Várias questões podem ser levantadas a
respeito desta relação, das quais as seguintes são algumas das mais
importantes:
1. A GRAÇA ESPECIAL E A
COMUM DIFEREM ESSENCIALMENTE, OU SOMENTE NO DECRETO? Os arminianos reconhecem
ao lado da graça suficiente (comum) a graça da obediência evangélica, mas
afirmam que as duas diferem somente em grau, não em essência. Ambas são
soteriológicas, no sentido de que fazem parte da obra salvadora de Deus. A
primeira possibilita ao homem arrepender-se e crer, ao passo segunda, em
cooperação com a vontade, faz com que o homem se arrependa e creia. Ambas podem
sofrer resistência, de maneira que, mesmo a segunda não é necessariamente
eficaz para a salvação. Todavia, a teologia reformada (calvinista) insiste na
diferença essencial entre a graça comum e a especial. A graça especial é
sobrenatural e espiritual; remove a culpa e a corrupção do pecado, e suspende a
sentença de condenação. A graça comum, por outro lado, é natural; e, embora
algumas das suas formas possam estar estreitamente relacionadas com a graça
salvadora, ela não remove o pecado nem liberta o homem, mas simplesmente
restringe as manifestações externas do pecado e promove a moralidade e a decência
exteriores, boa ordem na sociedade, justiça cívica, desenvolvimento da ciência
e da arte etc. Ela age somente na esfera natural, e não na espiritual. Deve-se
sustentar, que, embora ambas estejam estreitamente relacionadas na presente
vida, são essencialmente diferentes, não diferindo apenas em grau. Haja quanta
graça comum houver, não introduzirá o pecador na vida que há em Cristo
Jesus.Contudo, a graça comum às vezes se revela em formas que dificilmente o
homem pode distinguir das manifestações da graça especial como, por exemplo, no
caso da fé temporal. Ao que parece, o dr. Shedd não tem especialmente em mente
a diferença essencial entre ambas, quando diz: “O não eleito recebe a graça
comum, e a graça comum dobraria a vontade humana, se não fosse derrotada por
ela. Se o pecador não fizesse oposição hostil, a graça comum seria equivalente
à graça especial”. Numa nota ele acrescenta: “Dizer que a graça comum, se não
sofresse resistência do pecador, seria equivalente à graça regeneradora, não é
o mesmo que dizer que a graça comum, se ajudada pelo pecador, seria
equivalente à graça regeneradora. No primeiro caso, Deus seria o único autor da
regeneração; no segundo, não seria”.[1]
Isto faz lembrar a teologia luterana, mas não está inteiramente claro o que o autor
quer dizer, pois noutro lugar ele atribui também a não resistência do pecador à
operação do Espírito Santo.[2]
3. A GRAÇA COMUM ATENDE
A UM PROPÓSITO INDEPENDENTE, OU NÃO? Não se pode duvidar de que, em parte, a
graça comum tem o seu propósito na obra redentora de Jesus Cristo; ela é
subserviente à execução do plano de Deus na vida dos eleitos e no
desenvolvimento da igreja. Mas, em acréscimo, atende também um propósito
independente, qual seja, trazer à luz e pôr em ação, para o serviço do homem,
as forças ocultas da natureza e desenvolver os poderes e talentos latentes na
raça humana, para que o homem possa progressivamente exercer domínio sobre a
criação inferior, para a glória de Deus, o Criador.[3]
4. A GRAÇA ESPECIAL E A
GRAÇA COMUM TÊM, CADA UMA, A SUA PRÓPRIA ESFERA PECULIAR E DISTINTIVA? Pode-se
dizer que, em certo sentido, a graça especial tem a sua própria esfera peculiar
na igreja organizada, se bem que não está limitada necessariamente a esta, e
que a graça comum também opera na igreja, pois ela é dada a todos os homens.
Ambas operam no mundo, mas, enquanto o graça comum, no sentido mais habitual da
expressão, diz respeito às coisas do mundo natural e da vida presente, a graça
especial tem que ver com as coisas da nova criação. Só podem influenciar-se
mutuamente. A graça comum enriquece a igreja com as suas bênçãos; e a igreja eleva
os frutos da graça comum a um nível superior, colocando-os sob a influência da
vida regenerada.
2. QUAL DAS DUAS É A PRIMEIRA, A GRAÇA
COMUM OU A GRAÇA ESPECIAL? A esta questão deve-se responder que, num sentido
temporal, não se pode dizer que qualquer delas tenha prioridade sobre a outra.
O capítulo três de Gênesis revela claramente que ambas entraram em ação
imediatamente após a Queda. Contudo, deve-se atribuir à graça especial a
prioridade lógica, porquanto a graça comum é-lhe subserviente em sua operação
no mundo.
(Teologia Sistemática – Louis Bekhof. Pg.
435)