No capítulo anterior tratamos da conversão
em geral, e também demos uma breve descrição do elemento negativo da conversão,
qual seja, o arrependimento. O presente capítulo será dedicado a uma discussão
do elemento positivo, que é a fé. Esta é de significação tão central na
soteriologia, que requer um tratamento separado. É melhor faze-lo nesta altura,
não somente porque a fé é uma parte da conversão, mas também porque ela está
relacionada instrumentalmente com a justificação. Sua discussão constitui uma
transição para a doutrina da justificação pela fé.
A. Termos
Bíblicos Para Fé.
A. Termos
Bíblicos Para Fé.
1. OS TERMOS DO VELHO TESTAMENTO E O SEU
SIGNIFICADO. O Velho Testamento não contém nenhum substantivo para fé, a não
ser que emunah seja assim considerado em Hc 2.4. Esta palavra significa
ordinariamente “fidelidade”, Dt 32.4; Sl 36.5; 37.3; 40.11, mas o modo pelo
qual a afirmação de Habacuque é aplicada no Novo Testamento, Rm 1.17; Gl. 3.11;
Hb 10.38, parece indicar que o profeta empregou o termo no sentido de fé. A
palavra mais comum no Velho Testamento para “crer” é he’emin, forma hiphil
de ‘amam. No qal significa “amamentar”, “cuidar de” ou “nutrir”, no niphal,
“ser (ou estar) firme”, ou “estabelecido”, ou “constante”; e no hiphil,
“considerar estabelecido”, “ter como verdadeiro”, ou “crer”. A palavra é usada
em construções gramaticais com as preposições beth e lamedh. Com
a primeira, evidentemente se refere a um confiante descanso numa pessoa ou
coisa ou testemunho; com a segunda, significa o assentimento dado a um
testemunho aceito como verdadeiro, – A segunda palavra em importância é batach,
que se constrói com beth e quer dizer “confiar-se a”, “apoiar-se em”,
“confiar”. Ela não da ênfase ao elemento intelectual do assentimento, mas,
antes, ao da entrega confiante. Em distinção do he’emin, geralmente
traduzida por pisteuo na septuaginta, essa palavra é geralmente
traduzida por elpizo ou peithomai. O homem que confia em Deus é
alguém que fixa nele toda a sua esperança quanto ao presente e ao futuro. – Há
mais uma palavra, a saber, chasah, que é usada menos freqüentemente e
significa “esconder-se” ou “fugir em busca de refúgio”. Também nesta é evidente
que o elemento de confiança está em primeiro plano.
2. OS TERMOS DO NOVO TESTAMENTO E O SEU
SIGNIFICADO. Duas palavras são empregadas em todo o Novo Testamento, a saber, pistis
e o verbo cognato pisteuein. Nem sempre elas têm a mesma conotação.
a. Os diferentes sentidos de pistis.
(1) No grego clássico. A palavra pistis tem dois sentidos no
grego clássico. Ela indica: (a) uma convicção baseada na confiança numa pessoa
e no seu testemunho, que, como tal, distingue-se do conhecimento apoiado numa
investigação pessoal; e (b) a confiança propriamente dita, na qual essa
convicção descansa. Esta é mais que uma simples convicção intelectual de que
uma pessoa é fidedigna; pressupõe uma relação pessoal com o objeto da
confiança, um sair de si mesmo para descansar noutrem. Os gregos não se
utilizavam ordinariamente desta palavra neste sentido, para expressar a relação
deles com os deuses, visto que os consideravam hostis aos homens e, portanto,
mais como objetos de termo que de confiança. – (2) Na septuaginta. A
transição do emprego da palavra pistis no grego clássico para o uso do
Novo Testamento, no qual o sentido de “confiança” é da máxima importância,
acha-se no uso que a septuaginta faz do verbo pisteuein, e não no do
substantivo pistis, que ocorre nela apenas uma vez com um sentido um
pouco parecido com o do Novo Testamento. O verbo pisteuein geralmente
serve como tradução da palavra he’emin, e assim expressa a idéia de fé
tanto no sentido de assentimento à Palavra de Deus, como de real confiança
nele. – (3) No Novo Testamento. Há uns poucos exemplos em que a palavra
tem sentido passivo, a saber, o de “fidelidade”, que é o seu significado usual
no Velho Testamento, Rm 3.3; Gl 5.22, Tt 2.10. Geralmente é empregada com
significação ativa. Devemos distinguir os seguintes sentidos especiais: (a) uma
crença ou convicção intelectual, apoiada no testemunho de outrem, e, portanto,
baseada na confiança nesta outra pessoa, e não numa investigação feita
pessoalmente, Fp 1.27; 2 Co 4.13; 2 Ts 2.13, e especialmente, nos escritos de
João; e (b) uma completa confiança em Deus, ou, mais particularmente, em
Cristo, com vistas à redenção do pecado e à bem-aventurança futura. Assim se vê
especialmente nas epístolas de Paulo, Rm 3.22, 25; 5.1, 2; 9.30, 32; Gl 2.16;
Ef 2.8; 3.12, e muitas outras passagens. Deve-se distinguir esta confiança
daquela na qual a confiança intelectual mencionada no item (a) acima repousa. A
ordem dos estágios sucessivos da fé é como segue: (a) confiança geral em Deus e
em Cristo; (b) aceitação do seu testemunho com base nessa confiança; e (c)
submissão a Cristo e confiança nele para a salvação da alma. A última é
especificamente denominada fé salvadora.
b. As diferentes construções gramaticais
de pisteuein e seu significado. Temos as seguintes construções: (1) Pisteuein
com o dativo. Geralmente significa assentir crendo. Se o objeto é uma pessoa, a
construção é empregada ordinariamente num sentido um tanto denso, fértil,
incluindo a idéia profundamente religiosa de uma confiança devotada. Quando o
objeto é uma coisa, usualmente é a Palavra de Deus, e quando é uma pessoa, ou é
Deus ou é Cristo, Jo 4.50; 5.47; At 16.34; Rm 4.3; 2 Tm 1.12. – (2) Pisteuein
seguido de Hoti. Nesta construção, a conjunção geralmente serve para
introduzir aquilo em que se crê. De modo geral, esta construção é mais fraca
que a anterior. Das vinte passagens em que se encontra, catorze ocorrem nos
escritos de João. Num par de casos, o objeto em que se crê dificilmente se
eleva à esfera religiosa, Jo 9.18; At 9.26, enquanto que nalguns dos outros
casos, é decididamente de significação soteriológica, Mt 9.28; Rm 10.9; 1 Ts
4.14. – (3) Pisteuein com preposição. Aqui o sentido mais profundo da
palavra, o de firme e confiante entrega, alcança os seus plenos direitos.
Consideremos as seguintes construções com preposições: (a) Construção com en.
Esta é a construção mais freqüente na septuaginta, embora esteja pouco menos
que ausente do Novo Testamento. O único caso de que se tem certeza é Mc 1.15,
onde o objeto da fé é o Evangelho. Outros possíveis exemplos são Jo 3.15; Ef
1.13, onde o objeto seria Cristo. Ao que parece, a implicação desta construção
gramatical é a de uma confiança firmemente posta em seu objeto.. (b) Construção
com epi e o dativo. Acha-se somente na citação de Is 28.16, que aparece
em três passagens, quais sejam, Rm 9.33; 10.11; 1 Pe 2.6, e em Lc 24.25; 1 Tm
1.16. Ela expressa a idéia de uma serenidade segura e repousante, uma confiante
segurança em seu objeto. (c) Construção com epi e o acusativo. É usada
sete vezes no Novo Testamento. Num par de casos o objeto é Deus, quando opera
na salvação da alma em Cristo; em todos os demais é Cristo. Esta construção
inclui a idéia de movimento moral, de um mover-se mental em direção ao objeto.
A principal idéia é a de um voltar-se com segura confiança para Jesus Cristo.
(d) Construção com eis. Esta é a construção mais característica do Novo
Testamento. Ocorre quarenta e nove vezes. Cerca de catorze destes exemplos são
joaninos, e o restante Paulino. Exceto num caso, o objeto da fé é sempre uma
pessoa, raramente Deus, e muito comumente Cristo. Esta construção tem um sentido
muito denso e fértil, expressando, como expressa, “uma absoluta transferência
da confiança em nós para outro, uma completa rendição pessoal a Deus”. Cf. Jo
2.11; 3.16, 18, 36; 4.39; 14.1; Rm 10.14; Gl 2.16; Fp 1.29.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 494)