Surge aqui uma importante questão, a saber,
se a certeza pertence à essência da fé, ou se é algo adicional, não incluído na
fé. Uma vez que a expressão “certeza da fé” nem sempre é empregada no mesmo
sentido, é necessário discriminar o assunto cuidadosamente. Há uma dupla
certeza, a saber: (1) A certeza objetiva da fé, que é “a convicção certa e
indubitável de que Cristo é tudo que Ele professa ser, e fará tudo que
promete”. Geralmente se concorda que esta certeza é da essência da fé. (2) A
certeza subjetiva da fé, ou segurança da graça e da salvação, que consiste num
senso de garantia e de segurança, subindo, em muitos casos, às alturas de uma
“segura convicção de que o crente individual teve os seus pecados perdoados e a
sua alma salva”. Quanto à relação desta certeza ou segurança com a essência da
fé, as opiniões diferem.
1.
A Igreja Católica Romana nega, não somente
que a certeza pessoal pertença à essência da fé, mas até mesmo que ela seja um actus
reflexus (ato reflexo) ou fruto da fé. Ela ensina que os crentes não podem
estar seguros da salvação, exceto nos raros casos em que a segurança é dada por
revelação especial. Isto é um resultado natural do semipelagianismo e do
sistema confessional de Roma. Os arminianos primitivos, que compartiam a
posição semipelagiana de Roma, adotaram uma conceituação similar. Seu conceito
foi condenado pelo Sínodo de Dort.
2. Os Reformadores reagiram contra a
inaceitável posição da igreja de Roma. Em seu protesto, ocasionalmente
salientavam de modo unilateral a certeza ou segurança como o elemento mais
importante da fé. Às vezes falavam como se quem não tiver a certeza da
salvação, a convicção positiva de que os seus pecados estão perdoados, não
possui a verdadeira fé. A fidúcia da fé às vezes era descrita por eles
como a segura confiança do pecador em que todos os seus pecados são perdoados
por amor a Cristo. Todavia, os seus escritos evidenciam muito bem (a) que eles
não queriam ensinar que esta fidúcia não inclui outros elementos, e (b)
que não tinham intenção de negar que os verdadeiros filhos de Deus
freqüentemente têm que enfrentar toda sorte de dúvidas e incertezas.[1]
3. Os padrões confessionais reformados
(calvinistas) variam um pouco. O Catecismo de Heidelberg ensina, também em
reação à Roma, que a fidúcia da fé consiste na segurança do perdão dos pecados.
Ele se coloca inteiramente no ponto de vista dos Reformadores, e concebe a
certeza da salvação como pertencente à essência da fé. Os Cânones de Dort tomam
a posição de que esta certeza dos eleitos não é fruto de uma revelação
especial, mas decorre da fé nas promessas de Deus, do testemunho do Espírito
Santo, e do exercício de uma boa consciência e da prática das boas obras, sendo
desfrutada de acordo com a medida da fé. Isto implica, certamente, que, nalguma
proporção, ela pertence à essência da fé. Contudo, fica estabelecido
explicitamente que muitas vezes os crentes têm que lutar com dúvidas carnais,
de modo que nem sempre têm percepção da segurança da fé. A Confissão de Fé
Presbiteriana (de Westminster), falando da certeza e segurança da fé assevera
que esta não pertence à essência da fé de um modo que o verdadeiro crente não
deva esperar algum tempo por ela. Isto deu a alguns teólogos presbiterianos,
ocasião para negarem que a segurança pessoal pertença à essência da fé. Não é,
porem, o que a Confissão diz, e há razoes para entender que ela não tencionava
ensinar isto. Na Escócia, os “homens de Marrow” deram, certamente, uma
diferente interpretação da referida Confissão de Fé.[2]
4. Depois do período confessional, houve
diversos extravios desta posição.
a. Os antinomianos consideravam esta
segurança como constituindo totalmente a essência da fé. Ignoravam todas as
outras atividades da fé e consideravam a fé simplesmente como uma aceitação
intelectual da proposição: São-te perdoados os teus pecados. O teólogo holandês
De Labadie não reconhecia como membro da igreja a ninguém que não estivesse
plenamente seguro da salvação.[3]
b. Por outro lado, um nomismo pietista
afirmava que a segurança não pertence ao ser da fé, propriamente dito, mas
somente ao seu bem estar; e, exceto por revelação especial, isto só pode ser
assegurado mediante contínua e conscienciosa introspecção. Todas as espécies de
“sinais da vida espiritual” derivados, não da Bíblia, mas das vidas de cristãos
aprovados, passaram a ser o padrão do auto-exame. Contudo, o resultado provou
que este método não conseguiu produzir segurança, mas, antes, tendeu a levar a
crescente dúvida, confusão e incerteza.
c. Os metodistas têm em vista uma conversão
metódica que leva consigo imediata certeza. Eles colocam a lei diante dos
homens, fazem que eles vejam a sua completa pecaminosidade e a sua terrível
culpa, e os amedrontam com os terrores do Senhor. E depois de os haverem
colocado assim sob a terrificante influência da lei, imediatamente lhes
apresentam o pleno e gratuito Evangelho de Redenção, que meramente requer uma
voluntária aceitação de Cristo como seu Salvador. Num só momento, os pecadores
são transportados em ondas de emoção, da mais profunda tristeza para a mais
exaltada alegria. E esta súbita mudança traz consigo uma imediata segurança da
redenção. Quem crê, também está seguro de que é redimido. Todavia, não
significa que também tem certeza da salvação final. Esta é uma certeza que o
metodista coerente não pode alcançar, visto que ele crê na queda dos santos.
d. Entre os teólogos reformados
(calvinistas) há uma diferença de opinião. Muitos presbiterianos negam que a fé
propriamente dita inclua segurança; e nos círculos reformados alguns
compartilham esta negação. Kuyper, Bavinck e Vos, porém, sustentam
acertadamente que a verdadeira fé, que inclui confiança, traz consigo um senso
de garantida segurança, que pode variar em grau. Todavia, há também uma
segurança da fé que resulta da reflexão. É possível fazer da própria fé um
objeto de reflexão e, assim, chegar a uma segurança subjetiva que não pertence
à essência da fé. Neste caso, deduzimos daquilo que experimentamos em nossa
vida pessoal a presença da obra do Espírito Santo dentro de nós; cf. 1 Jo
2.9-11; 3.9, 10, 18, 19; 4.7, 20.[4]
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg 508)