota do tradutor.
[7] Lord’s Day XXVII. Perg. 74.
[8] Inst. IV 16:6, 15.
* Os símbolos de fé da Igreja Presbiteriana (que são os de Westminster) tratam do pedobatismo nas seguintes partes: Confissão de Fé, Capítulo XXVIII, Seções IV a VI; Catecismo Maior, Perguntas 166 e 167; e Breve Catecismo (ou Catecismo Menor), Pergunta 95. Nota do tradutor.
* 1938. Nota do Tradutor.
[9] P. 655.
[10] Acts of Synod, 1908, p. 82, 83.
[11] Het Verband van Doop em Wedergeboorte, p. 122, 123.
[12] Geref. Dogm. IV, p. 581.
[13] Esta posição é defendida extensamente numa obra intitulada, The Divine in the Chruch, p. 9-196.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof)