quarta-feira, 23 de julho de 2014

Racionalidade

Não vos escrevi porque não saibais a

verdade; antes, porque a sabeis, e porque

mentira alguma jamais procede da verdade.

(Jo 2.21)

Uma segunda palavra-chave que ajuda a definir uma

cosmovisão autenticamente cristã é a racionalidade. Nós

acreditamos que a revelação objetiva das Escrituras é

racional. A Bíblia faz sentido perfeitamente. Ela não contém

contradições, nem erros nem princípios mal fundamentados.

Qualquer coisa que contradiga as Escrituras é falso.

Esse tipo de racionalidade é oposto a todo o conteúdo do

pensamento pós-moderno As pessoas da atualidade são

ensinadas a glorificar a contradição, a abraçar o que é

absurdo, a preferir o que é subjetivo e a permitir que os

sentimentos (em vez do intelecto) determinem o que eles

crêem. Elas são ensinadas a não rejeitar idéias apenas

porque contradizem o que nós aceitamos ser verdadeiro. E

elas são até mesmo encorajadas a abraçar conceitos

contraditórios e mostrar-lhes o mesmo respeito como se

fossem verdadeiros. Tal irracionalidade não é nada menos do

que rejeitar o conceito da verdade.

Como cristãos nós sabemos que Deus não pode mentir

(Tt 12). Ele não "pode negar-se a si mesmo" (2Tm 2.13); e,

portanto, ele não se contradiz. Ele não é Deus de confusão

(1Co 14.33). Sua verdade é perfeitamente coerente.

Isso significa primeiro de tudo, que a Palavra de Deus é

um registro preciso e incontestável da verdade. A Bíblia não é

cheia de absurdos, contradições ou fantasias. Ela é

perfeitamente consistente com tudo o que é verdadeiro. Os

fatos colocados pelas Escrituras são fidedignos.

Os eventos históricos descritos na Bíblia são história

verdadeira, não alegorias míticas ou exóticas. A doutrina

ensinada nela é sem erro. Os detalhes das Escrituras são

preciosos, desde o dia da Criação até o dia final da

consumação, da volta de Cristo. As Escrituras em si são

completamente livres de todos os erros e deficiências.

" ... é mais fácil passar o céu e a terra do que cair um til

sequer da Lei" (Lc 16.17). É desse modo que Cristo via as

Escrituras, e qualquer pessoa que adote um ponto de vista

diferente não será, nesse aspecto, um seguidor genuíno de

Cristo.

Mas existe uma segunda, igualmente importante,

implicação de nossa confiança na veracidade absoluta de

Deus: Visto que sua Palavra é verdade objetiva e

perfeitamente fidedigna em tudo que ensina, as Escrituras

deveriam ser tanto o ponto de partida como o de chegada do

teste da verdade em todo nosso pensamento. Se as

Escrituras são totalmente verdadeiras, então qualquer coisa

que as contradiga é simplesmente falsa, mesmo se estivermos

falando de crenças fundamentais sobre as quais as ideologias

mais populares do mundo são baseadas.

Esse tipo de racionalidade em branco e preto é uma das

principais razões do Cristianismo bíblico ser intolerável

numa geração que despreza a simples idéia de verdade

absoluta.

A fim de que ninguém entenda mal, nós não estamos

defendendo o racionalismo — a noção de que a razão humana

sozinha, independente de qualquer revelação sobrenatural,

possa descobrir a verdade. Um racionalista imagina que a

razão humana é tanto a fonte como o teste final de toda

verdade. O fato é que o racionalismo exalta a razão humana

acima das Escrituras.

Como cristãos nós nos opomos ao racionalismo, mas o

Cristianismo não de modo algum hostil a racionalidade. Nós

cremos que a verdade é lógica; é coerente; é inteligível. Não

apenas a verdade pode ser conhecida racionalmente; ela não

pode ser conhecida de modo algum se nós abandonarmos a

racionalidade.

Irracionalidade é uma agressão às Escrituras e aos

intentos de Deus. Quando Deus deu a Bíblia, era para que

ela fosse entendida, mas ela só pode ser entendida por

aqueles que aplicam sua mente a ela racionalmente.

Contrário ao que muitos podem pensar o significado das

Escrituras não é algo que nos vem através de meios místicos.

Não é segredo espiritual que tem de ser descoberto por algum

método enigmático ou arbitrário. Seu significado verdadeiro

pode ser entendido apenas por aqueles que a abordam

racionalmente e sensivelmente.

Neemias 8 descreve o re-avivamento que se passou

naquele tempo, motivado pela leitura pública das Escrituras.

Neemias descreve a cena:

Em chegando o sétimo mês, e estando os

filhos de Israel nas suas cidades, todo o

povo se ajuntou como um só homem, na

praça, diante da Porta das Águas; e

disseram a Esdras, o escriba, que trouxesse

o livro da lei de Moisés, que o SENHOR

tinha prescrito a Israel. Esdras, o sacerdote,

trouxe a lei perante a congregação, tanto de

homens como de mulheres e de todos os

que eram capazes de entender o que

ouviam. Era o primeiro dia do sétimo mês. E

leu no livro, diante da praça, que está

fronteira à Porta das Águas, desde a alva até

ao meio-dia, perante homens e mulheres e

os que podiam entender; e todo o povo tinha

os ouvidos atentos ao livro da lei (Ne 8.1-3).

Observe-se a ênfase na atenção do povo.

A leitura era em beneficio" ... de todos os que eram

capazes de entender o que ouviam ... os que podiam

entender." O versículo 8 descreve como Esdras e os escribas

fizeram a leitura: "Leram no livro, na lei de Deus, claramente,

dando explicações, de maneira que entendessem o que se lia"

(Ne 8.8).

A leitura não foi um exercício ritualista, como um canto

ou a entoação cerimonial de alguma liturgia. Era dirigido às

faculdades cognitivas das pessoas — suas mentes racionais.

O poder da Palavra de Deus reside em seu significado,

não meramente no som das palavras. Não era um

encantamento mágico em que seu poder pode ser liberado

meramente recitando sílabas, mas o poder inerente nas

Escrituras é o poder da verdade. Eu gosto de dizer que o

significado das Escrituras é as Escrituras. Se você não

interpretar a passagem corretamente, então você não tem a

Palavra de Deus, porque apenas o significado verdadeiro é a

Palavra de Deus.

Não é como se nós pudéssemos fazer as palavras

significarem qualquer coisa que queiramos que elas

signifiquem, de forma que, seja qual for a conotação que

impusermos às palavras, elas se tornam a Palavra de Deus.

Somente a interpretação verdadeira do texto é a autêntica

Palavra de Deus e qualquer outra interpretação

simplesmente não é o que Deus está dizendo.

Lembre-se, a Palavra de Deus é a verdade objetiva

revelada e, portanto, tem um significado racional. Esse

significado, e esse significado apenas, é a verdade. Entendêla

corretamente é de suprema importância.

Por essa razão é que é tão importante interpretarmos as

Escrituras cuidadosamente a fim de entendê-la corretamente.

É um processo racional, não um processo místico ou

estranho.

É um processo espiritual? Certamente. Eu nunca início

meu estudo da Palavra de Deus sem orar: "Senhor, abre meu

entendimento para ver a verdade." Mas eu não fico sentado

esperando que alguma coisa caia do céu; eu abro meus livros

e busco o entendimento racional do texto.

Isso começa com a compreensão de que as Escrituras

são internamente coerentes. Portanto, enquanto nós

comparamos as Escrituras com as Escrituras, as partes mais

claras explicam as partes mais difíceis. Quanto mais

estudamos mais luz é lançada no nosso entendimento. É

trabalho mental duro, mas é também trabalho espiritual da

mesma forma.

De fato, nós somos totalmente dependentes do Espírito

Santo para nos ensinar a verdade, porque " ... o homem

natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe

são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se

discernem espiritualmente" (1Co 2.14).

Mas a maneira como o Espírito Santo nos dá

entendimento é através de nossas mentes — empregando

nossas faculdades racionais (v. 16; Ef 1.18; 4.23; 2Tm 1.7).

A teologia neo-ortodoxa, que encontrou destaque na

primeira metade do século 20, causou tremenda confusão

sobre a racionalidade da verdade. Os teólogos neo-ortodoxos

insistiam que o Cristianismo é um sistema de crença

irracional — uma religião de "paradoxo". O que eles estavam

realmente dizendo é que o Cristianismo é cheio de

contradições. Paradoxo é uma designação errônea no sentido

em que eles o usavam. “Um verdadeiro paradoxo é um jogo

de palavras, tal como "Porém, muitos primeiros serão

últimos; e os últimos, primeiros" (Mt 19.30), e ''Não é assim

entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre

vós, será esse o que vos sirva" (Mt 20.26).

Mas quando os neo-ortodoxos usam o termo paradoxo

eles estão falando de uma contradição real. Eles consideram

toda verdade como irracional, contraditória e absurda à

mente lógica. No sistema deles, fé implica no abandono da lógica.

É um pulo cego no abismo do irracionalismo. Eles

emprestaram seu irracionalismo da filosofia existencial e

fizeram dele uma marca registrada de sua teologia.

Ao fazer isto, eles lançaram fundamentos para uma

versão pós-moderna do Cristianismo.1 Mas esse não é o

Cristianismo verdadeiro porque ele abandonou a

racionalidade, que é essencial à verdade propriamente dita.

O problema com tal irracionalismo é que ele anula a lei

da não-contradição, o fundamento essencial de todo

pensamento racional. Se duas proposições contraditórias

pudessem ser ambas verdadeiras ao mesmo tempo, então

uma idéia que se opõe à verdade não poderia necessariamente

ser considerada errada. A antítese de uma afirmação

verdadeira não poderia automaticamente ser julgada falsa.

Este é o mesmo tipo de pensamento que reside no coração da

tolerância pós-modernista. Não é uma visão cristã da

verdade. É irracionalismo.

O apóstolo Paulo escreveu, "Se alguém ensina outra

doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso

Senhor Jesus Cristo e com o ensino segundo a piedade, é

enfatuado, nada entende, mas tem mania por questões e

contendas de palavras, de que nascem inveja, provocação,

difamações, suspeitas malignas" (1 Tm 6.3,4). A afirmação de

Paulo assume que a verdade é racional e seja o que for que

contradiga a verdade está errado. Este é o entendimento

cristão correto da verdade bíblica.

É a antítese do pensamento pós-modernista.

Existem algumas partes difíceis de entender na doutrina

cristã. Por exemplo, nós acreditamos que Deus é soberano

sobre a vontade humana "Como ribeiros de águas assim é o

coração do rei na mão do SENHOR; este, segundo o seu

querer, o inclina" (Pv 21.1). Não obstante, cremos que a

pessoa escolhe livremente de acordo com seus desejos de

modo que cada um é moralmente responsável por suas ações

"Assim, pois, cada um de nós dará contas de si mesmo a

Deus" (Rm 14.12). Muitos acham essas verdades difíceis de

reconciliar; contudo não existe de fato nenhuma contradição

entre elas. A soberania de Deus não se encontra em conflito

com a responsabilidade humana. Os dois princípios

trabalham em perfeita harmonia, mesmo embora não seja

imediatamente óbvio para nós o como eles funcionam. Nós

também acreditamos na Trindade — que Deus é um em

essência, mas subsiste em três pessoas. Alguns tentam

caracterizar esta doutrina como contraditória, mas ela não é.

Nós não cremos que Deus é três no mesmo sentido em

que ele é um. Tais verdades não são contraditórias; elas não

são nem ao menos paradoxos no sentido em que os neoortodoxos

usam os termos. Elas são verdades difíceis que, no

máximo, requerem que exercitemos cuidado extra na

aplicação da lógica com rigor, mas nós não devemos pensar

que são irracionais. Elas não são.

Irracionalidade é equivalente à negação da verdade.

Precisamente porque acreditamos que a Bíblia é

objetivamente verdadeira, nós insistimos que ela deve ser

compreendida e interpretada racionalmente.

(Princípios para uma cosmovisão bíblica – John MacArthur. Pg. 23)