quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Meios Pelos Quais Opera a Graça Comum

Podemos distinguir vários meios pelos quais a graça comum leva a afeito a sua obra. Calvino sugere alguns deles, quando, ao falar da influência restringente da graça comum, diz: “Daí, por mais que os homens disfarcem a sua impureza, alguns só são impedidos de irromper em muitos tipos de iniqüidade pela vergonha, outros pelo temor das leis. Alguns aspiram a uma vida honesta, julgando que favorece mais aos seus interesses, enquanto outros são elevados acima da sorte vulgar para que, pela dignidade da sua posição social, se mantenham inferiores aos seus direitos e deveres. Assim Deus, por Sua providência, refreia a perversidade da natureza, impedindo-a de entrar em ação, mas sem torna-la interiormente pura”.[1] Os seguintes são alguns dos mais importantes meios pelos quais a graça comum realiza a sua obra:

1. A LUZ DA REVELAÇÃO DE DEUS. Esta é fundamental, pois sem ela, todos os outros meios seriam impossíveis, e, mesmo que fossem possíveis, não funcionariam apropriadamente. Temos em mente aqui primariamente a luz da revelação de Deus que brilha na natureza e ilumina todo homem que surge no mundo. Ela mesma é fruto da graça comum, mas, por sua vez, vem a ser um meio para maior manifestação dela, visto que serve para guiar a consciência do homem natural. Paulo fala dos gentios que praticam por natureza as coisas da lei, dizendo que eles “mostram a norma da lei gravada nos seus corações, testemunhando-lhes também a consciência, e os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou defendendo-se” Rm 2.14, 15. Comentando esta passagem, diz Calvino que esses gentios “provam que há impressa em seus corações uma capacidade de discriminação e de julgamento com que eles distinguem entre o que é justo e o que é injusto, entre o que é honesto e o que é desonesto”.[2] Acresce, contudo, que se pode dizer que a graça comum, num sentido mais restrito, opera também na luz da revelação especial de Deus, que não é fruto da graça comum, mas, sim, da graça especial.

2. GOVERNOS. Destes também se pode dizer que são fruto e meio da graça comum. Segundo Rm 13, os governos são ordenados por Deus para a manutenção da boa ordem na sociedade.Resistir a eles é resistir à ordenação de Deus. A autoridade governante, diz o apóstolo, “é ministro de Deus para teu bem”, Rm 13.4. Ele vê suporte na consciência do homem (versículo 5), e, quanto ao mais, “não é sem motivo que ela traz a espada” (vers.4) . Sobre este ponto diz a confissão Belga: “Cremos que o nosso gracioso Deus , devido à depravação da humanidade, designou reis, príncipes e magistrados, desejoso de que o mundo seja governado por certas leis e formas de vigilância, com o fim de que a dissolução dos homens fosse refreada e todas as coisas fossem conduzidas com boa ordem e decência entre eles”.2

3. OPINIÃO PÚBLICA. A luz que brilha nos corações dos homens, especialmente quando reforçada pela influência da revelação especial de Deus, resulta na formação de uma opinião pública extrema conformidade com a lei de Deus, e isso tem tremenda influência sobre a conduta dos que são sensíveis ao julgamento da opinião pública. Naturalmente, a opinião pública só será um meio da graça comum quando formada sob a influência da revelação de Deus. Senão for dirigida pela consciência, agindo em harmonia com a luz da natureza, ou pela Palavra de Deus, será uma poderosa influência para o mal.

4. PUNIÇÕES E RECOMPENSAS DIVINAS. As disposições providenciais de Deus, pelas quais Ele visita a iniqüidade dos homens neles mesmos, nesta vida, e recompensas as ações que se harmonizam exteriormente com a lei divina, atendem a um importante propósito, refreando o mal existente no mundo. As punições têm efeito dissuasório, e as recompensas servem de incentivo. Por este meio, toda bondade moral que há no mundo é fortemente estimulada. Muitos se esquivam do mal e buscam o bem, não porque temam a Deus, mas porque percebem que o bem traz sua própria recompensa e atende melhor aos seus interesses.

(Teologia Sistemática – Louis Berkhof. Pg. 437)



[1] Inst. II. 3,3.
[2] Comentário de Romanos, in loco.