terça-feira, 13 de agosto de 2013

Necessidade da Conversão

A Bíblia fala em termos absolutos da necessidade da regeneração; não assim da necessidade da conversão. Ela nos diz explicitamente que, “se alguém não nascer de novo (ou de cima), não pode ver o reino de Deus”, Jo 3.3, mas não fala da necessidade da conversão dessa maneira geral, que não admite exceções. Naturalmente, quem identifica as duas, não pode admitir esta distinção. Indubitavelmente, há passagens da Escritura que contêm um chamamento para a conversão, para o gozo das bênçãos de Deus, como Ez 33.11; Is 55.7, e estas implicam a necessidade da conversão no caso dos aí visados ou mencionados. A passagem que mais perto chega de uma declaração absoluta acha-se em Mt 18.3, “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus”. Mas mesmo neste caso se pode insistir em que isto se refere somente às pessoas às quais o texto é dirigido. As exortações explícitas ou implícitas à conversão, que se acham na Escritura, só vêm àqueles a quem são dirigidas e não significam necessariamente que todos e cada um têm que passar por uma conversão consciente para serem salvos. A questão quanto à necessidade da conversão deve ser respondida com criteriosa discriminação. Os que morrem na infância têm que ser regenerados para serem salvos, mas não podem experimentar devidamente a conversão, um consciente voltar-se do pecado para Deus. No caso dos adultos, porém, a conversão é absolutamente essencial, mas não necessita aparecer na vida de cada um como uma crise fortemente assinalada. Uma crise definida assim só se pode esperar, em regra, nas vidas daqueles que, após uma vida de pecado e vergonha, são tomados em seu curso mau pelo poder regenerador do Espírito Santo e pela vocação eficaz para a conversão. Neles a vida de inimizade consciente é logo transformada numa vida de amizade com Deus. Contudo, dificilmente se pode buscar essa experiência na vida daqueles que, como João Batista e Timóteo, serviram ao Senhor desde a primeira juventude. Ao mesmo tempo, a conversão é necessária no caso de todos os adultos, no sentido de que os seus elementos, a saber, o arrependimento e a fé, têm que estar presentes em suas vidas. Quer dizer que, de algum modo, eles precisam experimentar a essência da conversão.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 489)

Termos Bíblicos Para Fé

 1. OS TERMOS DO VELHO TESTAMENTO E O SEU SIGNIFICADO. O Velho Testamento não contém nenhum substantivo para fé, a não ser que emunah seja assim considerado em Hc 2.4. Esta palavra significa ordinariamente “fidelidade”, Dt 32.4; Sl 36.5; 37.3; 40.11, mas o modo pelo qual a afirmação de Habacuque é aplicada no Novo Testamento, Rm 1.17; Gl. 3.11; Hb 10.38, parece indicar que o profeta empregou o termo no sentido de fé. A palavra mais comum no Velho Testamento para “crer” é he’emin, forma hiphil de ‘amam. No qal significa “amamentar”, “cuidar de” ou “nutrir”, no niphal, “ser (ou estar) firme”, ou “estabelecido”, ou “constante”; e no hiphil, “considerar estabelecido”, “ter como verdadeiro”, ou “crer”. A palavra é usada em construções gramaticais com as preposições beth e lamedh. Com a primeira, evidentemente se refere a um confiante descanso numa pessoa ou coisa ou testemunho; com a segunda, significa o assentimento dado a um testemunho aceito como verdadeiro, – A segunda palavra em importância é batach, que se constrói com beth e quer dizer “confiar-se a”, “apoiar-se em”, “confiar”. Ela não da ênfase ao elemento intelectual do assentimento, mas, antes, ao da entrega confiante. Em distinção do he’emin, geralmente traduzida por pisteuo na septuaginta, essa palavra é geralmente traduzida por elpizo ou peithomai. O homem que confia em Deus é alguém que fixa nele toda a sua esperança quanto ao presente e ao futuro. – Há mais uma palavra, a saber, chasah, que é usada menos freqüentemente e significa “esconder-se” ou “fugir em busca de refúgio”. Também nesta é evidente que o elemento de confiança está em primeiro plano.

2. OS TERMOS DO NOVO TESTAMENTO E O SEU SIGNIFICADO. Duas palavras são empregadas em todo o Novo Testamento, a saber, pistis e o verbo cognato pisteuein. Nem sempre elas têm a mesma conotação.

a. Os diferentes sentidos de pistis. (1) No grego clássico. A palavra pistis tem dois sentidos no grego clássico. Ela indica: (a) uma convicção baseada na confiança numa pessoa e no seu testemunho, que, como tal, distingue-se do conhecimento apoiado numa investigação pessoal; e (b) a confiança propriamente dita, na qual essa convicção descansa. Esta é mais que uma simples convicção intelectual de que uma pessoa é fidedigna; pressupõe uma relação pessoal com o objeto da confiança, um sair de si mesmo para descansar noutrem. Os gregos não se utilizavam ordinariamente desta palavra neste sentido, para expressar a relação deles com os deuses, visto que os consideravam hostis aos homens e, portanto, mais como objetos de termo que de confiança. – (2) Na septuaginta. A transição do emprego da palavra pistis no grego clássico para o uso do Novo Testamento, no qual o sentido de “confiança” é da máxima importância, acha-se no uso que a septuaginta faz do verbo pisteuein, e não no do substantivo pistis, que ocorre nela apenas uma vez com um sentido um pouco parecido com o do Novo Testamento. O verbo pisteuein geralmente serve como tradução da palavra he’emin, e assim expressa a idéia de fé tanto no sentido de assentimento à Palavra de Deus, como de real confiança nele. – (3) No Novo Testamento. Há uns poucos exemplos em que a palavra tem sentido passivo, a saber, o de “fidelidade”, que é o seu significado usual no Velho Testamento, Rm 3.3; Gl 5.22, Tt 2.10. Geralmente é empregada com significação ativa. Devemos distinguir os seguintes sentidos especiais: (a) uma crença ou convicção intelectual, apoiada no testemunho de outrem, e, portanto, baseada na confiança nesta outra pessoa, e não numa investigação feita pessoalmente, Fp 1.27; 2 Co 4.13; 2 Ts 2.13, e especialmente, nos escritos de João; e (b) uma completa confiança em Deus, ou, mais particularmente, em Cristo, com vistas à redenção do pecado e à bem-aventurança futura. Assim se vê especialmente nas epístolas de Paulo, Rm 3.22, 25; 5.1, 2; 9.30, 32; Gl 2.16; Ef 2.8; 3.12, e muitas outras passagens. Deve-se distinguir esta confiança daquela na qual a confiança intelectual mencionada no item (a) acima repousa. A ordem dos estágios sucessivos da fé é como segue: (a) confiança geral em Deus e em Cristo; (b) aceitação do seu testemunho com base nessa confiança; e (c) submissão a Cristo e confiança nele para a salvação da alma. A última é especificamente denominada fé salvadora.

b. As diferentes construções gramaticais de pisteuein e seu significado. Temos as seguintes construções: (1) Pisteuein com o dativo. Geralmente significa assentir crendo. Se o objeto é uma pessoa, a construção é empregada ordinariamente num sentido um tanto denso, fértil, incluindo a idéia profundamente religiosa de uma confiança devotada. Quando o objeto é uma coisa, usualmente é a Palavra de Deus, e quando é uma pessoa, ou é Deus ou é Cristo, Jo 4.50; 5.47; At 16.34; Rm 4.3; 2 Tm 1.12. – (2) Pisteuein seguido de Hoti. Nesta construção, a conjunção geralmente serve para introduzir aquilo em que se crê. De modo geral, esta construção é mais fraca que a anterior. Das vinte passagens em que se encontra, catorze ocorrem nos escritos de João. Num par de casos, o objeto em que se crê dificilmente se eleva à esfera religiosa, Jo 9.18; At 9.26, enquanto que nalguns dos outros casos, é decididamente de significação soteriológica, Mt 9.28; Rm 10.9; 1 Ts 4.14. – (3) Pisteuein com preposição. Aqui o sentido mais profundo da palavra, o de firme e confiante entrega, alcança os seus plenos direitos. Consideremos as seguintes construções com preposições: (a) Construção com en. Esta é a construção mais freqüente na septuaginta, embora esteja pouco menos que ausente do Novo Testamento. O único caso de que se tem certeza é Mc 1.15, onde o objeto da fé é o Evangelho. Outros possíveis exemplos são Jo 3.15; Ef 1.13, onde o objeto seria Cristo. Ao que parece, a implicação desta construção gramatical é a de uma confiança firmemente posta em seu objeto.. (b) Construção com epi e o dativo. Acha-se somente na citação de Is 28.16, que aparece em três passagens, quais sejam, Rm 9.33; 10.11; 1 Pe 2.6, e em Lc 24.25; 1 Tm 1.16. Ela expressa a idéia de uma serenidade segura e repousante, uma confiante segurança em seu objeto. (c) Construção com epi e o acusativo. É usada sete vezes no Novo Testamento. Num par de casos o objeto é Deus, quando opera na salvação da alma em Cristo; em todos os demais é Cristo. Esta construção inclui a idéia de movimento moral, de um mover-se mental em direção ao objeto. A principal idéia é a de um voltar-se com segura confiança para Jesus Cristo. (d) Construção com eis. Esta é a construção mais característica do Novo Testamento. Ocorre quarenta e nove vezes. Cerca de catorze destes exemplos são joaninos, e o restante Paulino. Exceto num caso, o objeto da fé é sempre uma pessoa, raramente Deus, e muito comumente Cristo. Esta construção tem um sentido muito denso e fértil, expressando, como expressa, “uma absoluta transferência da confiança em nós para outro, uma completa rendição pessoal a Deus”. Cf. Jo 2.11; 3.16, 18, 36; 4.39; 14.1; Rm 10.14; Gl 2.16; Fp 1.29.

(Teologia Sistemática – Louis Berkhof Pg.494)

Relação da Conversão com Outros Estágios do Processo de Salvação

1. COM A REGENERAÇÃO. Esta relação já foi iniciada em certa medida. As duas palavras, “regeneração” e “conversão”, são empregadas sinonimamente por alguns. Todavia, na teologia dos dias atuais elas geralmente se referem a matérias diferentes, se bem que estreitamente interrelacionadas. O princípio da nova vida implantado na regeneração vem a expressar-se na vida consciente do pecador, quando este se converte. A mudança efetuada na vida subconsciente, quando da regeneração, passa para a vida consciente, na conversão. Logicamente, a conversão se segue à regeneração. Nos casos dos que são regenerados na infância, há necessariamente uma separação temporal das duas, mas no caso dos que são regenerados depois de atingirem os anos da discrição, geralmente as duas coincidem. Na regeneração o pecador é inteiramente passivo, mas na conversão ele é passivo e ativo. Aquela nunca pode repetir-se, mas esta pode, até certo ponto, embora a conversio actualis ocorra somente uma vez.
2. COM A VOCAÇÃO EFICAZ. A conversão é resultado direto da vocação interna. Como um efeito no homem, a vocação interna e o começo da conversão realmente coincidem. A situação não é bem como se Deus chamasse o pecador e, então, este, por suas próprias forças, se voltasse para Deus. É exatamente na vocação interna que o homem se torna cônscio do fato de que Deus está operando nele a conversão. O homem verdadeiramente convertido perceberá, ao longo de toda a ação, que a sua conversão é obra realizada por Deus. Isto o distingue do homem que visa a um melhoramento moral superficial. Este último age com as suas próprias forças.
3. COM A FÉ. Como já foi indicado, a conversão consiste de arrependimento e fé, de sorte que a fé é realmente uma parte da conversão. Contudo, devemos fazer distinção aqui. Há duas espécies de fé verdadeira, cada qual tendo um objeto diferente, a saber, (a) um reconhecimento da veracidade da revelação divina da redenção, não meramente num sentido isolado e histórico, mas de modo tal que é vista como uma realidade que não pode ser ignorada com impunidade, porque afeta a vida de maneira vital; e (b) um reconhecimento e aceitação da salvação oferecida em Jesus Cristo, que é a fé salvadora no sentido próprio da expressão. Agora, não há dúvida de que a fé, no primeiro sentido acima, está presente na conversão, desde o início. O Espírito Santo faz com que o pecador veja a verdade como esta é aplicável à sua vida, de modo que ele fica sob “convicção”, * e assim se torna cônscio do seu pecado. Mas ele pode permanecer neste estágio por algum tempo, de modo que é difícil dizer até que ponto a fé salvadora, isto é, a confiança em Cristo para a salvação, está logo de início incluída na conversão. Não há dúvida de que, logicamente, o arrependimento e o conhecimento do pecado precedem a fé que leva o pecador a render-se a Cristo, cheio de confiante amor.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Por que Beza preferia denominar a conversão resipiscentia, em vez de poenitentia? 2. Por que o termo “arrependimento” é inadequado para expressar a idéia de conversão? 3. Como a Concepção que Lutero tinha do arrependimento deferia da de Calvino? 4. A conversão é sempre precedida pela “convicção do pecado”? 5. Podemos falar em graça proveniente, relativamente à conversão? 6. A conversão é um ato instantâneo, ou um processo? 7. Que se quer dizer com a expressão “conversão diária”? 8. Qual é o conceito válido da necessidade da conversão? 9. A pregação baseada na aliança tem a tendência de silenciar o chamamento para a conversão? 10. Qual a concepção metodista da conversão? 11. São recomendáveis os métodos das reuniões de avivamento? 12. Que dizer do caráter duradouro das conversões das quais os seus participantes se ufanam? 13. As estatísticas da psicologia da conversão dão-nos alguma informação sobre esse ponto?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 127-181; Kuyper, Dict. Dogm., De Salute, p. 93-97; ibid., Het Werk van den Helligen Geest II, p. 197-203; A. A. Hodge, Outlines of Theology, p. 487-495; Strong, Syst. Theol., p. 829-849; McPherson, Chr. Dogm., p. 393-397; Shedd, Dogm. Theol. II, p. 529-537; Alexander, Syst. Of Bib. Theol.. II, p. 380-384; Litton, Introd. to Dogm Theol., p. 249-258; Vos, Geref. Dogm. IV, p. 66-81; Pope, Chr. Dogm. II, p. 367-376;Schmid, Doct. Theol. of the Ev. Luth. Chrch, p. 465, 466, 470-484; Drummond, Studies in Chr. Doct., p. 488-491; Macintosh, Theol. as an Empirical Science, p. 134-136; Mastricht, Godgeleerdheit IV, 4; Walden, The Great Meaning of Metanoia; Jackson, The Fact of Conversion; Coe, The Spiritual Life; Starbuck, The Psycology of Religion; James, The Varieties of Religious Experience, p. 189-258; Ames, The Psycology of Religious Experience, p. 257-276; Clark, The Psycology of Religious Awakening; Pratt, The Religious Consciousness, p. 122-164; Steven, The Psychology of the Christian Soul, p. 142-298; Hughes, The New Psychology and Religious Experience, p. 213-241; Snowden, The Psychology of Religion, p. 143-199.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 491)


* No sentido forense em que se fala da convicção de um réu, como na expressão “réu convicto”. Nota do tradutor.