A santificação e as boas obras são
interrelacionadas muito intimamente. Precisamente como a velha vida se expressa
nas obras do mal, assim a nova vida, que se origina na regeneração e é
promovida e fortalecida na santificação, naturalmente se manifesta nas boas
obras. Estas podem ser denominadas frutos da santificação e, como tais, entram
em consideração aqui.
1. NATUREZA DAS BOAS OBRAS.
a. As boas obras no sentido
especificamente teológico. Quando falamos das boas obras em conexão com a
santificação, não nos referimos a obras que são perfeitas, que correspondem
perfeitamente às exigências da lei moral divina e que são de tanto valor
inerente que dão à pessoa o direito à recompensa da vida eterna sob as
condições da aliança das obras. Referimo-nos, porém, a obras que são
essencialmente diversas, quanto à qualidade moral, das ações dos não
regenerados, e que são expressões de uma nova e santa natureza, como o
princípio do qual elas provêm. Estas são obras que Deus não somente aprova,
mas, em certo sentido, também recompensa. Eis as características das obras
espiritualmente boas: (1) São frutos de um coração regenerado, visto que, sem
isso, ninguém pode ter a disposição (obedecer a Deus) e o motivo (glorificar a
Deus) exigidos, Mt 12.33; 7.17, 18. (2) Não estão apenas em externa
conformidade com a lei de Deus, mas também são feitas com consciente
desobediência à vontade revelada de Deus, isto é, porque são exigidas por Deus.
Elas brotam do princípio do amor a Deus e do desejo de fazer a Sua vontade, Dt
6.2; 1 Sm 15.22; Is 1.12; 29.13; Mt 15.9. (3) Seja qual for o seu objetivo, seu
alvo final não é o bem-estar do homem, mas a glória de Deus, que é o supremo
alvo concebível da vida humana. 1 Co 10.31; Rm 12.1; Cl 3.17, 23.
b. As boas obras num sentido mais geral.
Conquanto a expressão “boas obras” seja geralmente empregada na teologia no
sentido estrito recém-indicado, permanece sendo verdade que os não regenerados
também podem praticar obras que podem ser chamadas boas num sentido superficial
da palavra. Eles muitas vezes praticam boas obras que estão em conformidade
exterior com alei de Deus e que podem ser chamadas objetivamente boas, em
distinção das flagrantes transgressões da lei. Tais obras atendem a um fim
próximo que recebe a aprovação de Deus. Ademais, em virtude dos restos da
imagem de Deus presentes no homem natural e da luz da natureza, o homem pode
ser guiado em sua relação com outros homens por motivos louváveis e, dentro
destes limites, levar o selo da aprovação de Deus. Contudo, essas boas obras
não podem ser consideradas frutos do coração corrupto do homem. Só encontram
sua explicação na graça comum de Deus. Acresce que devemos ter em mente que,
embora estas obras possam ser chamadas boas em certo sentido, e assim sejam
chamadas na Bíblia, Lc 6.33, todavia, são essencialmente defeituosas. Os feitos
dos não regenerados estão divorciados da raiz espiritual do amor a Deus. Não
representam nenhuma obediência interior à lei de Deus, e nenhuma sujeição à
vontade do soberano Governador de céus e terra. Não têm objetivo espiritual,
visto que não são feitas com o propósito de glorificar a Deus, mas somente
atentam para as relações da vida natural. A verdadeira qualidade de um ato é,
naturalmente, determinada pela qualidade do seu objetivo final. A capacidade
dos não regenerados para a prática de boas obras, nalgum sentido da expressão,
tem sido negada muitas vezes. Barth dá um passo mais, quando chega ao extremo
de negar que os crentes possam fazer boas obras, e afirma que todas as obras
dos crentes são pecados.
(TEOLOGIA SISTEMÁTICA – LOUIS BERKHOF Pg.542)