Relativamente à natureza da regeneração, há
diversos conceitos errôneos que devem ser evitados. Podemos muito bem mencionar
primeiro estes, antes de expor as qualificações positivas desta obra recriadora
de Deus.
1. CONCEITOS ERRÔNEOS. (a) A regeneração
não é uma mudança ocorrida na substância da natureza humana, como o
ensinavam os maniqueus e, nos dias da Reforma, Flácio Illírico, que concebiam o
pecado original como uma substância, a ser substituída por outra substância na
regeneração. Nenhuma nova semente física, nenhum germe físico é implantado no
homem: tampouco há qualquer adição ou subtração às faculdades da alma. (b)
Também é simplesmente uma mudança ocorrida numa ou mais faculdades da alma,
como, por exemplo, da vida emocional (sentimento ou coração), pela remoção da
aversão às coisas divinas, como alguns conservadores a concebem; ou do
intelecto, pela iluminação da mente que se acha obscurecida pelo pecado, como a
consideram os racionalistas. Ela afeta o coração, compreendido no sentido
bíblico da palavra, isto é, como o órgão central e totalmente dominante da
alma, do qual “procedem as fontes da vida” (Pv 4.23). quer dizer que a
regeneração afeta a natureza humana em sua totalidade. (c) Também não é uma
mudança completa ou perfeita da natureza total do homem, ou de alguma parte
dela, de sorte que ela não é mais capaz de pecar, como o ensinavam os
anabatistas extremos e algumas outras seitas fanáticas. Não significa que, em
princípio, ela não afeta a natureza inteira do homem, mas somente que não
constitui a mudança completa, que é produzida no homem pela operação do
Espírito Santo. Ela não abrange a conversão e a santificação.
2. CARACTERÍSTICAS POSITIVAS DA
REGENERAÇÃO. Podem ser feitas as seguintes asserções positivas a respeito da
regeneração:
a. A regeneração consiste na implantação do
princípio da nova vida espiritual no homem, numa radical mudança da
disposição dominante da alma, que, sob a influência do Espírito Santo, dá
nascimento a uma vida que se move em direção a Deus. Em princípio, esta mudança
afeta o homem completo: o intelecto, 1 Co 2.14, 15; 2 Co 4.6; Ef 1.18; Cl 3.10;
a vontade, Sl 110.3; Fp 2.13; 2 Ts 3.5; Hb 13.21; e os sentimentos ou emoções,
Sl 42.1; Mt 5.4; 1 Pe 1.8.
b. É uma transformação instantânea
da natureza do homem, afetando imediatamente o homem todo, intelectual,
emocional e moralmente. A afirmação de que a regeneração é uma mudança
instantânea implica duas coisas: (1) que não é uma obra que vai sendo levada a
efeito gradativamente na alma, como ensinam os católicos romanos e todos os
semi-pelagianos; não há nenhum estágio intermediário entre a vida e a morte; ou
a pessoa vive ou está morta; e (2) que não é um processo gradual como a
santificação. É verdade que alguns escritores reformados (calvinistas)
empregaram ocasionalmente o termo “regeneração” como incluindo até a
santificação, mas isso foi no tempo em que a ordo salutis não estava tão
completamente desenvolvida como está hoje.
c. Em seu sentido mais limitado, é uma
mudança que ocorre na vida subconsciente. É uma secreta e inescrutável obra de
Deus que o homem nunca percebe diretamente. A mudança pode ter lugar sem
que o homem esteja cônscio dela momentaneamente, se bem que não é o que se dá
quando a regeneração e a conversão coincidem; e mesmo mais tarde ele só pode
percebe-la em seus efeitos. Isto explica por que um cristão pode, por um
lado, lutar durante longo tempo com dúvidas e incertezas e, não obstante, pode,
por outro lado, domina-las paulatinamente e ascender às alturas da segurança.
3. DEFINIÇÃO DE REGENERAÇÃO. Do que acima
foi dito sobre o emprego atual da palavra “regeneração”, segue-se que se pode
definir a regeneração de duas maneiras. No sentido mais restrito da palavra,
podemos dizer: Regeneração é o ato de Deus pelo qual o princípio da nova
vida é implantado no homem, e a disposição dominante da alma é tornada santa.
Mas, a fim de incluir a idéia do novo nascimento, como também a da nova
geração, será necessário complementar a definição com as seguintes palavras:
“... e o primeiro exercício santo desta nova disposição é assegurado”.
(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 466)