Já transparece na seção anterior que a
conversão compreende dois elementos, quais sejam, o arrependimento e a fé.
Destes, o primeiro é retrospectivo e o segundo é prospectivo. O arrependimento
relaciona-se diretamente com a santificação, enquanto que a fé está
estreitamente, embora não exclusivamente, relacionada com a justificação. Em
vista do fato que a fé será discutida num capítulo à parte, vamos limitar-nos
ao arrependimento aqui, definindo-o como a mudança produzida na vida
consciente do pecador, pela qual ele abandona o pecado.
1. ELEMENTOS DO ARREPENDIMENTO. Distinguimos três elementos
no arrependimento:
a. Um elemento intelectual. Há uma
mudança de conceito, um reconhecimento de que o pecado envolve culpa pessoal,
contaminação e desamparo. Este elemento é designado na Escritura como epignosis
hamartias (conhecimento do pecado), Rm 3.29, cf. 1.32. Se este não for
acompanhado pelos elementos subseqüentes, poderá manifestar-se como temor do
castigo, sem ódio ao pecado.
b. Um elemento emocional. Há uma
mudança de sentimento que se manifesta em tristeza pelo pecado contra um Deus
santo e justo, Sl 51.2, 10, 14. Este elemento do arrependimento é indicado pelo
verbo metamelomai. Quando acompanhado pelo elemento subseqüente, é lupe
kata theou (tristeza segundo Deus), mas se não for acompanhado por ele,
será lupe tou kosmou (tristeza do mundo), que se manifesta em remorso e
desespero, 2 Co 7.9, 10; Mt 27.3; Lc 18.23.
c. Um elemento volitivo. Há também um
elemento volitivo, que consiste numa mudança de propósito, num abandono
interior do pecado e numa disposição para a busca do perdão e da purificação,
Sl 51.5, 7, 10; Jr 25.5. Este elemento inclui os outros dois, e, portanto, é o
aspecto mais importante do arrependimento. É indicado na Escritura pela palavra
metanoia, At 2.38; Rm 2.4.
2. O SACRAMENTO DA PENITÊNCIA , DA IGREJA
CATÓLICA ROMANA. A Igreja de Roma exteriorizou inteiramente a idéia de
arrependimento. Os elementos mais importantes do seu sacramento da penitência
são a contrição, a satisfação e a absolvição. Destes
quatro, a contrição é o único que pertence propriamente ao arrependimento, e
mesmo deste o romanista exclui toda tristeza pelos pecados inatos, e só retém a
tristeza pelas transgressões pessoais. E porque uns poucos experimentam a contrição
real, ele também se satisfaz com a atrição. Esta é “a convicção mental
de que o pecado merece punição, mas não inclui a confiança em Deus e o
propósito de abandonar o pecado. É o medo do inferno”[1].
Confissão, na Igreja Católica Romana, é confissão ao sacerdote, que absolve o
confessante, não declarativa, mas judicialmente. Além disso, a satisfação
consiste na prática da penitência pelo pecador, isto é, suportando ele alguma
coisa dolorosa, ou realizando alguma tarefa difícil ou desagradável. A idéia
central é que tais práticas externas constituem realmente uma satisfação pelo
pecado.
3. CONCEITO BÍBLICO DE ARREPENDIMENTO.
Contra esse conceito externo de arrependimento, a idéia escriturística deve ser
defendida. De acordo com a Escritura, o arrependimento é um ato totalmente
interno, e não deve ser confundido com a mudança da vida que dele procede. A
confissão do pecado e a reparação dos males praticados são frutos do
arrependimento. O arrependimento é somente uma condição negativa, e não um meio
positivo de salvação. Embora sendo o dever do atual pecador, não vale para as
exigências da lei quanto às transgressões passadas. Além disso, o
arrependimento jamais existe, senão em conjunção com a fé, ao passo que, por
outro lado, onde quer que haja fé verdadeira, há também arrependimento
verdadeiro. Ambos são apenas diferentes aspectos do mesmo movimento – movimento
de abandono do pecado em direção a Deus. Lutero falava às vezes de um
arrependimento que antecede à fé, mas, sem embargo, parece que concordava com
Calvino em considerar o arrependimento verdadeiro como um dos frutos da fé. Os
luteranos gostam de salientar o fato de que o arrependimento é produzido pela
lei, e a fé pelo, Evangelho. Devemos ter em mente, porém, que os dois são
inseparáveis; são simplesmente complementares do mesmo processo.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 485)
[1] Schaff, Our Father’s Faith and
Ours, p. 358. Cf. edição em português, Nossa Crença e a de Nossos Pais,
p. 332).