É de considerável importância ter correta
concepção da relação que há entre a santificação e alguns dos outros estágios
da obra de redenção.
1. COM A REGENERAÇÃO. Há aqui diferença e
semelhança. A regeneração é completada de uma vez, pois o homem não pode ser
mais ou menos regenerado; está vivo ou morto espiritualmente. A santificação é
um processo que produz mudanças graduais, de sorte que é possível distinguir
diferentes graus da santidade resultante. Daí, somos admoestados a aperfeiçoar
a santidade, no temor do Senhor, 2 Co 7.1. O Catecismo de Heidelberg também
pressupõe a existência de graus de santidade, quando declara que, mesmo “os
homens mais santos, nesta existência, têm apenas um pequeno princípio desta
obediência”.[1] Ao mesmo tempo,
a regeneração é o princípio da santificação. A obra de renovação, iniciada
naquela, tem prosseguimento nesta, Fp 1.6. Diz Strong: “Ela (a santificação) se
distingue da regeneração como o crescimento se distingue do nascimento, ou como
o fortalecimento de uma santa disposição se distingue da comunicação original
dela”.[2]
2. COM A JUSTIFICAÇÃO. Na aliança da graça
a justificação precede à santificação e lhe é básica. Na aliança das obras a
ordem da justiça e da santidade é precisamente o inverso. Adão foi criado com
uma santa disposição e inclinação para servir a Deus, mas, com base nesta
santidade, ele tinha que se sair bem na prática da justiça para ter direito à
vida eterna. A justificação é a base judicial da santificação. Deus tem direito
de exigir de nós santidade no viver, mas, uma vez que não podemos ter bom êxito
com esta santidade por nós mesmos, Ele gratuitamente a produz em nós, por
intermédio do Espírito Santo, com base na justiça de Jesus Cristo, que nos é
imputada na justificação. O próprio fato de que ela se baseia na justificação, na
qual a livre graça de Deus sobressai com a máxima proeminência, exclui a idéia
de que alguma vez possamos merecer alguma coisa na santificação. A idéia
católica romana de que a justificação habilita o homem para praticar obras
meritórias é contrária à Escritura. A justificação, como tal, não efetua
mudança em nosso ser interior e, portanto, necessita da santificação como seu
complemento. Não basta que o pecador tenha a posição de justo diante de Deus; é
preciso também que ele seja santo em sua vida interior. Barth tem uma descrição
bem incomum da relação entre a justificação e a santificação. Com o fim de
evitar toda justiça própria, ele insiste em que as duas sejam sempre
consideradas juntamente. Elas andam juntas e não devem se consideradas
quantitativamente, como se uma seguisse a outra. A justificação não é um posto
pelo qual a gente passa, um fato realizado em cuja base logo parte para a
estrada principal da santificação. Não é um fato consumado que se possa ver
olhando para trás com definida segurança, mas ocorre sempre de novo, toda vez
que o homem chega ao ponto de completo desespero, e então vai de mãos dadas com
a santificação. E, exatamente como o homem continua sendo pecador depois da
justificação, assim continua sendo pecador na santificação; mesmo as suas
melhores ações continuam sendo pecado. A santificação não gera uma disposição
santa, e não purifica gradativamente o homem. Não lhe dá posse de alguma
santidade pessoal, não faz dele um santo, mas o deixa pecador. A santificação
passa a ser realmente um ato declarativo, como a justificação. McConnachie,
intérprete de Barth que o vê com muita simpatia, diz: “Portanto, para Barth a
justificação e a santificação são duas faces de um ato de Deus sobre os homens.
A justificação é o perdão do pecador (justificatio impii), pelo qual Deus
declara justo o pecador. A santificação é santificação do pecador
(sanctificatio impii), pela qual Deus declara ‘santo’ o pecador”. Por mais
louvável que seja o desejo de Barth de destruir todo vestígio de justiça das obras,
certamente ele vai a um extremo destituído de fundamento, no qual virtualmente
confunde a justificação com a santificação, denega a vida cristã e elimina a
possibilidade de confiante segurança.
3. COM A FÉ. A fé causa mediata ou
instrumental santificação, como também da justificação. Não merece a
santificação, como tampouco a justificação, mas nos une a Cristo e nos mantém
em contato com Aquele que é a Cabeça da nova humanidade, a fonte da nova vida
em nós, e também da nossa progressiva santificação, através da operação do
Espírito Santo. A consciência do fato de que a santificação se baseia na
justificação e de que é impossível sobre qualquer outra base, e de que o
constante exercício da fé é necessário para haver avanço no caminho da
santidade, proteger-nos-á de toda justiça própria em nossa luta para progredir
na vida piedosa e na santidade em nosso viver. Merece particular atenção aqui o
fato de que, enquanto que mesmo a mais fraca fé serve de meio para uma
justificação perfeita, o grau de santificação é proporcional ao vigor da fé
cristã e à persistência com que se apega a Cristo.
(TEOLOGIA SISTEMÁTICA – LOUIS BERKHOF Pg.538)