quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A ESCATOLOGIA NA FILOSOFIA E NA RELIGIÃO

1. A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA É UMA QUESTÃO NATURAL. Alguma doutrina das últimas coisas não é coisa peculiar à religião cristã. Onde quer que as pessoas tenham refletido seriamente sobre a vida humana, seja no indivíduo, seja na raça, não inquiriram apenas donde ela surgiu e como veio a ser o que é, mas também para onde está destinada. Elas levantaram a questão, Qual é o fim ou o destino final do indivíduo, e qual a meta rumo à qual a raça humana está se movendo? O homem perece na morte, ou entra noutro estado de existência, quer de bem-aventurança, quer de infortúnio? As gerações dos homens virão e passarão, numa sucessão interminável e finalmente sucumbirão no esquecimento, ou a raça dos filhos dos homens e toda a criação estarão a mover-se para algum telos divino, para um fim que lhe foi designado por Deus? E se a raça humana está se movendo para alguma condição final, ideal, as gerações que vêm e passam participarão disso de algum modo, e, se for assim, como participarão? Ou servirão elas apenas como uma passagem que leva ao grandioso clímax? Naturalmente, só os que crêem que, assim como a história do mundo teve um princípio, também terá um fim, podem falar de uma consumação e podem ter uma doutrina da escatologia.
2. A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA NA FILOSOFIA. A questão do destino final do indivíduo e da raça ocuparam importante lugar nas especulações dos filósofos. Platão ensinava a imortalidade da alma, isto é, sua existência continuada após a morte, e esta doutrina persistiu como um importante dogma da filosofia até à época presente. Spinoza não teve lugar para ela em seu sistema panteísta, mas Wolff e Leibnitz a defenderam com toda sorte de argumentos. Kant dava ênfase à insustentabilidade desses argumentos, mas, não obstante, conservou a doutrina da imortalidade como um postulado da razão prática. A filosofia idealista do século dezenove a rejeitou. De fato, como diz Haering, “O panteísmo de todos os tipos limita-se a um definido modo de contemplação, e não leva a nenhuma realidade ‘última’”. Os filósofos não refletiam somente sobre o futuro do indivíduo; também pensavam profundamente no futuro do mundo. Os estóicos falavam de sucessivos ciclos de mundos, e os budistas, de eras de mundos, em cada uma das quais um novo mundo aparece e volta a desaparecer. Até mesmo Kant especulava sobre o nascimento e a morte dos mundos.
3. A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA NA RELIGIÃO. Contudo, é especialmente na religião que encontramos concepções escatológicas. Mesmo as religiões falsas, tanto as mais primitivas como as mais evoluídas, têm sua escatologia. O budismo tem o seu nirvana, o maometanismo o seu paraíso sensual, e os índios americanos os seus felizes campos de caça. A crença na permanente existência da alma aparece em toda parte e sob diversas formas. Diz J. T. Addison: “A crença em que a alma do homem sobrevive à sua morte, tão perto está de ser universal que não temos nenhum registro confiável de alguma tribo, nação ou religião em que ela não esteja em destaque”.[1] Pode manifestar-se na convicção de que os mortos continuam pairando nos arredores e por perto, no culto aos antepassados, na busca de comunicação com os mortos, na concepção de um mundo subterrâneo habitado pelos mortos, ou na idéia da transmigração das almas; mas, numa ou noutra forma, está sempre presente. Nessas religiões, porém tudo é vago e incerto. É somente na religião cristã que a doutrina das últimas coisas recebe maior precisão e traz consigo uma segurança que só pode ser divina. Naturalmente, os que não se contentam em descansar sua fé exclusivamente na Palavra de Deus, mas a fazem depender da experiência e das produções da consciência cristã, estão em grande desvantagem aqui. Embora possam experimentar um despertamento espiritual, a iluminação divina, o arrependimento e a conversão, e possam observar os frutos da graça em suas vidas, não podem experimentar nem ver as realidades do mundo futuro. Terão que aceitar o testemunho de Deus a respeito delas, ou que continuar andando às apalpadelas no escuro. Se não desejam construir a casa da sua esperança em vagas e indeterminadas aspirações, terão que retornar ao firme fundamento da Palavra de Deus.
(Berkhof, L. – Teologia Sistemática Pg 664)


[1] Life Beyond Death, p.3.