quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O Batismo Cristão

A analogia do batismo cristão    
1. NO MUNDO GENTÍLICO. O batismo não era uma coisa inteiramente nova nos dias de Jesus. Os egípcios, os persas e os hindus tinham todos as suas purificações religiosas. Estas eram mais proeminentes ainda nas religiões gregas e romanas. Às vezes ela tomavam a forma de banhos no mar, e às vezes eram efetuadas por aspersão. Diz Tertuliano que, nalguns casos, a idéia de um novo nascimento estava ligada a estas ilustrações. Muitos eruditos dos dias atuais afirmam que o batismo cristão, especialmente como ensinado por Paulo, deve sua origem a ritos similares das religiões de mistério, mas essa derivação não tem nem as aparências a seu favor. Enquanto que o rito de iniciação nas religiões de mistério envolve um reconhecimento da divindade em questão, não há vestígio de um batismo em nome de algum deus. Tampouco há qualquer evidência de que a influência do pneuma divino, deveras proeminente nas religiões de mistério, fosse alguma vez relacionado com o rito de lustração. Além disso, as idéias de morte e ressurreição, que Paulo associava ao batismo, não se ajustam de modo algum ao ritual de mistério. E, finalmente, a forma do taurobolium (taurobóleo),** que se supõe ser a mais notável analogia que se pode citar, é tão estranha ao rito do Novo testamento, que faz com que a idéia de que este é derivado daquele pareça completamente ridícula. Estas purificações pagãs, mesmo em sua forma externa, têm muito pouco em comum com o nosso batismo cristão. Ademais, é um fato bem estabelecido que as religiões de mistério não apareceram no Império Romano antes dos dias de Paulo.

2. ENTRE OS JUDEUS. Os judeus tinham muitas purificações e abluções, mas estas não tinham caráter sacramental e, portanto, não eram sinais e selos da aliança. O chamado batismo dos prosélitos tinha maior semelhança com o batismo cristão. Quando gentios eram incorporados em Israel, eles eram circuncidados e, pelo menos em tempos mais tardios, também eram batizados. De há muito se tem debatido a questão sobre se este costume estava em voga antes da destruição de Jerusalém, mas Schuerer demonstrou cabalmente, com citações da Mishna*** que estava. De acordo com as autoridades judaicas citadas por Wall em sua História do Batismo Infantil (History of Infant Baptism), esse batismo tinha que ser ministrado na presença de duas ou três testemunhas. As crianças cujos pais recebiam esse batismo, desde que nascidas antes da administração do rito, também eram batizadas, à solicitação do pai, contanto que não fossem de idade (os meninos, treze anos e as meninas doze), mas se fossem de idade, somente à solicitação delas próprias. As crianças nascidas após o batismo do pai ou dos pais, eram tidas por limpas e, daí, não necessitavam do batismo. Contudo, parece que esse batismo também era apenas uma espécie de lavamento cerimonial, um tanto semelhante a outras purificações. Às vezes se diz que o batismo de João foi derivado desse batismo de prosélito, mas é mais que evidente que não foi este o caso. Seja qual for a relação histórica que possa ter existido entre os dois, é evidente que o batismo de João estava prenhe de significações novas e mais espirituais. Lambert está muito certo quando, ao falar das lustrações judaicas, diz: “Seu propósito era, pela remoção de uma contaminação cerimonial, restaurar o homem à sua posição normal dentro das fileiras da comunidade judaica: de outro lado, o batismo de João tinha por objetivo transferir os que se lhe submetiam a uma esfera totalmente nova – a esfera da definida preparação para o reino de Deus, que se aproximava. Mas, acima de tudo, a diferença está nisto – que o batismo de João nunca poderia ser considerado uma simples cerimônia; todo ele fremia sempre de significação ética. Uma purificação do coração, do pecado, era não somente sua condição preliminar, mas seu constante objetivo e propósito. E pela penetrante e incisiva pregação com o que ele o acompanhava, João livrou-o de baixar, como doutro modo teria tendido a fazer, ao nível de um mero opus operatum”.[1] Outra questão que requer consideração é a de relação entre o batismo de João e o de Jesus. Nos Cânones de Trento,[2] a igreja Católica Romana anatemiza os que dizem que o batismo de João se igualava ao de Jesus em eficácia, e o considera, juntamente com os sacramentos do Velho Testamento, como puramente típico. Ela pretende que os que foram batizados por João não receberam verdadeira graça batismal nesse batismo, e mais tarde foram rebatizados, ou, expressando-o mais corretamente, foram batizados pela primeira vez à maneira cristã. Os teólogos luteranos mais antigos afirmavam que os dois eram idênticos no que se refere ao propósito e à eficácia, ao passo que alguns dos mais recentes rejeitaram o que eles achavam que era uma identidade completa e essencial de ambos. Algo similar se pode dizer dos teólogos reformados. Os teólogos mais antigos identificavam os dois batismos, enquanto que os de uma época mais recente dão atenção a certas diferenças. Vê-se que João mesmo chamou a atenção para um ponto de diferença em Mt 3.11. Alguns também acham uma prova da diferença essencial entre os dois em At 19.1-6, que, segundo eles, registra um caso em que alguns que tinham sido batizados por João, foram rebatizados. Mas esta interpretação está sujeita a dúvida. O que parece correto é dizer que os dois são essencialmente idênticos, embora diferindo nalguns pontos. O batismo de João, como o batismo cristão. (a) foi instituído pelo próprio Deus, Mt 21.25; Jo 1.33; (b) estava relacionado com uma radical mudança de vida, Lc 1.1-17; Jo 1.20-30; (c) estava numa relação sacramental com o perdão dos pecados, Mt 3.7, 8; Mc 1.4; Lc 3.3 (comp. At 2.28) e (d) empregava o mesmo elemento material, qual seja, água. Ao mesmo tempo, havia diversos pontos de diferença: (a) o batismo de João ainda pertencia à antiga dispensação e, como tal, apontava para Cristo, no futuro; (b) em harmonia com a dispensação da lei em geral, acentuava a necessidade de arrependimento, embora sem excluir inteiramente a fé; (c) foi planejado somente para os judeus e, portanto, representava mais o particularismo do Velho Testamento que o universalismo do Novo; e (d) visto que o Espírito Santo ainda não fora derramado na plenitude do Pentecostes, o batismo de João ainda não era acompanhado por tão grande porção de dons espirituais como o ulterior batismo cristão.
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg626)



** Sacrifício de um touro em honra de Cibele, praticado entre os antigos gregos e romanos. Consistia num batismo de sangue aplicado ao ofertante. Este, descendo ao fundo de um fosso, recebia sobre si o sangue do animal imolado. O sacerdote que executava o sacrifício era denominado tauróbolo. Nota do tradutor.
*** A Misná, forma aportuguesada de Mishnah, é a obra de unificação, interpretação e ensino da lei judaica escrita. Nota do tradutor.
[1] The Sacraments in the New Testament, p. 57.
[2] Sess. VII, De Baptismo.

A Instituição do Batismo Cristão

     1. FOI INSTITUÍDO COM AUTORIDADE DIVINA. O batismo foi instituído por Cristo depois que Ele consumou a obra de reconciliação e depois que esta recebeu a aprovação do Pai na ressurreição. É digno de nota que Ele prefaciou a grande comissão com as palavras: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra”. Revestido da plenitude dessa autoridade mediatária, Ele instituiu o batismo cristão e, desta maneira, tornou-o obrigatório para todas as gerações subseqüentes. A grande comissão foi colocada nas seguintes palavras: “Ide, portanto (isto é, porque todas as nações estão sujeitas a Mim), fazei discípulos de todas as nações, batizando-s em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado”, Mt 28.19, 20. A forma complementar de Mc 16.15, 16 tem esta redação: “Ide por todo o mundo e pregai e evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado”. Assim, nesta ordem repassada de autoridade estão claramente indicados os seguintes elementos: (a) Os discípulos deveriam ir por todo o mundo e pregar o Evangelho a todas as nações, a fim de levar as pessoas ao arrependimento e ao reconhecimento de Jesus como o Salvador prometido; (b) Os que aceitavam a Cristo pela fé deveriam ser batizados em nome do Deus triúno, como sinal e selo do fato de que tinham entrado numa nova relação com Deus e, nesta qualidade, estavam obrigados a viver de acordo com as leis do reino de Deus; (c) Deveriam ser colocados sob o ministério da Palavra, não meramente como proclamação das boas novas, mas como exposição dos mistérios, privilégios e deveres da nova aliança. Para encorajamento dos discípulos, Jesus acrescentou as palavras: “E (Eu, que estou revestido de autoridade para dar esta ordem) eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século”.
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg626)

A FÓRMULA BATISMAL


Os apóstolos receberam instruções específicas para batizarem eis to onoma tou patros kai tou hyiou kai tou hagiou pneumatos (para uma relação com o nome do Pai e do Filho e Espírito Santo). A Vulgata traduziu as primeiras palavras, “eis to onoma” pela expressão latina “in nomine” (em nome), tradução seguida pela de Lutero, “im namen”.* Dá-se-lhes assim o sentido de “sobre a autoridade do trino Deus”. Em sua Gramática do Novo Testamento Grego (Grammar of the Greek New Testament), p. 649, Robertson lhes atribui este sentido, mas não apresenta nenhuma prova em seu favor. O fato é que esta interpretação é exegeticamente insustentável. A idéia de “sobre a autoridade de” é expressa pela frase en toi onomati, ou pela frase mais curta en onomati, Mt 21.9; Mc 16.17; Lc 10.17; Jo 14.26; At 3.6; 9.27, etc. A preposição eis (para dentro de) é mais indicativa de um fim e, portanto, pode ser interpretada no sentido de “em relação a”, ou “para a profissão de fé em alguém e sincera obediência a alguém”. Está em completa harmonia com isso o que Allen diz em seu comentário de Mateus: “A pessoa batizada era simbolicamente introduzida no nome de Cristo”, isto é, tornava-se Seu discípulo, isto é, entrava num estado de lealdade a Ele e de comunhão com Ele “. Este é o sentido dado por Thayer, Robinson e, substancialmente, também por Cremer-Koegel e Baljon, em seus léxicos. É também o sentido adotado por comentadores como Meyer, Alford, Allen, Bruce, Grosheide e Van Leeuwen. Este significado do termo é plenamente confirmado por expressões paralelas como eis ton Mousen, 1 Co 10.2; eis to onoma Paulou, I Co 1.13 eis hen soma, 1 Co 12.13; e eis Christon, Ro 6.3; Gl 3.27. O argumento do doutor Kuyper tocante a este ponto acha-se em Uit het Woord, Eerste Serie, Eerste Bundel.[1] Ao que parece, devemos traduzir a preposição eis por "para dentro de” ou “para” (isto é, “em relação a”) o nome. O vocábulo onoma (nome) é empregado no sentido do hebraico shem como indicativo de todas as qualidades pelas quais Deus se faz conhecido e que constituem a soma total de tudo quanto Ele é para os Seus adoradores. Em sua obra intitulada Bible Studies (Estudos Bíblicos),[2]Deissman se refere a exemplos interessantes deste uso particular da palavra onoma nos papiros. Interpretado sob esta luz, a fórmula batismal indica que, pelo batismo (isto é, por aquilo que é significado ou simbolizado no batismo), o participante é colocado num relacionamento especial com a auto-revelação divina, ou com Deus como Ele se revelou e revelou o que deseja ser para o Seu povo, e, ao mesmo tempo, torna-se dever imperativo viver à luz dessa revelação.

Não é necessário presumir que, quando Jesus empregou estas palavras, Ele tencionava tê-las como uma fórmula a ser utilizada para sempre. Ele as empregou apenas como descritivas do caráter do batismo que Ele instituiu, exatamente como expressões similares se prestam para caracterizar outros batismos, At 19.3; 1 Co 1.13; 10.2; 12.13. Às vezes se diz, com recurso a passagens como At 2.48; 8.16; 10.48; 19.5, e também Rm 6.3 e Gl 3.27, que os apóstolos evidentemente não usaram a fórmula trinitária; mas esta não é uma dedução necessária, embora seja inteiramente possível, desde que eles não compreenderam as palavras de Jesus na grande comissão como prescrevendo uma fórmula definida. Também é possível, porém, que as expressões utilizadas nas passagens indicadas servissem para acentuar certas particularidades concernentes ao batismo ministrado pelos apóstolos. Devemos notar que as preposições variam. At 2.38 fala de um batismo epi toi onomati lesou Christou, que provavelmente se refere a um batismo baseado na confissão de Jesus como o Messias. Segundo At 10.48, os que se achavam presentes na casa de Cornélio foram batizados en onomati lesou Christou, para indicar que foram batizados sobre a autoridade de Jesus. Todas as passagens restantes mencionam um batismo eis to onoma lesou Christou (ou tou kyriou lesou), ou simplesmente um batismo eis Christon. Talvez as expressões sirvam apenas para salientar o fato de que os participantes foram colocados numa relação especial com Jesus, a quem os apóstolos estavam pregado, e, por isso, Lhe estavam sujeitos como seu Senhor. Mas qualquer que tenha sido a prática na era apostólica, é evidente que quando, mais tarde, a igreja sentiu a necessidade de uma fórmula, não pôde achar outra melhor do que a contida nas palavras de instituição do batismo. Esta fórmula já estava em uso quando a Didaquê (O Ensino dos Doze Apóstolos) foi escrita (c. 100 A.D.).[3]
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg628)



* Seguida geralmente pelas versões na língua portuguesa. Nota do tradutor.
[1] P. 263 e segtes.
[2] P. 146.
[3] Cf. Capítulo VII.

A Doutrina do Batismo na História

     1. ANTES DA REFORMA. Os chamados “pais primitivos” consideravam o batismo como o rito de iniciação na igreja, e normalmente o consideravam como estreitamente ligado ao perdão de pecados e à comunicação da nova vida. Algumas das suas expressões parecem indicar que eles criam na regeneração batismal. Ao mesmo tempo, deve-se notar que, no caso dos adultos, eles não consideram o batismo como eficaz independentemente da correta disposição da alma, e não viam o batismo como absolutamente essencial para a iniciação da nova vida, mas, antes, consideravam-no como o elemento de consumação do processo de renovação. O batismo de crianças já era corrente nos dias de Orígenes e Tertuliano, embora este último o desestimulasse, com base em questões de conveniência.

A opinião geral era que o batismo nunca devia ser repetido, mas não havia unanimidade quanto à validade do batismo ministrado por hereges. No transcorrer do tempo, porém, veio a ser um princípio estabelecido não rebatizar os que foram batizados em nome do Deus triúno. O modo do batismo não estava em discussão. Do segundo século em diante, aos poucos ganhou terreno a idéia de que o batismo age mais ou menos magicamente. Até mesmo Agostinho parece ter considerado o batismo como eficiente ex opere operato, no caso das crianças. Ele considerava absolutamente necessário o batismo e afirmava que as crianças não batizadas estão perdidas. Segundo ele, o batismo elimina a culpa original, mas não remove totalmente a corrupção da natureza. Os escolásticos a princípio partilhavam o conceito de Agostinho, que, no caso do batismo de adultos, que o batismo é sempre eficaz ex opere operato. A importância das condições subjetivas foi menosprezada. Assim, a característica concepção católica romana do sacramento, de acordo com a qual o batismo é o sacramento da regeneração e da iniciação na igreja, aos poucos ganhou proeminência. Ele contém a graça que simboliza e a confere a todos quantos não ponham obstáculo no caminho. Esta graça era considerada muito importante, visto que (a) marca indelevelmente o participante como membro da igreja; (b) livra da culpa do pecado original e de todos os pecados atuais cometidos até à hora do batismo, remove a corrupção do pecado, embora permaneça a concupiscência, e liberta o homem da punição eterna e de todas as punições temporais positivas; (c) produz renovação espiritual pela infusão da graça santificante e das virtudes sobrenaturais da fé, da esperança e do amor; e (d) incorpora o participante na comunhão dos santos e na igreja visível.

2. DESDE A REFORMA. A Reforma Luterana não se desfez inteiramente da concepção católica romana dos sacramentos. Para Lutero, a água do batismo não é água comum, mas uma água que, mediante a Palavra com seu poder divino inerente, veio a ser uma água da vida, cheia de graça, um lavamento de regeneração. Por esta eficácia divina da Palavra, o sacramento efetua a regeneração. No caso dos adultos, Lutero colocava o efeito do batismo na dependência da fé presente no participante. Percebendo que não podia pensar desse modo no caso de crianças, que não podem exercer fé, ele, certa vez, afirmou que Deus, por Sua graça preveniente, produz fé na criança ainda sem discernimento, mas posteriormente confessou ignorância sobre este ponto. Teólogos luteranos mais recentes houve que retiveram a idéia de uma fé infantil como pré-condição para o batismo, ao passo que outros entendiam que o batismo produz essa fé imediatamente. Nalguns casos, isto levou à idéia de que o sacramento age ex opere operato.

Os anabatistas cortaram o nó górdio de Lutero negando a legitimidade do batismo de crianças. Eles insistiam em batizar todos os candidatos à admissão no seu círculo que tinham recebido o sacramento na infância, e não consideravam isto um rebatismo, mas, sim, o primeiro batismo verdadeiro. Para eles, as crianças não têm lugar nenhum na igreja.

Calvino e a teologia reformada partiam da pressuposição de que o batismo foi instituído para os crentes, e não produz, mas fortalece a nova vida. Naturalmente, eles se defrontaram com a questão como as crianças poderiam ser consideradas crentes e sobre como poderiam ser fortalecidas espiritualmente, visto não poderem exercer fé. Alguns simplesmente assinalavam que as crianças nascidas de pais crentes são filhos da aliança e, como tais, herdeiros das promessas de Deus, incluindo-se também a promessa de regeneração; e que a eficácia espiritual do batismo não se limita à hora da sua ministração, mas continua durante a vida toda. A Confissão Belga também expressa essa idéia com as seguintes palavras: “Tampouco este batismo nos é útil somente na ocasião em que a água é derramada sobre nós e recebida por nós, mas também no transcurso de toda a nossa vida”.[1] Outros foram além dessa posição e afirmavam que os filhos da aliança devem ser considerados presumivelmente regenerados. Isto não equivale a dizer que todos eles são regenerados quando são apresentados para o batismo, mas que se presume que são regenerados, enquanto não se deduza das suas vidas o contrário. Havia ainda alguns que consideravam o batismo como nada mais que o sinal de uma aliança externa. Sob a influencia dos socinianos, dos arminianos, dos anabatistas e dos racionalistas, tornou-se costume em muitos círculos negar que o batismo seja um selo da graça divina, e considera-lo como um simples ato de profissão da parte do homem. Em nossos dias, muitos cristãos professos perderam completamente a consciência da significação espiritual do batismo. Tornou-se mera formalidade.
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg630)


[1] Art. XXXIV.

O Modo Próprio do Batismo.

     Os batistas divergem do restante do mundo cristão em sua posição,* segundo a qual o mergulho ou a imersão, seguida da emersão, é o único modo próprio do batismo; e segundo a qual este modo é absolutamente essencial ao batismo, porque este rito pretende simbolizar a morte e ressurreição de Jesus Cristo, e a conseqüente morte e ressurreição do batizando com Ele. Portanto, surgem duas questões, e é melhor considera-las na seguinte ordem: (1) O que é essencial no simbolismo do batismo? E (2) Será que a imersão é o único modo próprio do batismo? Esta ordem é a preferível porque a primeira questão é a mais importante das duas, e porque a resposta à segunda dependerá em parte da que for dada à primeira.
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg630)



* Acompanhados em geral pelos movimentos pentecostais, que tiveram desenvolvimento maior nas últimas décadas. Nota do tradutor.

O QUE É ESSENCIAL NO SIMBOLISMO DO BATISMO?


Segundo os batistas, a imersão, seguida pela emersão, é o essencial no simbolismo do batismo. A capitulação disto equivaleria à rendição do próprio batismo. A verdadeira idéia batismal, dizem eles, se expressa no afundar na água e no sair dela. Naturalmente, é puramente acidental que essa imersão devolva certo lavamento ou purificação. O batismo continuaria sendo batismo, ainda que a pessoa fosse imersa nalguma coisa destituída de propriedades purificadoras. Eles baseiam sua opinião em Mc 10.38, 39; Lc 12.50; Rm 6.3, 4; Cl 2.12. Mas as duas primeiras passagens expressam meramente a idéia de que Cristo seria oprimido pelos sofrimentos que lhe sobreviriam, e absolutamente não falam do sacramento do batismo. As duas últimas são as únicas que oferecem algum ponto de apoio ao assunto, e mesmo estas não vão ao ponto, pois não falam diretamente de nenhum batismo com água, mas, sim, do batismo espiritual representando por aquele. Elas descrevem a regeneração com a figura de um morrer e um ressuscitar. Sem dúvida, é perfeitamente óbvio que elas não fazem menção do batismo como símbolo da morte e ressurreição de Cristo. Se o batismo fosse descrito como algum símbolo, seria como símbolo do morrer e ressurgir do crente. E, visto que este é apenas um modo figurado de descrever a sua regeneração, faria do batismo uma figura de uma figura.

A teologia reformada (calvinista) tem uma concepção inteiramente diversa daquilo que é essencial no simbolismo do batismo. Ela o vê na idéia de purificação. O Catecismo de Heidelberg indaga, na Pergunta 69: “Como é que está simbolizado e selado em seu favor no santo batismo que você participa do sacrifício de Cristo na cruz?” E responde: “Assim: que Cristo determinou o lavamento externo com água e acrescentou a promessa de que eu sou lavado com o Seu sangue que me purifica da corrupção da minha alma, isto é, de todos os meus pecados, tão certamente como a água me lava exteriormente, pela qual a sujeira do corpo comumente é removida”. Esta idéia de purificação era a coisa pertinente em todas as abluções do Velho testamento, e também no batismo de João, Sl 51.; Ez 36.25; Jo 3.25, 26. E podemos admitir que, neste sentido, o batismo de Jesus estava em completa harmonia com os batismos anteriores. Se fosse Sua intenção que o batismo que Ele instituiu simbolizasse uma coisa inteiramente diferente, teria indicado isso com muita clareza, para evitar todo e qualquer mal-entendido. Além disso, a Escritura deixa muitíssimo claro que o batismo simboliza a limpeza ou purificação espiritual, At 2.38; 22.16; Rm 6.4, 5; 1 Co 6.11; Tt 3.5; Hb 10.22; 1 Pe 3.21; Ap 1.5. é este exatamente o ponto no qual a Bíblia coloca toda a ênfase, ao passo que ela nunca descreve o ir ao fundo e subir como algo essencial.
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg631)

SERÁ QUE A IMERSÃO É O ÚNICO MODO PRÓPRIO DO BATISMO?

     A opinião geralmente predominante fora dos círculos batistas ou imersionistas é que, desde que a idéia fundamental, a saber, a de purificação, ache expressão no rito, o modo do batismo é deveras insignificante. Pode ser igualmente ministrado por imersão, derramamento, afusão ou aspersão. A Bíblia simplesmente emprega a palavra genérica para denotar uma ação destinada a produzir certo efeito, qual seja, limpeza ou purificação, mas em parte nenhuma determina o modo específico pelo qual o efeito há de ser produzido. Jesus não prescreve um determinado modo de batismo. Evidentemente, Ele não deu a isso tanta importância como a que os imersionistas dão. Tampouco os exemplos bíblicos de batismo acentuam algum modo em particular. Não há um único caso em que se nos diga explicitamente como se deve ministrar o batismo.

Todavia, os batistas asseveram que o Senhor ordenou o batismo por imersão, e que todos quantos o ministram de maneira diferente estão agindo em franca desobediência à Sua autoridade. Para provarem sua afirmação, recorrem às palavras bapto e baptizo, que são empregadas na Escritura com o sentido de “batizar”. Vê-se que a segunda palavra é uma forma intensiva ou freqüentativa da primeira, embora no uso geral nem sempre se mantenha a distinção. Bapto é empregado muitas vezes no Velho Testamento, mas no Novo Testamento só ocorre quatro vezes, a saber, em Lc 16.24; Jo 13.26; Ap 19.13, e, nestes casos, não se refere ao batismo cristão. Houve tempo em que os batistas estavam muito confiantes em que o único sentido deste verbo é “imergir”; mas muitos deles mudaram de opinião desde quando Carson, uma das suas maiores autoridades, chegou à conclusão de que o referido verbo tem também um sentido secundário, qual seja, o de “morrer”, de sorte que veio a significar “morrer por submersão” e ainda “morrer de qualquer maneira”, caso em que deixou de ser indicativo do modo.[1] Surgiu ainda a questão sobre se o verbo baptizo, que é utilizado 76 vezes e que é empregado pelo Senhor nas palavras da instituição, é derivado de bapto em seu sentido primário ou em seu sentido secundário. E o doutor Carson responde que é derivado de bapto no sentido de “imergir”. Diz ele: “Já demonstrei que bapto possui dois sentidos, e somente dois, “imergir” e “morrer”. Baptizo, asseverei, tem apenas uma significação. Esta se encontra no sentido primário da raiz, e nunca admiti o secundário. Minha posição é que ele sempre significa imergir, jamais expressando nada senão modo”.[2] Os imersionistas têm que afirmar isso, se querem provar que o Senhor ordenou o batismo por imersão.

Mas os fatos, como aparecem tanto no grego clássico como no grego do Novo Testamento, não oferecem base para essa posição. Mesmo o doutor Gale, talvez o autor mais culto dos que procuram sustentar isso, sentiu-se constrangido pelos fatos a modifica-la. Wilson, em sua esplendida obra sobre o Batismo de Crianças (Infant Baptism), que, em parte, é uma réplica à obra do doutor Carson, cita estes dizeres de Gale: ”A palavra baptizo pode não expressar tão necessariamente a ação de colocar debaixo d’água, como se daria em geral com uma coisa nessa condição, não importando como chegou a ficar assim, se foi mergulhada na água, ou se a água veio sobre ela; se bem que, na verdade, mergulhar na água é o modo mais natural e mais comum, e, portanto, este modo está implícito usual e muito constantemente, mas não necessariamente”.[3] Wilson demonstra conclusivamente que, de acordo com o uso do grego, o batismo é efetuado de vários modos. Diz ele: “Deixe-se o elemento batizante circundar o seu objeto, e, no caso dos líquidos, seja que esta condição relativa tenha sido produzida por imersão, afusão ou absorção, ou de qualquer outro modo, o uso grego o reconhece como batismo válido.” Ele prossegue e mostra pormenorizadamente que é impossível manter a posição de que, no Novo Testamento, a palavra baptizo sempre significa imersão.[4]

É mais que evidente que ambos as apalavras, bapto e baptizo, tinham outros sentidos, como os de “lavar”, “banhar-se” e “purificar mediante lavamento”. A idéia de lavamento ou purificação aos poucos se tornou a idéia proeminente, ao passo que a da maneira pela qual isto se realizava foi-se afastando para os fundos do cenário. Que esta purificação às vezes era efetuada por aspersão, é evidente em passagens como Nm 8.7; 19.13, 18, 19, 20; sl 51.7; Ez 36.25; Hb 9.10. No apócrifo Judite 12.7 e em Mc 7.3, 4 não temos a menor possibilidade de pensar em imersão. Tampouco é possível isso no contexto das seguintes passagens do Novo Testamento: Mt 3.11; Lc 11.37, 38; 12.50; Rm 6.3; 1 Co 12.13; Hb 9.10 (cf. os versículos 13, 14, 19, 21); 1 Co 10. 1, 2. Visto que a palavra baptizo não significa necessariamente “imergir”, e uma vez que em nenhum caso o Novo Testamento afirma explicitamente que o batismo era feito por imersão, o peso da prova (o onus probandi) permanece sobre os imersionistas.

João Batista seria capaz de realizar a enorme tarefa de fazer imergir as multidões que se ajuntavam em torno dele às margens do rio Jordão, ou ele simplesmente derramava água sobre elas, como indicam algumas das inscrições primitivas?* Os apóstolos teriam achado água suficiente em Jerusalém e teriam as facilidades necessárias para batizar por imersão três mil pessoas num só dia? Onde estão as evidências que provam que eles seguiram algum outro método, e não o modo dos batismos do Velho Testamento? Acaso Atos 9.18 mostra de algum modo que Paulo saiu do lugar em que Ananias o encontrara, para deixar-se imergir nalgum lago ou rio? O relato do batismo de Cornélio não dá a impressão de que a água teve que ser trazida e que as pessoas presentes foram batizadas na casa mesmo? (At 10.47, 48). Há alguma prova de que o carcereiro de Filipos não foi batizado na prisão ou perto dela, mas levou seus prisioneiros até o rio, para que pudessem fazer-se imergir? Teria ele ousado levá-los para fora da cidade, quando lhe fora ordenado que os mantivesse presos com segurança? (At 16.22-33). Até a narrativa do batismo do eunuco, em At. 8.36, 38, que muitas vezes é vista como a mais forte prova bíblica do batismo por imersão, não pode ser considerada como evidência conclusiva. Um cuidadoso estudo de uso que Lucas faz da preposição eis mostra que ele a empregava, não somente no sentido de para dentro de, mas também no sentido de a ou para, de modo que é inteiramente possível ler a significativa informação dada no versículo 38 como segue: “ambos desceram à água e Filipe batizou o eunuco”. E mesmo que as palavras estivessem destinadas a transmitir a idéia de que eles desceram dentro da água, isto ainda não provaria o ponto, pois, de acordo com representações feitas em gravuras dos primeiros séculos, os que eram batizados por afusão muitas vezes ficavam de pé dentro d’água, durante o batismo. É inteiramente possível, por certo, que na era apostólica alguns tenham sido batizados por imersão, mas o fato de que em parte alguma o Novo Testamento insiste nisso, prova que a imersão não era essencial. A imersão é um bom modo do batismo, mas também o é o batismo por afusão ou por aspersão, desde que todos eles simbolizam purificação. As passagens aludidas acima provam que muitas abluções veterotestamentárias (batismos)eram feitas por aspersão. Numa profecia a respeito da renovação espiritual do dia do Senhor no Novo Testamento, diz o Senhor: “Então aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados”, Ef 36.25. O elemento simbolizado no batismo, a saber, o Espírito purificador, foi derramado sobre a igreja, Jl 2.28, 29; At 2.4, 33. E o escritor de Hebreus fala dos seus destinatários como tendo os seus corações purificados (aspergidos) de má consciência, Hb 10.22.**
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg633)



[1] Carson, Baptism in its Mode and Subjects, p. 44 e segtes.
[2] Op. cit., p. 55.
[3] P. 97.
[4] Quanto aos vários significados possíveis de baptizo, consultem-se, além do tratado de Wilson, acima referido, obras como as de Armstrong, The Doctrine of Baptisms; Seiss, The Baptist System Examibed; Ayres, Christian Baptism; e Hibbard, Christian Baptism.
* Haja vista o quadro que representa João Batista e Jesus de pé dentro do rio Jordão, e João derramando água sobre a cabeça do Mestre. O referido quadro é do segundo século e atualmente se acha em Ravena, região de Emília, Itália. Nota do tradutor.
** No original grego, “tendo sido aspergidos os corações de má consciência”. Nota do tradutor.

Legítimos Administradores do Batismo

          Os católicos romanos consideram o batismo absolutamente essencial para a salvação; e porque acham cruel fazer que a salvação dependa da presença ou ausência acidental de um sacerdote, também, em casos de emergência, permitem que o batismo seja ministrado por outros, particularmente por parteiras. Apesar do conceito contrário de Cipriano, eles reconhecem o batismo dos hereges, a menos que a sua heresia envolva a negação da Trindade. As igrejas reformadas (calvinistas) sempre agiram com base no princípio de que a ministração da Palavra e a dos sacramentos são entrelaçadamente unidas e que, portanto, o presbítero docente ou ministro é o único legítimo administrador do batismo. A Palavra e o sacramento estão conjuntamente unidos nas palavras da instituição. E, uma vez que o batismo não é matéria privada, mas uma ordenança na igreja, elas afirmavam também que ele deve ser ministrado na assembléia pública dos crentes. Geralmente reconheciam o batismo doutras igrejas, não excluindo os católicos romanos, e também das diversas seitas, exceto no caso das igrejas e seitas que negavam a Trindade. Deste modo, recusavam-se a honrar o batismo dos socinianos e dos unitários.em geral, consideravam como válido o batismo administrado por um ministro devidamente acreditado e em nome do Deus triúno.*

(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg634)



* A Igreja Presbiteriana do Brasil inclui a Igreja Católica Romana entre as igrejas e seitas cujo batismo não é aceito, entre outras razões, pela profunda diferença de significação do batismo, particularmente no caso do batismo de crianças. Nota do tradutor.

Os Objetos do Batismo

    
          O batismo visa unicamente a seres racionais propriamente qualificados, a saber, a crentes e seus filhos. Roma perde isso de vista, na medida em que aplica o sacramento também a relógios, edifícios, etc. Há duas classes de seres humanos a que se deve aplicar o batismo, quais sejam, adultos e crianças pequenas.
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg634)

O BATISMO DE ADULTOS


No caso dos adultos, o batismo tem que ser precedido por uma profissão de fé, Mc 16.16; At 2.41; 8.37 (ausente de alguns MSS); 16.31-33. Daí insistir a igreja em tal profissão antes de batizar adultos. E quando essa profissão é feita, esta é aceita pelo que ela vale nominalmente, a não ser que tenha boas razões objetivas para duvidar da sua veracidade. Não lhe compete espiar os segredos do coração e assim inspecionar a genuinidade de tal profissão. A responsabilidade pesa sobre a pessoa que a faz. O método de investigar a condição interna do coração com o fim de determinar a genuinidade da profissão de fé que a pessoa faz é labadista* e não está em harmonia com a prática das igrejas reformadas. Desde que o batismo não é apenas um sinal e selo, mas também um meio de graça, levanta-se a questão quanto à natureza da graça produzida por ele. Esta questão é levantada aqui unicamente com relação ao batismo de adultos.

Em vista do fato de que, segundo a nossa concepção reformada (calvinista), este batismo pressupõe a regeneração, a fé, a conversão e a justificação, não se pode conceber que estas são produzidas por ele. Neste aspecto divergimos da Igreja de Roma . Mesmo os luteranos, que atribuem ao batismo como meio de graça um poder maior do que o que os reformados lhe atribuem, concordam com estes sobre este ponto.tampouco o batismo produz uma graça sacramental especial que consista nisto, que o participante é implantado no corpo de Jesus Cristo. A incorporação do crente numa união mística com Cristo também é pressuposta. A Palavra e o sacramento produzem exatamente a mesma espécie de graça, exceto que a Palavra, em distinção do sacramento, também serve de instrumento para a originação da fé. O sacramento do batismo fortalece a fé e, porque a fé desempenha um importante papel em todas as outras operações da graça divina, estas também são grandemente beneficiadas por ele. O batismo representa primordialmente um ato da graça de Deus, mas, visto que o cristão professante deve submeter-se voluntariamente a ele, este também pode ser considerado do lado do homem. Há nele um oferecimento e um dom de Deus, mas também uma aceitação por parte do homem. Conseqüentemente, o batismo significa também que o homem aceita a aliança e assume as obrigações próprias dela. É um selo, não meramente de uma aliança oferecida, mas de uma aliança oferecida e aceita, isto é, decidida.
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg635)



* Referente à doutrina de Jean de Labadie (1610-1674), teólogo protestante que propugnava a transformação das igrejas reformadas em comunidades semelhantes à dos cristãos primitivos. Nota do tradutor.

O BATISMO DE CRIANÇAS


É sobre a questão do batismo de crianças que se acha a mais importante divergência entre nós e os batistas. Estes afirmam, como o dr. Hovey, escritor batista o expressa, “que somente os crentes em Cristo têm direito ao batismo, e somente os que dão uma confiável prova da fé nele devem ser batizados”. Quer dizer que as crianças são excluídas do sacramento. Contudo, em todas as demais denominações** elas o recebem. Vários pontos requerem consideração em conexão com este assunto.

a. Base bíblica do batismo de crianças. Pode-se dizer de início que não há´nenhuma ordem explícita na Bíblia para batizar crianças, e que não há um único exemplo no qual se nos diga claramente que crianças foram batizadas. Mas isto não torna necessariamente antibíblico o batismo. O fundamento escriturístico do batismo de crianças acha-se nos seguintes dados:

(1) A aliança feita com Abrão era primariamente uma aliança espiritual, embora também tivesse um aspecto nacional, e desta aliança espiritual a circuncisão era um sinal e selo. É um procedimento infundado dos batistas partir esta aliança em duas ou três alianças diferentes. A Bíblia se refere à aliança com Abraão diversas vezes, mas sempre no singular, Ex 2.24; Lv 26.42; 2 Rs 13.23; 1 Cr 16.16; Sl 105.9. Não há sequer uma única exceção a esta regra. A natureza espiritual desta aliança é comprovada pela maneira segundo a qual suas promessas são interpretadas no Novo Testamento, Rm 4.16-18; 2 Co 6.16-18; Gl 3.8, 9, 14, 16; Hb 8.10; 11.9, 10, 13. decorre também do fato de que evidentemente a circuncisão era um rito que tinha significação espiritual, Dt 10.16; 30.6; Jr. 4.4; 9,25, 26; At 15.1; Rm 2.26-29; 4.11; Fp 3.2, e do fato de que a promessa da aliança é até denominada “o evangelho”, Gl 3.8.

(2) Esta aliança ainda está em vigência, e é essencialmente idêntica à “nova aliança” da presente dispensação. A unidade e continuidade da aliança em ambas as dispensações segue-se do fato de que o Mediador é o mesmo, At 4.12; 10.43; 15.10, 11; Gl 3.16; 1 Tm 2.5, 6; 1 Pe 1.9-12, a condição é a mesma, a saber, a fé, Gn 15.6 (Rm 4.3); Sl 32.10; Hb 2.4; At 10.43; Hb 11, e as bênçãos são as mesmas, quais sejam, a justificação, Sl 32.1, 2, 5; Is 1.18; Rm 4.9; Gl 3.6, a regeneração, Dt 30.6; Sl 51.10, dons espirituais, Jl 2.28, 32; At 2.17-21; Is 40.31, e a vida eterna, Ex 3.6; Hb 4.9; 11.10. Aos que foram levados à convicção no dia de Pentecostes Pedro deu a certeza de que a promessa era para ele e para os seus filhos, At 2.39. Paulo argumenta em Rm 4.13-18 e Gl 3.13-18 que a dádiva da lei não anulou a promessa, de sorte que ela ainda permanece na nova dispensação. E o escritor de Hebreus assinala que a promessa a Abraão foi confirmada com juramento, de modo que os crentes neotestamentários podem haurir consolo da sua imutabilidade, Hb 6.13-18.

(3) Pela determinação de Deus, as crianças participavam dos benefícios da aliança, e, portanto, recebiam a circuncisão como sinal e selo. Segundo a Bíblia, a aliança é, evidentemente, um conceito orgânico, e sua realização segue linhas orgânicas e históricas. Há um povo ou nação de Deus, um conjunto orgânico tal que só pode constituir-se de famílias. Naturalmente, esta idéia de nação é muito proeminente no Velho Testamento, mas o notável é que ela não desapareceu depois da nação de Israel ter servido ao seu propósito. Ela foi espiritualizada e, assim, passou para o Novo Testamento, de modo que o povo de Deus, no Novo Testamento, também é apresentado como nação, Mt 21.43; Rm 9.25, 26 (comp. Oséias 2.23); 2 Co 6.16; Tt 2.14; 1 Pe 2.9. Durante a antiga dispensação, as crianças eram consideradas parte integrante de Israel como o povo de Deus. Estavam presentes quando era renovada a aliança, Dt 29.10-13; Js 8.35; 2 Cr 20.13, tinham um lugar na congregação de Israel e, portanto, estavam presentes em suas assembléias religiosas, 2 Cr 20.13; Jl 2.16. Em vista de promessas ricas como as de Is 54.13; Jr 31.34; Jl 2.28, dificilmente esperaríamos que os privilégios de tais crianças fossem reduzidos na nova dispensação, e, certamente, não procuraríamos sua exclusão de todo e qualquer lugar na igreja. Jesus e os apóstolos não as excluíram, Mt 19.14; At 2.39; 1 Co 7.14. A referida exclusão por certo exigiria uma declaração muito explícita a respeito.

(4) Na nova dispensação o batismo, pela autoridade divina, substitui a circuncisão como o sinal e selo iniciatório da aliança da graça. A Escritura insiste vigorosamente em que a circuncisão não pode mais servir como tal, At 15.1, 2; 21.21; Gl 2.3-5; 5.2-6; 6.12, 13, 15. Se o batismo não lhe tomou o lugar, o Novo Testamento não tem nenhum rito iniciatório. Mas Cristo o estabeleceu como tal substituto, Mt 28.19, 20; Mc 16.15, 16. Seu sentido espiritual corresponde ao da circuncisão. Como a circuncisão se referia à eliminação do pecado e à mudança do coração, Dt 10.16; 30.6; Jr 4.4; 9.25, 26; Ez 44.7, 9, assim o batismo se refere ao lavamento purificador do pecado., At 2.38; 1 Pe 3.21; Tt 3.5, e à renovação espiritual, Rm 6.4; Cl 2.11, 12. esta última passagem claramente liga a circuncisão ao batismo e, ensina que a circuncisão de Cristo, isto é, a circuncisão do coração, simbolizada pela circuncisão da carne, é realizada pelo batismo, isto é, por aquilo que o batismo simboliza. Cf. também Gl 3.27, 29. Mas, se as crianças recebiam o sinal e selo da aliança na antiga dispensação, a pressuposição é que certamente elas têm direito de recebe-lo na nova, a qual os fiéis do Velho Testamento eram ensinados a aguardar como sendo uma dispensação muito mais completa e muito mais rica. Sua exclusão dela requereria uma declaração clara e inequívoca com esse fim, mas exatamente o oposto é que se vê, Mt 19.14; At 2.39; 1 Co 7.14.

(5) Como acima foi assinalado, o Novo Testamento não contém nenhuma evidência direta em favor da prática do pedobatismo nos dias dos apóstolos. Lambert, após considerar e sopesar todas as evidências à mão, expressa a sua conclusão com as seguintes palavras: “Então, as evidências do Novo Testamento parecem apontar para a conclusão de que o batismo de crianças, para dizer o mínimo, não era costume geral na era apostólica”.[1] Mas não há necessidade de ninguém se surpreender com o fato de não haver menção direta do batismo de crianças, pois num período missionário como o da era apostólica, naturalmente a ênfase recairia sobre o batismo de adultos. Além disso, nem sempre as condições eram favoráveis ao batismo de crianças. Os conversos não teriam de imediato uma adequada concepção dos seus deveres e responsabilidades pactuais. Às vezes somente um dos pais se convertia e é perfeitamente concebível que o outro se opusesse ao batismo dos filhos. Muitas vezes não havia razoável certeza de que os pais educariam os seus filhos piedosa e religiosamente, e, todavia, era necessária essa certeza. Ao mesmo tempo, a linguagem do Novo Testamento é perfeitamente coerente com uma continuação da administração orgânica da aliança, que exigia a circuncisão das crianças, Mt 19.14; Mc 10.13-16; At 2.39; 1 Co 7.14. Ademais, o Novo Testamento fala repetidamente do batismo de famílias, e não dá indicação de que isto seja considerado fora do comum, mas, antes, refere-se a esse fato como natural, At 16.15, 33; 1 Co 1.16. È, por certo, inteiramente possível, mas não muito provável, que nenhuma dessas famílias tivesse crianças. E se havia crianças, é moralmente certo que eram batizadas junto com seus pais. O certo é que o Novo Testamento não contém nenhuma prova de que pessoas nascidas e criadas em famílias cristãs não possam ser batizadas antes de chegarem à idade da discrição e de haverem professado sua fé em Cristo. Não há a mais ligeira alusão a alguma prática desse tipo.

(6) Wall, na introdução da sua História do pedobatismo (History of Infant Baptism), mostra que no batismo de prosélitos os filhos dos prosélitos muitas vezes eram batizados junto com seus pais; mas Edersheim diz que havia uma diferença de opiniões sobre este ponto.[2] Naturalmente, mesmo que isso acontecesse, nada provaria quanto ao batismo cristão, mas mostraria que não havia nada de estranho nesse procedimento. A mais antiga referência histórica ao batismo de crianças acha-se nos escritos da segunda metade do segundo século. A obra Didaquê fala do batismo de adultos, mas mão do pedobatismo; e conquanto Justino faça menção de mulheres que eram discípulas de Cristo desde a infância (ek paidon), esta porção dos seus escritos não menciona o batismo, e a expressão ek paidon não significa necessariamente infância. Irineu, falando de Cristo, diz: “Ele veio salvar por meio de Si próprio todos os que, por meio dele, nascem de novo para Deus, crianças e criancinhas, e meninos, e jovens e idosos”.[3] Este trecho, embora não mencione explicitamente o batismo, é considerado como a mais antiga referência ao batismo de crianças, visto que os chamados “pais primitivos” associavam tão estritamente o batismo à regeneração, que empregavam o termo”regeneração” em lugar de “batismo”. Que o batismo de crianças era praticado mui geralmente, é evidenciado pelos escritos de Tertuliano, embora ele próprio considerasse mais proveitoso protelar o batismo.[4] Orígenes o descreve como uma tradição dos apóstolos. Diz ele: “Pois isto havia também que a igreja tinha dos apóstolos uma tradição (ou, ordem) de dar o batismo até mesmo às crianças”.[5] O Concílio de Cartago (253 A.D.) toma o batismo de crianças como certo e simplesmente discute a questão sobre se elas deveriam ser batizadas antes dos oito dias de idade. Do segundo século em diante, o batismo de crianças é reconhecido normalmente, embora às vezes negligenciado na prática. Agostinho inferiu do fato de que ele era praticado pela igreja no mundo inteiro, apesar de não instituído nos concílios, que, com toda a probabilidade, foi estabelecido pela autoridade dos apóstolos. Sua legitimidade não foi negada até aos dias da Reforma, quando os anabatistas se opuseram a ele.

(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg638)



** Excetuadas as igrejas pentecostais em geral, que tiveram maior desenvolvimento nas décadas recentes. Nota do tradutor.
[1] The Sacraments in the New Testament, p. 204.
[2] Life and Times of Jesus the Messiah II, p. 746.
[3] Adv. Haereses II, 22, 4.
[4] De Baptismo, c. XVIII.
[5] Comm. In Epist. Ad Romanos, lib. B.

Objeções ao batismo de crianças. Algumas das objeções mais importantes ao pedobatismo reclamam breve consideração

      (1) A circuncisão era apenas uma ordenança carnal e típica, e, como tal, esta destinada a extinguir-se. Colocar o batismo no lugar da circuncisão é simplesmente dar continuidade à ordenança carnal. Ordenanças carnais que tais não têm lugar legítimo na igreja no Novo Testamento. Em nossos dias, esta objeção é levantada por alguns dispensacionalistas, como Bullinger e O’Hair, que alegam que o batismo instituído por Jesus está relacionado com o Reino, e que somente o batismo do Espírito tem um lugar próprio na igreja. O Livro de Atos marca a transição do batismo com água para o batismo com o Espírito. Naturalmente, este argumento provaria que todo batismo, o de adultos e o de crianças, é ilegítimo. Nesta apresentação do assunto, as dispensações judaica e cristã são postas em antagonismo uma contra a outra, como carnal e espiritual, dizendo-se que a circuncisão pertence à primeira delas. Mas este argumento é falaz. Não há base para por a circuncisão inteiramente ao nível das ordenanças carnais da lei mosaica. Diz Bannerman: “A circuncisão independia, quer da introdução que da abolição da lei de Moisés, e teria continuado de pé como ordenança para admissão na igreja de Deus como selo da aliança da graça, se o batismo não tivesse sido designado expressamente como seu substituto”.[1] Pode-se admitir que a circuncisão adquiriu certa significação típica no período mosaico, mas era primordialmente sinal e selo da aliança já feita com Abraão. Enquanto tipo, naturalmente cessou com o surgimento do antítipo, e mesmo como um selo da aliança, abriu alas para um sacramento incruento expressamente instituído por Cristo para a igreja e reconhecido como tal pelos apóstolos, visto que Cristo dera fim, uma vez por todas, ao derramamento de sangue referente à obra de redenção. À luz da Escritura, é inteiramente insustentável a posição segundo a qual o batismo se relaciona com o Reino, e não com a igreja, posição que, portanto, é judaica e não cristã. As próprias palavras da instituição condenam esse conceito, e o mesmo se dá com o fato de que, por ocasião do nascimento da igreja do Novo Testamento, Pedro exigiu dos que foram acrescentados a ela que fossem batizados. E se se disser que Pedro, sendo judeu, ainda seguia o exemplo de João Batista, pode-se assinalar que Paulo, o apóstolo dos gentios, também exigia que os seus conversos fossem batizados, At 1615, 33; 18.8; 1 Co 1.16.

(2) Não há ordem explícita para que as crianças sejam batizadas. Isto é perfeitamente certo, mas não refuta a validade do batismo de crianças. Deve-se observar que esta objeção se baseia numa regra de interpretação que os próprios batistas não seguem fielmente quando afirmam que os cristãos têm o dever obrigatório de celebrar o primeiro dia da semana como o seu Sabbath, ou seja, como o seu dia semanal de santo repouso, e que as mulheres também podem participar da Santa Ceia; pois estas coisas não foram ordenadas explicitamente. Poderia o silêncio da Escritura ser interpretado em prol do batismo de crianças, e não contra? Durante vinte séculos as crianças tinham sido iniciadas formalmente na igreja, e o Novo Testamento não diz que isto agora deve cessar, ao passo que de fato ensina que a circuncisão não serve mais para aquela finalidade. O Senhor Jesus instituiu pessoalmente outro rito, e no dia de Pentecostes Pedro disse aos que se ajuntaram à igreja que a promessa era para eles e para os seus filhos, e a quantos mais o Senhor chamasse. Esta declaração de Pedro prova, no mínimo, que ele continua tendo em mente a concepção orgânica da aliança. Além disso, pode-se levantar a questão sobre como os batistas podem provar que a sua posição é correta citando uma ordem expressa da Escritura. A Bíblia ordena em algum lugar que as crianças sejam excluídas do batismo? Ordena ela que todos os que nascem e são criados em famílias cristãs professem sua fé antes de serem batizados? É mais que patente que não existem essas ordens na Bíblia.

(3) Uma objeção estreitamente relacionada com a anterior é que não há exemplo de batismo de crianças no Novo Testamento. É certo que a Bíblia não diz explicitamente que foram batizadas crianças, embora nos informe que o rito foi ministrado a famílias inteiras. A ausência de referências definidas ao batismo de crianças tem explicação, ao menos em boa medida, no fato de que a Escritura nos dá um registro histórico da obra missionária dos apóstolos, e não da obra empreendida nas igrejas organizadas. Aí também o feitiço vira contra o feiticeiro, quanto aos batistas. Poderão mostrar eles algum exemplo de batismo de um adulto nascido e criado num lar cristão? Não há risco nenhum de que algum dia o façam.

(4) A objeção mais importante ao pedobatismo levantada pelos batistas é que, de acordo com a Escritura, o batismo está condicionado a uma fé ativa, que se revela numa profissão digna de crédito. Ora, é bem certo que a Bíblia apresenta a fé como um requisito do batismo, Mc 16:16; At 10.44-48; 16.14, 15, 31, 34. Se isto significar que todo aquele que recebe o batismo deve, em todos os casos, apresentar manifestações de fé ativa antes do batismo, naturalmente as crianças estarão excluídas. Mas, embora a Bíblia indique claramente que somente os adultos que criam eram batizados, em parte nenhuma firma a regra de que uma fé ativa é absolutamente essencial para receber-se o batismo. Os batistas nos remetem à grande comissão, nos termos de Mc 16.15, 16. em vista do fato de que este é um mandado missionário, podemos partir da suposição de que o Senhor tinha em mente uma fé ativa, ao dizer aquelas palavras. E, apesar de não vir exposto explicitamente, é inteiramente provável que Ele considerasse esta fé como um requisito da ministração do batismo às pessoas em vista. Quem são estas, porém?

Evidentemente, os adultos das nações que deviam ser evangelizadas, e, daí, os batistas não têm base para entendê-lo como argumento contra o pedobatismo. Se, não obstante, insistirem em faze-lo, dever-se-á assinalar que, em sua interpretação, aquelas palavras provam demais em favor deles, e, portanto, nada provam. As palavras do nosso Salvador implicam que a fé é um requisito do batismo daqueles que, graças aos esforços missionários da igreja, seriam levados a Cristo, e não implicam que também é um requisito do batismo de crianças. Os batistas generalizam essa declaração do Salvador ensinando que ela torna todo batismo dependente da fé ativa do batizando. Seu argumento vai como segue: A fé ativa é o requisito do batismo. As crianças não podem exercer fé. Portanto, as crianças não devem ser batizadas. Mas, dessa maneira, essas palavras também podem ser elaboradas como argumento contra a salvação de crianças, visto que elas não somente implicam, mas afirmam explicitamente que a fé (fé ativa) é a condição para a salvação. Assim, o batista que for coerente ver-se-á sob o peso do seguinte silogismo: A fé é a conditio sine qua non (condição indispensável) da salvação. As crianças ainda não podem exercer fé. Logo, as crianças não podem ser salvas. Mas esta é uma conclusão da qual o próprio batista recua.*

(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg641)



[1] The Church of Christ II, p. 98.
* Na expressão do tradutor desta obra, esse é um “silogismo, que é o busílis acabrunhador dos batistas” (opúsculo intitulado O Batismo Cristão, de Odayr Olivetti, Nanuque, MG, 6/10/1954, p. 15). Também é bom transcrever aqui as palavras finais do referido opúsculo: “Não façamos da Lógica trapézio, nem da Bíblia, mãe de sofismas. Busquemos nela a verdade e a vontade de Deus, e não a mentira e a vontade dos homens. Deus permita que os batistas sinceros possam ver a grande comissão de Jesus a Seus discípulos (Mc 16.15, 16), não uma fonte de discussões, confusões e contendas com outros cristãos, mas sim a ordem de evangelização, de pregação do Evangelho puro e repleto de amor, porque, como diz o Espírito Santo, pela boca do profeta e do apóstolo: ‘Quão suaves são sobre os montes os pés do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, que anuncia o bem, que faz ouvir a salvação, que diz a Sião: O teu Deus reina!’ (Is 52.7); e ‘Quão formosos os pés dos que anunciam a paz, dos que anunciam coisas boas!’ (Rm 10.15)”. Nota do tradutor.

Base do batismo de crianças

(1) Posição dos nossos padrões confessionais. A Confissão Belga declara no Art. XXXIV que os filhos pequenos de pais crentes “devem ser batizados e selados com o sinal da aliança, como anteriormente as crianças de Israel eram circuncidadas com base nas mesmas promessas feitas às nossas crianças”. O Catecismo de Heidelberg responde a pergunta, “As crianças também devem ser batizadas?”, como segue: “Sim, pois, desde que elas estão, como os adultos, incluídas na aliança e na igreja de Deus, e desde que tanto a redenção do pecado como o Espírito, o Autor da fé, lhes são prometidos não menos que aos adultos, mediante o sangue de Cristo, elas também devem, pelo batismo, como sinal da aliança, ser enxertadas na igreja cristã, e devem ser distinguidas dos filhos dos descrentes, como se fazia na antiga dispensação ou testamento pela circuncisão, em lugar da qual o batismo foi instituído na nova aliança”.[1] E os Cânones de Dort contêm a seguinte declaração em I, Art. 17: “Uma vez que devemos discernir a vontade de Deus em Sua Palavra, que atesta que os filhos dos crentes são santos, não por natureza, mas em virtude da aliança da graça, que os abrange juntamente com seus pais, os pais crentes não devem duvidar da eleição e salvação dos seus filhos, a quem praza a Deus chamar desta vida em sua infância (Gn 17.7; At 2.39; 1 Co 7.14)”. estas declarações dos nossos padrões confessionais estão em plena harmonia com a posição de Calvino, segundo a qual, os filhos pequenos de pais crentes, ou aqueles que têm somente um dos pais crentes, são batizados com base em sua relação pactual.[2] A nossa Forma para o Batismo de Crianças (Form for the Baptism of Infants) toca na mesma tecla: “Então, desde que o batismo tomou o lugar da circuncisão, as crianças devem ser batizadas como herdeiras do reino de Deus e da Sua aliança”. Observe-se que todas essas declarações se baseiam no mandamento de Deus que manda circuncidar os filhos da aliança, pois, em última análise, o mandamento é a base do batismo de crianças.*

Com fundamento em nossos padrões confessionais, pode-se dizer que os filhos pequenos de pais crentes são batizados com base em que são filhos da aliança e, como tais, são herdeiros das amplíssimas promessas pactuais de Deus, que incluem também a promessa de perdão dos pecados e da dádiva do Espírito Santo para a regeneração e a santificação. Na aliança Deus lhes dá certa concessão ou dádiva de maneira formal e objetiva, exige deles que, no devido tempo, aceitem isto pela fé, e promete fazer disso uma vívida realidade nas vidas deles, pela operação do Espírito Santo. E, em vista deste fato, a igreja deve considera-los como herdeiros prospectivos da salvação, deve considera-los como estando na obrigação de andar nas veredas da aliança, tem o direito de esperar que, sob uma fiel administração pactual, eles, falando em termos gerais, vivam segundo a aliança, e é seu dever considera-los como infratores da aliança, se não cumprirem as exigências desta. É unicamente deste modo que se faz plena justiça às promessas de Deus, que em toda a sua plenitude deverão ser assimiladas pela fé por aqueles que chegarem à maturidade. Assim, a aliança, incluindo as promessas pactuais, constitui a base legal e objetiva do batismo de crianças. O batismo é sinal e selo de tudo quanto as promessas abrangem.

(2) Diferenças de opinião entre os teólogos reformados (calvinistas). Nem todos os teólogos reformados concordavam no passado, e mesmo agora não são todos unânimes em sua apresentação da base do batismo de crianças. Muitos teólogos dos séculos dezesseis e dezessete assumiram a posição descrita no item anterior, a saber, que os filhos pequenos dos crentes são batizados porque estão na aliança e, nesta qualidade, são herdeiros das ricas promessas de Deus, que incluem o direito, não somente à regeneração, mas também a todas as bênçãos da justificação e das influências renovadoras e santificantes do Espírito Santo. Outros, porém, embora reconhecendo a veracidade dessa apresentação, não se satisfaziam inteiramente com ela. Acentuavam o fato de que o batismo é algo mais que sinal e selo de uma promessa, ou mesmo de todas as promessas da aliança, e que não é apenas o selo de um bem futuro, mas também de posses espirituais no presente. Prevaleceu o conceito de que o batismo é ministrado a crianças com base na regeneração presuntiva. Mas mesmo entre os que esposavam este conceito não havia pelo acordo. Alguns combinavam esta idéia com outra, enquanto outros substituíam aquela por esta. Alguns partiam do pressuposto de que todas as crianças apresentadas para o batismo são regeneradas, ao passo que outros só admitiam isto em conexão com as crianças eleitas. A diferença de opiniões entre os que criam que os filhos dos crentes são batizados com base em seu relacionamento pactual e na promessa da aliança, e os que viam esta base na regeneração presuntiva persistiu até os dias atuais e foi causa de vigorosa controvérsia, principalmente na Holanda, durante o último período do século dezenove e o princípio do século vinte.

A princípio, o doutor Kuyper falava da regeneração presuntiva como a base do batismo de crianças, e muitos aceitaram prontamente essa idéia. G. Kramer escreve sua esplêndida tese sobre Het Verband van Doop em Wedergeboorte especialmente em defesa dessa posição. Posteriormente, o doutro Kuyper deixou de usar de vez essa expressão, e alguns dos seus seguidores sentiram necessidade de uma discriminação mais cuidadosa e falavam da relação pactual como base legal do batismo de crianças, e da regeneração presuntiva como sua base espiritual. Mas, até mesmo esta ainda não é uma posição satisfatória. O doutor Honig, que também é um discípulo e admirador de Kuyper, está na pista certa quando diz, em seu recente* Manual de Dogmática Reformada (Handboek van de Gereformeerde Dogmatiek):[3] “Não batizamos os filhos pequenos dos crentes baseados numa pressuposição, mas numa ordem e num ato de Deus. As crianças devem ser batizadas em virtude da aliança de Deus” (versão inglesa de Berkof, do original holandês). A regeneração presuntiva naturalmente não pode ser considerada como a base legal do pedobatismo; esta só pode ser encontrada na promessa pactual de Deus. Além disso, ela não pode ser considerada a base em nenhum sentido da palavra, desde que o batismo tem que ser algo objetivo, como os próprios defensores do conceito em foco e sentem constrangidos a admitir. Se lhes perguntam por que presumem a regeneração das crianças apresentadas para o batismo, eles só podem responder: “Porque elas nasceram de pais crentes, isto é, porque nasceram na aliança”. Naturalmente, negar que a regeneração presuntiva é a base do batismo de crianças não equivale a dizer que é inteiramente destituído de base presumir que as crianças nascidas de pais crentes são regeneradas. Esta é uma questão que deve ser considerada com base em seus próprios méritos.

Talvez seja bom citar neste contexto a primeira metade do quarto ponto das Conclusões de Ultrecht, adotadas por nossa igreja em 1908. Traduzimo-la da seguinte maneira: “E finalmente, no que concerne ao quarto ponto, o da regeneração presuntiva, o Sínodo declara que, de acordo com a confissão das nossas igrejas, deve-se presumir que a semente da aliança, em virtude da promessa de Deus, é regenerada e santificada em Cristo, enquanto o contrário não aparecer em sua vida ou doutrina, quando crescer; que, todavia, é menos correto dizer que o batismo é ministrado aos filhos pequenos dos crentes com base em sua regeneração presuntiva, visto que a base do batismo é a ordem e a promessa de Deus; e que, ademais, o juízo de amor como qual a igreja presume que a semente da aliança é regenerada, de modo nenhum tenciona dizer que, portanto, cada criança é realmente regenerada, desde que a Palavra de Deus ensina que nem todos os de Israel são de fato israelitas, e de Isaque se diz: Nele será chamada a tua semente – ou descendência (Rm 9.6, 7), de modo que na pregação é sempre necessário insistir no sério exame próprio uma vez que somente os que crêem e são batizados serão salvos”.[4]

(3) Objeção à idéia de que as crianças são batizadas com base em sua relação pactual. Tem-se dito que, se as crianças são batizadas com base em que elas nascem na aliança e, portanto, são herdeiras da promessa, são batizadas com base diferente da dos adultos, visto que estes são batizados com base em sua fé ou em sua profissão de fé. Mas isto a rigor não é certo, como Calvino já o demonstrou em seus dias. O grande Reformador respondeu eficientemente a esta objeção. O que vem a seguir é tradução do que Kramer diz a respeito da posição de Calvino sobre este ponto: “Com relação ao batismo de crianças, Calvino vê ocasião aqui, agora que ele tomou a perspectiva da aliança, para traçar linha mais longa. Até este ponto, ele não chamou a atenção para o fato de que os adultos também são batizados de acordo com a regra da aliança. E, daí, poderia parecer que há uma diferença entre o batismo de adultos e o de crianças. Os adultos seriam batizados com base em sua fé, as crianças com base na aliança de Deus. Não, declara o Reformador, a única regra segundo a qual, e a única base legal sobre a qual a igreja pode ministrar o batismo, é a aliança. Isto é verdade, tanto no caso de crianças como no de adultos. Se estes devem primeiro fazer uma confissão de fé e passar pela conversão, é porque se acham fora da aliança. Para serem admitidos à comunhão da aliança, devem aprender primeiro quais as exigências da aliança, e, depois, a fé a conversão abrem caminho para a aliança.”[5] Exatamente a mesma opinião é expressa por Bavinck..[6] Quer dizer que, depois que os adultos adentram a aliança pela fé e conversão, recebem o sacramento do batismo com base nessa relação pactual. Também para eles o batismo é sinal e selo da aliança.
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg644)



[1] Lord’s Day XXVII. Perg. 74.
[2] Inst. IV 16:6, 15.
* Os símbolos de fé da Igreja Presbiteriana (que são os de Westminster) tratam do pedobatismo nas seguintes partes: Confissão de Fé, Capítulo XXVIII, Seções IV a VI; Catecismo Maior, Perguntas 166 e 167; e Breve Catecismo (ou Catecismo Menor), Pergunta 95. Nota do tradutor.
* 1938. Nota do Tradutor.
[3] P. 655.
[4] Acts of Synod, 1908, p. 82, 83.
[5] Het Verband van Doop em Wedergeboorte, p. 122, 123.
[6] Geref. Dogm. IV, p. 581.