A conversão é simplesmente uma parte do
processo salvífico. Mas, porque é parte de um processo orgânico, naturalmente
está ligada de modo íntimo com cada uma das outras partes. Às vezes se vê a
tendência, especialmente em nosso país, de identifica-la com alguma das outras
partes do processo, ou de exalta-la como se se tratasse da parte muitíssimo
mais importante do processo. É bem conhecido o fato de que alguns, ao falarem
da sua redenção, nunca vão além da sua conversão, esquecendo-se de falar do seu
crescimento espiritual, nos anos posteriores.Isto sem dúvida se deve ao fato de
que na experiência deles, a conversão sobressai como uma crise incisivamente
marcante, crise que exigiu da parte deles. Tendo-se em conta a tendência atual
de se perder a percepção das linhas de demarcação presentes no processo de
salvação, é bom lembrar-nos da veracidade do adágio latino: “Qui bene
distinguet, bene docet” (“Quem distingue bem, ensina bem”). Devemos notar
as seguintes características da conversão:
1.
A conversão pertence aos atos recriadores de
Deus, e não aos Seus atos judiciais. Ela não altera a posição, mas, sim, a
condição do homem. Ao mesmo tempo, relaciona-se estreitamente com as operações
divinas na esfera judicial. Na conversão, o homem toma consciência do fato de
que ele merece a condenação, e também é levado ao reconhecimento desse fato.
Conquanto isto já pressuponha fé, ela conduz também a maior manifestação da fé
em Jesus Cristo, a uma segura confiança nele para a salvação. E esta fé, por
sua vez, pela apropriação da justiça de Jesus Cristo, serve de instrumento para
a justificação do pecador. Na conversão, o homem se desperta para a jubilosa
segurança de que todos os seus pecados são perdoados com base nos méritos de
Jesus Cristo.
3.
A conversão assinala o início, não só do
despojamento do velho homem, da fuga do pecado, mas também do revestimento do
novo homem, da luta pela santidade no viver. Na regeneração, o princípio
pecaminoso da velha vida já é substituído pelo princípio santo da nova vida.
Mas é somente na conversão que esta transição penetra a vida consciente,
levando-a numa nova direção, rumo a Deus. O pecador abandona conscientemente a
vida antiga e pecaminosa e se volta para uma vida em comunhão com Deus e a Ele
devotada. Não quer dizer, porém, que a luta entre a velha e a nova está acabada
de uma vez; ela continuará enquanto durar a vida do homem.
2. Como a palavra metanoia
claramente indica, a conversão tem lugar, não na vida subconsciente do pecador,
mas em sua vida consciente. Isto não significa que ela não tem suas raízes na
vida subconsciente. Sendo um efeito direto da regeneração, naturalmente inclui
uma transição nas operações próprias da nova vida, do subconsciente para o
consciente. Em vista disso, pode-se dizer que a conversão começa nas
profundezas da personalidade, mas, como um ato completo, certamente está dentro
das linhas abrangidas pela vida consciente. Isto põe em relevo a estrita
conexão existente entre a regeneração e a conversão. A conversão que não esteja
arraigada na regeneração, não é conversão verdadeira.
4. Tomando a palavra “conversão” em seu
sentido mais específico, ela indica uma mudança instantânea, e não um processo
como o da santificação. É uma mudança que se dá uma vez e não se pode repetir,
embora, como acima exposto, a Bíblia também denomine conversão o retorno do
cristão a Deus, depois de haver caído em pecado. Neste caso, é a volta do
crente para Deus e para a santidade, depois de os haver perdido de vista
temporariamente. Quanto à regeneração, não temos a menor possibilidade de falar
em repetição; mas na vida consciente do cristão há altos e baixos, períodos de
íntima comunhão com Deus e períodos de afastamento dele.
5. Contrariamente aos que pensam na
conversão unicamente como uma crise definida na vida, deve-se notar que,
conquanto a conversão possa ser uma crise agudamente marcante, pode ser também
uma mudança muito gradativa. A teologia mais antiga sempre distinguia entre
conversões súbitas e graduais (como nos casos de Jeremias, João Batista e
Timóteo); e em nossos dias, a psicologia da religião acentua a mesma distinção.
As conversões marcadas por crise são mais freqüentes na épocas de declínio
religioso, e nas vidas daqueles que não gozaram os privilégios de uma
verdadeira educação religiosa, e que vagavam longe das veredas da verdade, da retidão
e da santidade.
6. Finalmente, em nossos dias, quando
muitos psicólogos mostram uma inclinação para reduzir a conversão a um fenômeno
geral e natural do período da adolescência, é necessário assinalar que, quando
falamos em conversão, temos em mente uma obra sobrenatural de Deus,
resultando numa mudança religiosa. Os psicólogos às vezes insinuam que a
conversão é apenas um fenômeno natural, chamando a atenção para o fato de que
mudanças repentinas ocorrem também na vida moral e intelectual do homem. Alguns
deles sustentam que a emergência da idéia de sexo desempenha um papel
importante na conversão. Contra esta tendência racionalista e naturalista, é
preciso afirmar o caráter específico da conversão religiosa.
(Teologia Sistemática de Louis Berkhof. Pg 484)