Não vos
escrevi porque não saibais a
verdade;
antes, porque a sabeis, e porque
mentira
alguma jamais procede da verdade.
(Jo 2.21)
Uma
segunda palavra-chave que ajuda a definir uma
cosmovisão
autenticamente cristã é a racionalidade. Nós
acreditamos
que a revelação objetiva das Escrituras é
racional.
A Bíblia faz sentido perfeitamente. Ela não contém
contradições,
nem erros nem princípios mal fundamentados.
Qualquer
coisa que contradiga as Escrituras é falso.
Esse tipo
de racionalidade é oposto a todo o conteúdo do
pensamento
pós-moderno As pessoas da atualidade são
ensinadas
a glorificar a contradição, a abraçar o que é
absurdo, a
preferir o que é subjetivo e a permitir que os
sentimentos
(em vez do intelecto) determinem o que eles
crêem.
Elas são ensinadas a não rejeitar idéias apenas
porque
contradizem o que nós aceitamos ser verdadeiro. E
elas são
até mesmo encorajadas a abraçar conceitos
contraditórios
e mostrar-lhes o mesmo respeito como se
fossem
verdadeiros. Tal irracionalidade não é nada menos do
que
rejeitar o conceito da verdade.
Como
cristãos nós sabemos que Deus não pode mentir
(Tt 12).
Ele não "pode negar-se a si mesmo" (2Tm 2.13); e,
portanto,
ele não se contradiz. Ele não é Deus de confusão
(1Co
14.33). Sua verdade é perfeitamente coerente.
Isso
significa primeiro de tudo, que a Palavra de Deus é
um
registro preciso e incontestável da verdade. A Bíblia não é
cheia de
absurdos, contradições ou fantasias. Ela é
perfeitamente
consistente com tudo o que é verdadeiro. Os
fatos
colocados pelas Escrituras são fidedignos.
Os eventos
históricos descritos na Bíblia são história
verdadeira,
não alegorias míticas ou exóticas. A doutrina
ensinada
nela é sem erro. Os detalhes das Escrituras são
preciosos,
desde o dia da Criação até o dia final da
consumação,
da volta de Cristo. As Escrituras em si são
completamente
livres de todos os erros e deficiências.
" ...
é mais fácil passar o céu e a terra do que cair um til
sequer da
Lei" (Lc 16.17). É desse modo que Cristo via as
Escrituras,
e qualquer pessoa que adote um ponto de vista
diferente
não será, nesse aspecto, um seguidor genuíno de
Cristo.
Mas existe
uma segunda, igualmente importante,
implicação
de nossa confiança na veracidade absoluta de
Deus:
Visto que sua Palavra é verdade objetiva e
perfeitamente
fidedigna em tudo que ensina, as Escrituras
deveriam
ser tanto o ponto de partida como o de chegada do
teste da
verdade em todo nosso pensamento. Se as
Escrituras
são totalmente verdadeiras, então qualquer coisa
que as
contradiga é simplesmente falsa, mesmo se estivermos
falando de
crenças fundamentais sobre as quais as ideologias
mais
populares do mundo são baseadas.
Esse tipo
de racionalidade em branco e preto é uma das
principais
razões do Cristianismo bíblico ser intolerável
numa
geração que despreza a simples idéia de verdade
absoluta.
A fim de
que ninguém entenda mal, nós não estamos
defendendo
o racionalismo
—
a noção de que a razão humana
sozinha,
independente de qualquer revelação sobrenatural,
possa
descobrir a verdade. Um racionalista imagina que a
razão
humana é tanto a fonte como o teste final de toda
verdade. O
fato é que o racionalismo exalta a razão humana
acima das
Escrituras.
Como
cristãos nós nos opomos ao racionalismo, mas o
Cristianismo
não de modo algum hostil a racionalidade. Nós
cremos que
a verdade é lógica; é coerente; é inteligível. Não
apenas a
verdade pode ser conhecida racionalmente; ela não
pode ser
conhecida de modo algum se nós abandonarmos a
racionalidade.
Irracionalidade
é uma agressão às Escrituras e aos
intentos
de Deus. Quando Deus deu a Bíblia, era para que
ela fosse
entendida, mas ela só pode ser entendida por
aqueles
que aplicam sua mente a ela racionalmente.
Contrário
ao que muitos podem pensar o significado das
Escrituras
não é algo que nos vem através de meios místicos.
Não é
segredo espiritual que tem de ser descoberto por algum
método
enigmático ou arbitrário. Seu significado verdadeiro
pode ser
entendido apenas por aqueles que a abordam
racionalmente
e sensivelmente.
Neemias 8
descreve o re-avivamento que se passou
naquele
tempo, motivado pela leitura pública das Escrituras.
Neemias
descreve a cena:
Em
chegando o sétimo mês, e estando os
filhos de
Israel nas suas cidades, todo o
povo se
ajuntou como um só homem, na
praça,
diante da Porta das Águas; e
disseram a
Esdras, o escriba, que trouxesse
o livro da
lei de Moisés, que o SENHOR
tinha
prescrito a Israel. Esdras, o sacerdote,
trouxe a
lei perante a congregação, tanto de
homens
como de mulheres e de todos os
que eram
capazes de entender o que
ouviam.
Era o primeiro dia do sétimo mês. E
leu no
livro, diante da praça, que está
fronteira
à Porta das Águas, desde a alva até
ao
meio-dia, perante homens e mulheres e
os que
podiam entender; e todo o povo tinha
os ouvidos
atentos ao livro da lei (Ne 8.1-3).
Observe-se
a ênfase na atenção do povo.
A leitura
era em beneficio" ... de todos os que eram
capazes de
entender o que ouviam ... os que podiam
entender."
O versículo 8 descreve como Esdras e os escribas
fizeram a
leitura: "Leram no livro, na lei de Deus, claramente,
dando
explicações, de maneira que entendessem o que se lia"
(Ne 8.8).
A leitura
não foi um exercício ritualista, como um canto
ou a entoação
cerimonial de alguma liturgia. Era dirigido às
faculdades
cognitivas das pessoas — suas mentes racionais.
O poder da
Palavra de Deus reside em seu significado,
não
meramente no som das palavras. Não era um
encantamento
mágico em que seu poder pode ser liberado
meramente
recitando sílabas, mas o poder inerente nas
Escrituras
é o poder da verdade. Eu gosto de dizer que o
significado
das
Escrituras é as Escrituras. Se você não
interpretar
a passagem corretamente, então você não tem a
Palavra de
Deus, porque apenas o significado verdadeiro é a
Palavra de
Deus.
Não é como
se nós pudéssemos fazer as palavras
significarem
qualquer coisa que queiramos que elas
signifiquem,
de forma que, seja qual for a conotação que
impusermos
às palavras, elas se tornam a Palavra de Deus.
Somente a
interpretação verdadeira do texto é a autêntica
Palavra de
Deus e qualquer outra interpretação
simplesmente
não é o que Deus está dizendo.
Lembre-se,
a Palavra de Deus é a verdade objetiva
revelada
e, portanto, tem um significado racional. Esse
significado,
e esse significado apenas, é a verdade. Entendêla
corretamente
é de suprema importância.
Por essa
razão é que é tão importante interpretarmos as
Escrituras
cuidadosamente a fim de entendê-la corretamente.
É um
processo racional, não um processo místico ou
estranho.
É um
processo espiritual? Certamente. Eu nunca início
meu estudo
da Palavra de Deus sem orar: "Senhor, abre meu
entendimento
para ver a verdade." Mas eu não fico sentado
esperando
que alguma coisa caia do céu; eu abro meus livros
e busco o
entendimento racional do texto.
Isso
começa com a compreensão de que as Escrituras
são
internamente coerentes. Portanto, enquanto nós
comparamos
as Escrituras com as Escrituras, as partes mais
claras
explicam as partes mais difíceis. Quanto mais
estudamos
mais luz é lançada no nosso entendimento. É
trabalho
mental duro, mas é também trabalho espiritual da
mesma
forma.
De fato,
nós somos totalmente dependentes do Espírito
Santo para
nos ensinar a verdade, porque " ... o homem
natural
não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe
são
loucura; e não pode entendê-las, porque elas se
discernem
espiritualmente" (1Co 2.14).
Mas a
maneira como o Espírito Santo nos dá
entendimento
é através de nossas mentes — empregando
nossas
faculdades racionais (v. 16; Ef 1.18; 4.23; 2Tm 1.7).
A teologia
neo-ortodoxa, que encontrou destaque na
primeira
metade do século 20, causou tremenda confusão
sobre a
racionalidade da verdade. Os teólogos neo-ortodoxos
insistiam
que o Cristianismo é um sistema de crença
irracional
— uma religião de "paradoxo". O que eles estavam
realmente
dizendo é que o Cristianismo é cheio de
contradições.
Paradoxo é uma designação errônea no sentido
em que
eles o usavam. “Um verdadeiro paradoxo é um jogo
de
palavras, tal como "Porém, muitos primeiros serão
últimos; e
os últimos, primeiros" (Mt 19.30), e ''Não é assim
entre vós;
pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre
vós, será
esse o que vos sirva" (Mt 20.26).
Mas quando
os neo-ortodoxos usam o termo paradoxo
eles estão
falando de uma contradição real. Eles consideram
toda
verdade como irracional, contraditória e absurda à
mente
lógica. No sistema deles, fé implica no abandono da lógica.
É um pulo
cego no abismo do irracionalismo. Eles
emprestaram
seu irracionalismo da filosofia existencial e
fizeram
dele uma marca registrada de sua teologia.
Ao fazer
isto, eles lançaram fundamentos para uma
versão
pós-moderna do Cristianismo.1 Mas esse
não é o
Cristianismo
verdadeiro porque ele abandonou a
racionalidade,
que é essencial à verdade propriamente dita.
O problema
com tal irracionalismo é que ele anula a lei
da
não-contradição, o fundamento essencial de todo
pensamento
racional. Se duas proposições contraditórias
pudessem
ser ambas verdadeiras ao mesmo tempo, então
uma idéia
que se opõe à verdade não poderia necessariamente
ser
considerada errada. A antítese de uma afirmação
verdadeira
não poderia automaticamente ser julgada falsa.
Este é o
mesmo tipo de pensamento que reside no coração da
tolerância
pós-modernista. Não é uma visão cristã da
verdade. É
irracionalismo.
O apóstolo
Paulo escreveu, "Se alguém ensina outra
doutrina e
não concorda com as sãs palavras de nosso
Senhor
Jesus Cristo e com o ensino segundo a piedade, é
enfatuado,
nada entende, mas tem mania por questões e
contendas
de palavras, de que nascem inveja, provocação,
difamações,
suspeitas malignas" (1 Tm 6.3,4). A afirmação de
Paulo
assume que a verdade é racional e seja o que for que
contradiga
a verdade está errado. Este é o entendimento
cristão
correto da verdade bíblica.
É a
antítese do pensamento pós-modernista.
Existem
algumas partes difíceis de entender na doutrina
cristã.
Por exemplo, nós acreditamos que Deus é soberano
sobre a
vontade humana "Como ribeiros de águas assim é o
coração do
rei na mão do SENHOR; este, segundo o seu
querer, o
inclina" (Pv 21.1). Não obstante, cremos que a
pessoa
escolhe livremente de acordo com seus desejos de
modo que
cada um é moralmente responsável por suas ações
"Assim,
pois, cada um de nós dará contas de si mesmo a
Deus"
(Rm 14.12). Muitos acham essas verdades difíceis de
reconciliar;
contudo não existe de fato nenhuma contradição
entre
elas. A soberania de Deus não se encontra em conflito
com a
responsabilidade humana. Os dois princípios
trabalham
em perfeita harmonia, mesmo embora não seja
imediatamente
óbvio para nós o como eles funcionam. Nós
também
acreditamos na Trindade — que Deus é um em
essência,
mas subsiste em três pessoas. Alguns tentam
caracterizar
esta doutrina como contraditória, mas ela não é.
Nós não
cremos que Deus é três no mesmo sentido em
que ele é
um. Tais verdades não são contraditórias; elas não
são nem ao
menos paradoxos no sentido em que os neoortodoxos
usam os
termos. Elas são verdades difíceis que, no
máximo,
requerem que exercitemos cuidado extra na
aplicação
da lógica com rigor, mas nós não devemos pensar
que são
irracionais. Elas não são.
Irracionalidade
é equivalente à negação da verdade.
Precisamente
porque acreditamos que a Bíblia é
objetivamente
verdadeira, nós insistimos que ela deve ser
compreendida e interpretada racionalmente.
(Princípios para uma cosmovisão bíblica – John MacArthur. Pg. 23)