A opinião geralmente
predominante fora dos círculos batistas ou imersionistas é que, desde que a
idéia fundamental, a saber, a de purificação, ache expressão no rito, o modo do
batismo é deveras insignificante. Pode ser igualmente ministrado por imersão,
derramamento, afusão ou aspersão. A Bíblia simplesmente emprega a palavra
genérica para denotar uma ação destinada a produzir certo efeito, qual seja,
limpeza ou purificação, mas em parte nenhuma determina o modo específico pelo
qual o efeito há de ser produzido. Jesus não prescreve um determinado modo de
batismo. Evidentemente, Ele não deu a isso tanta importância como a que os
imersionistas dão. Tampouco os exemplos bíblicos de batismo acentuam algum modo
em particular. Não
há um único caso em que se nos diga explicitamente como se deve ministrar o
batismo.
Todavia, os batistas asseveram que o Senhor ordenou o
batismo por imersão, e que todos quantos o ministram de maneira diferente estão
agindo em franca desobediência à Sua autoridade. Para provarem sua afirmação,
recorrem às palavras bapto e baptizo, que são empregadas na
Escritura com o sentido de “batizar”. Vê-se que a segunda palavra é uma forma
intensiva ou freqüentativa da primeira, embora no uso geral nem sempre se
mantenha a distinção. Bapto é empregado muitas vezes no Velho
Testamento, mas no Novo Testamento só ocorre quatro vezes, a saber, em Lc
16.24; Jo 13.26; Ap 19.13, e, nestes casos, não se refere ao batismo cristão.
Houve tempo em que os batistas estavam muito confiantes em que o único sentido
deste verbo é “imergir”; mas muitos deles mudaram de opinião desde quando
Carson, uma das suas maiores autoridades, chegou à conclusão de que o referido
verbo tem também um sentido secundário, qual seja, o de “morrer”, de sorte que
veio a significar “morrer por submersão” e ainda “morrer de qualquer maneira”,
caso em que deixou de ser indicativo do modo.[1]
Surgiu ainda a questão sobre se o verbo baptizo, que é utilizado 76
vezes e que é empregado pelo Senhor nas palavras da instituição, é derivado de bapto
em seu sentido primário ou em seu sentido secundário. E o doutor Carson
responde que é derivado de bapto no sentido de “imergir”. Diz ele: “Já
demonstrei que bapto possui dois sentidos, e somente dois, “imergir” e
“morrer”. Baptizo, asseverei, tem apenas uma significação. Esta se
encontra no sentido primário da raiz, e nunca admiti o secundário. Minha
posição é que ele sempre significa imergir, jamais expressando nada senão
modo”.[2]
Os imersionistas têm que afirmar isso, se querem provar que o Senhor ordenou o
batismo por imersão.
Mas os fatos, como aparecem tanto no grego clássico
como no grego do Novo Testamento, não oferecem base para essa posição. Mesmo o
doutor Gale, talvez o autor mais culto dos que procuram sustentar isso,
sentiu-se constrangido pelos fatos a modifica-la. Wilson, em sua esplendida
obra sobre o Batismo de Crianças (Infant Baptism), que, em parte, é uma
réplica à obra do doutor Carson, cita estes dizeres de Gale: ”A palavra baptizo
pode não expressar tão necessariamente a ação de colocar debaixo d’água,
como se daria em geral com uma coisa nessa condição, não importando como
chegou a ficar assim, se foi mergulhada na água, ou se a água veio sobre ela;
se bem que, na verdade, mergulhar na água é o modo mais natural e mais comum,
e, portanto, este modo está implícito usual e muito constantemente, mas não
necessariamente”.[3] Wilson
demonstra conclusivamente que, de acordo com o uso do grego, o batismo é
efetuado de vários modos. Diz ele: “Deixe-se o elemento batizante circundar o
seu objeto, e, no caso dos líquidos, seja que esta condição relativa tenha sido
produzida por imersão, afusão ou absorção, ou de qualquer outro modo, o uso
grego o reconhece como batismo válido.” Ele prossegue e mostra
pormenorizadamente que é impossível manter a posição de que, no Novo
Testamento, a palavra baptizo sempre significa imersão.[4]
É mais que evidente que ambos as apalavras, bapto
e baptizo, tinham outros sentidos, como os de “lavar”, “banhar-se” e
“purificar mediante lavamento”. A idéia de lavamento ou purificação aos poucos
se tornou a idéia proeminente, ao passo que a da maneira pela qual isto se
realizava foi-se afastando para os fundos do cenário. Que esta purificação às
vezes era efetuada por aspersão, é evidente em passagens como Nm 8.7; 19.13,
18, 19, 20; sl 51.7; Ez 36.25; Hb 9.10. No apócrifo Judite 12.7 e em Mc 7.3, 4
não temos a menor possibilidade de pensar em imersão. Tampouco
é possível isso no contexto das seguintes passagens do Novo Testamento: Mt
3.11; Lc 11.37, 38; 12.50; Rm 6.3; 1 Co 12.13; Hb 9.10 (cf. os versículos 13,
14, 19, 21); 1 Co 10. 1, 2. Visto que a palavra baptizo não significa
necessariamente “imergir”, e uma vez que em nenhum caso o Novo Testamento
afirma explicitamente que o batismo era feito por imersão, o peso da prova (o onus
probandi) permanece sobre os imersionistas.
João Batista seria capaz de realizar a enorme tarefa de
fazer imergir as multidões que se ajuntavam em torno dele às margens do rio
Jordão, ou ele simplesmente derramava água sobre elas, como indicam algumas das
inscrições primitivas?* Os
apóstolos teriam achado água suficiente em Jerusalém e teriam as facilidades
necessárias para batizar por imersão três mil pessoas num só dia? Onde estão as
evidências que provam que eles seguiram algum outro método, e não o modo dos
batismos do Velho Testamento? Acaso Atos 9.18 mostra de algum modo que Paulo
saiu do lugar em que
Ananias o encontrara, para deixar-se imergir nalgum lago ou
rio? O relato do batismo de Cornélio não dá a impressão de que a água teve que
ser trazida e que as pessoas presentes foram batizadas na casa mesmo? (At
10.47, 48). Há alguma prova de que o carcereiro de Filipos não foi batizado na
prisão ou perto dela, mas levou seus prisioneiros até o rio, para que pudessem
fazer-se imergir? Teria ele ousado levá-los para fora da cidade, quando lhe
fora ordenado que os mantivesse presos com segurança? (At 16.22-33). Até a narrativa
do batismo do eunuco, em At. 8.36, 38, que muitas vezes é vista como a mais
forte prova bíblica do batismo por imersão, não pode ser considerada como
evidência conclusiva. Um cuidadoso estudo de uso que Lucas faz da preposição eis
mostra que ele a empregava, não somente no sentido de para dentro de, mas
também no sentido de a ou para, de modo que é inteiramente possível ler a
significativa informação dada no versículo 38 como segue: “ambos desceram à
água e Filipe batizou o eunuco”. E mesmo que as palavras estivessem destinadas
a transmitir a idéia de que eles desceram dentro da água, isto ainda não
provaria o ponto, pois, de acordo com representações feitas em gravuras dos
primeiros séculos, os que eram batizados por afusão muitas vezes ficavam de pé
dentro d’água, durante o batismo. É inteiramente possível, por certo, que na
era apostólica alguns tenham sido batizados por imersão, mas o fato de que em
parte alguma o Novo Testamento insiste nisso, prova que a imersão não era
essencial. A imersão é um bom modo do batismo, mas também o é o batismo por
afusão ou por aspersão, desde que todos eles simbolizam purificação. As
passagens aludidas acima provam que muitas abluções veterotestamentárias
(batismos)eram feitas por aspersão. Numa profecia a respeito da renovação
espiritual do dia do Senhor no Novo Testamento, diz o Senhor: “Então aspergirei
água pura sobre vós, e ficareis purificados”, Ef 36.25. O elemento simbolizado
no batismo, a saber, o Espírito purificador, foi derramado sobre a igreja, Jl
2.28, 29; At 2.4, 33. E o escritor de Hebreus fala dos seus destinatários como
tendo os seus corações purificados (aspergidos) de má consciência, Hb 10.22.**
(Berkhof,
L. – Teologia Sistemática Pg633)
[1] Carson, Baptism in its Mode and
Subjects, p. 44 e segtes.
[2] Op.
cit., p. 55.
[3] P. 97.
[4]
Quanto aos vários significados possíveis de baptizo, consultem-se, além
do tratado de Wilson, acima referido, obras como as de Armstrong, The
Doctrine of Baptisms; Seiss, The Baptist System Examibed; Ayres, Christian
Baptism; e Hibbard, Christian Baptism.
* Haja vista o quadro que representa João Batista e Jesus de
pé dentro do rio Jordão, e João derramando água sobre a cabeça do Mestre. O
referido quadro é do segundo século e atualmente se acha em Ravena, região de
Emília, Itália. Nota do tradutor.
** No original grego, “tendo sido aspergidos os corações de má
consciência”. Nota do tradutor.