Durante os recentes anos os psicólogos
fizeram um estudo especial dos fenômenos da conversão.
1. NATUREZA DESTE ESTUDO. A natureza deste
estudo pode ser mais bem compreendida pelo exame de obras como as de Coe, The
Spiritual Life (A Vida Espiritual); de Starbuck, The Psichology
of Religion (A Psicologia da Religião); de William James, Varieties of
Religious Experience (Variedades da Experiência Religiosa); de Ames, The
Psichology of Religious Experience (Psicologia da Experiência Religiosa);
de Pratt, The Religious Conscieousness (A Consciência Religiosa); de
Clark, The Psychology of Religious Awakening (Psicologia do Departamento
Religioso); de Hughes, I (A Nova Psicologia e a Experiência Religiosa); e de
Horton, The Psychological Approach to Theology (Abordagem Psicológica da
Teologia). Por longo tempo a psicologia negligenciou completamente os fatos da
vida religiosa, mas agora, nos últimos vinte e cinco anos, tomou conhecimento
deles.* A princípio, a atenção foi dirigida
primariamente – para não dizer exclusivamente – para aquilo que parecia
constituir o grande fato central da experiência religiosa, a conversão. Os
psicólogos estudaram muitos casos de conversão indutivamente e tentaram
classificar as várias forças operantes na conversão, distinguir os diferentes
tipos de experiência religiosa, determinar o período da vida em que a conversão
tem maior probabilidade de ocorrer, e descobrir as leis que regem os fenômenos
da conversão. Embora tenham apresentado o seu estudo como uma investigação
puramente indutiva dos fenômenos como se vêem na experiência individual, e,
nalguns casos, tenham expressado o louvável desejo e intenção de manter por
trás as suas convicções filosóficas e religiosas, não obstante, revelaram
claramente em vários casos a tendência de ver a conversão como um processo
puramente natural, tão sujeito às leis ordinárias da psicologia como qualquer
outro fato psíquico; e de passar por alto, senão negar explicitamente, o seu
aspecto sobrenatural. Os mais cuidadosos especialistas dentre eles ignoram, mas
não negam, o sobrenatural na conversão. Explicam o seu silêncio quanto aos
aspectos mais profundos deste fato central da experiência religiosa chamando a
atenção para as suas limitações como psicólogos. Eles só podem lidar com fatos
observáveis e com as leis psíquicas que evidentemente governam, mas não têm
direito de sondar a possível ou provável realidade espiritual subjacente, na
qual estes fatos encontram a sua explicação. Eles assinalaram que a conversão
não é um fenômeno especificamente cristão, mas também se acha noutras
religiões; e que não é necessariamente um fenômeno religioso, ocorrendo também
em esferas não religiosas. De fato, a conversão é apenas uma das mudanças que
ocorrem no período da adolescência, “um súbito reajustamento a um ambiente
espiritual mais amplo”, uma rendição do velho ego a outro mais verdadeiro. “No
máximo”, diz Starbuck, “é o individuo entrando em harmonia com aquilo que ele
acha que é a vontade divina”.[1]
Como Pratt a entende, “o que há de essencial na conversão é a unificação da
personalidade, a realização de um novo ego”.[2]
Quanto à questão sobre se há algo de sobrenatural na conversão, há diferença de
opinião entre os psicólogos. Coe indaga: “Concluiremos, então, que a conversão
é praticamente uma realização automática?” E responde: “Não, a menos que
definamos primeiramente a conversão em termos que ignoram a sua profunda
relação com Deus e com o princípio de um bom viver. ..A substância das
experiências religiosas transcende tanto as suas formas emocionais como o homem
transcende as roupas que usa”.[3]
James percebe que um cristão ortodoxo poderia perguntar-lhe se a relação que
ele estabelece entre os fenômenos da conversão com a parte subliminar da
personalidade não exclui completamente a noção da presença direta nela da
Divindade; e responde com estas palavras: “Devo dizer francamente que o
psicólogo não vê por que deveria necessariamente excluí-la”.[4]
Acha ele que, “se existem poderes superiores capazes de influir em nós, eles só
podem ter acesso pela porta subliminar”.[5]
Os representantes da Nova Psicologia, isto é, da Escola Behaviorista e da
Escola Psicanálise, tomam abertamente a posição de que a conversão pode vir a
ocorrer de maneira perfeitamente natural, sem nenhuma influência sobrenatural.
James e outros afirmam que o real segredo da súbita mudança que se dá na
conversão está nalguma atividade da parte subliminar da personalidade, que pode
ou não estar sujeita a alguma influência divina. Os estudiosos de psicologia
geralmente concordam que há três passos distintos na conversão, que Ames
descreve como segue: “Primeiro, um sentimento de perplexidade e
intranqüilidade; segundo, um clímax e um ponto decisivo; e terceiro, uma
descontração assinalada por repouso e alegria”.[6]
Há acordo geral de que existem pelo menos dois tipos notáveis de conversão, os
quais são designados de diversas maneiras. Falando destas duas espécies de
conversão, diz Starbuck que a primeira é acompanhada por um violento sentimento
de pecado, e a outra, por uma sensação de algo incompleto, pela luta por uma
vida mais ampla, e pelo desejo de iluminação espiritual. Faz-se distinção entre
a conversão de crianças e a de adultos, entre conversões gradativas e
conversões repentinas (impetuosas), e entre conversões intelectuais e
emocionais. São apenas nomes diferentes para os dois tipos reconhecidos de
conversões. Embora a conversão em geral possa ser considerada como uma
experiência normal, às vezes se vê que assume um aspecto anômalo, especialmente
durante os avivamentos, e então se torna um fenômeno patológico. No que se
refere ao tempo da conversão, assinala-se que a conversão não ocorre com a
mesma freqüência em todos os períodos da vida, mas pertence quase
exclusivamente aos anos que se situam entre os 10 e os 25 anos de idade, sendo
extremamente rara depois dos 30. Quer dizer que ela é peculiarmente
característica do período da adolescência. O ambiente, a educação e a instrução
religiosa afetam a natureza e a freqüência da sua ocorrência.
2. AVALIAÇÃO DESSES ESTUDOS. Não há por que
negar o valor desses estudos psicológicos da conversão. Seria tolice varre-los
para um canto como tendo pouca ou nenhuma significação, ou ignora-los apenas
por não levarem na devida conta o sobrenatural na conversão. Eles derramam uma
grata luz sobre algumas leis aplicáveis à vida psíquica do homem, e sobre
alguns dos fenômenos que acompanham a crise ocorrida na vida consciente do
homem, e sobre diversos tipos de conversão e os fatores que os determinam. Eles
aprofundam o nosso discernimento dos diferentes tipos de conversão, que sempre
foram reconhecidos pela teologia reformada (calvinista), confirmam a nossa
convicção a respeito dos três elementos que se acham na conversão tem suas
raízes na vida subconsciente; embora não afirmem explicitamente, e nalguns
casos até neguem que ela tem sua explicação numa obra divina – na obra do
Espírito Santo – realizada nos umbrais da consciência, a ora da regeneração. Ao
mesmo tempo, não devemos exagerar a importância desses estudos. Alguns deles,
como, por exemplo, a obra de James, são decididamente unilaterais, desde que,
no caso da obra de James, ela está baseada inteiramente no estudo de conversões
extraordinárias, que ele achava mais interessantes. Além disso, eles não escaparam
do perigo de levar longe demais a idéia de operação da lei psíquica na
conversão, bem como o de passar por alto o lado divino e sobrenatural do
importante processo de conversão. James trata disso tudo como se fosse uma
mudança moral e a define de maneira geral como “o processo, gradual ou
repentino, pelo qual uma personalidade até então dividida e conscientemente
errada, inferior e infeliz, passa a ser unificada e conscientemente certa,
superior e feliz em conseqüência do seu apego mais firme às realidades
religiosas”.[7] Outras a
reduzem a um fenômeno puramente natural, e até mesmo a explicam em termos
materialistas, entendendo-a regida por leis físicas. Eles não descem, e, na
verdade, pela própria natureza do caso, não podem descer à raiz da questão, não
penetram e não podem penetrar as profundezas ocultas das quais brota a
conversão. É patente a tendência de desafiar a antiga e ortodoxa idéia de
conversão, achando que é anticientífico ensinar que a natureza religiosa do
homem é implantada miraculosamente. Eles não aceitam a luz da Palavra de Deus,
e, portanto, não contam com um padrão pelo qual julgar as coisas mais profundas
da vida. Diz Sonwden: “Como alguns psicólogos tentaram produzir uma psicologia
da alma sem alma, assim alguns se esforçaram para elaborar uma psicologia da
religião sem religião. Sob a sua maneira de tratar disso, a religião
evaporou-se, reduzindo-se a um sentimento ou uma ilusão meramente subjetiva,
sem qualquer realidade objetiva, e tal psicologia da religião é destruída de
fundamento e sem valor, como psicologia e como religião.”[8]
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 488)
* Nas décadas de 1920, 30 e 40. Nota do tradutor.
[1] The Psychology of Religion, p. 162.
[2] The Religious Consciouness, p. 123.
[3] The Spiritual Life, p. 140.
[4] The Vaieties of Religious
Experience, p. 242.
[5] P. 243
[6] The Psychology of Religious
Experience, p. 258.
[7] Op. cit., p. 189.
[8] The Psychology of Religion, p. 20.